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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA “A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS”, FREUD (1900)

Sigmund Freud foi um médico neurologista e importante psicanalista austríaco. Freud foi o fundador da psicanálise e a personalidade mais influente da história no campo da psicologia.
15/03/2025 às 12:26
   Há uma bibliografia enorme sobre interpretações de sonhos desde Freud, Jung, Rank, Meisel, Jessen, Landau, Stricker, Ullrich, etc, etc, e obviamente não existem conclusões em relação a essa matéria. Sendo produto do inconsciente, de fato, é extremamente difícil ou impossível se chegar a um consenso. Portanto, existem múltiplas interpretações desde as populares da idade média e dos tempos primitivos, até aquelas pertinentes aos estudiosos, aos cientistas, psicólogos e psiquiatras.

   Sonhar, portanto, é uma manifestação do cérebro extremamente complexa, não necessariamente um armazenamento de imagens que você já memorizou (por exemplo: seus pais que morreram e vocês conviveu com eles e a imagem está gravada na sua mente) e de coisas relacionadas ao seu dia a dia e durante sonhos afloram pessoas e localidades que você nunca viu na vida real e aparecem, tais como soldados do Exército romano ou o naufrágio de um navio, embora a pessoa sequer conheça o mar. 

   Vamos comentar o que é considerado o livro mais completo sobre essa matéria escrito por Sigmund Freud, em 1900, “A Interpretação dos Sonhos” (Companhia das Letras, capa dura, 700 páginas, tradução Paulo César de Souza, Amazon, R$97,50) em que esse médico psiquiatra criador da psicanálise interpreta vários sonhos seus e de pacientes à luz do conhecimento cientifico (das funções cerebrais), sonhos e análises de relatos de outros psiquiatras e psicólogos, e também faz comentários históricos de como se interpretavam os sonhos na antiguidade e dos seus colegas de profissão.

   Não há consenso. Nem poderia haver em tema tão intricado e que chama a atenção de todos porque sonhar não é um atributo de iluminados ou de estudiosos e o homem comum, desde criança à velhice sonha. Freud, ao menos tenta criar um mapa genérico sobre os sonhos organizando o livro em 7 capítulos: a literatura cientifica sobre os problemas dos sonhos; o método de interpretação dos sonhos com a análise de uma amostra de sonhos; o sonho é a realização de um desejo; a deformação onírica; o material e as fontes dos sonhos; o trabalho do sonho; a psicologia dos processos oníricos.

   Ninguém é obrigado a seguir (ou acreditar) no que deduz Freud de algumas interpretações e nem fazer comparativos com seus sonhos, até porque alguns exemplos dados pelo psiquiatra são relacionados com a cultura de Viena, Áustria, onde laborava.

    E nós, os brasileiros, dificilmente vamos sonhar com esses ambientes venezianos. Mas também é bom observar que Freud é um dos gênios da psiquiatria e um estudioso da matéria sonhos e o livro dele tem uma bibliografia extensa de mais de 100 autores alemães, franceses, ingleses e norte-americanos que consultou, analisou e opinou. Freud sempre foi um perfeccionista e também polemista e quando algo não lhe agradava ou lhe contestava reagia, daí que muitos dos seus discípulos o abandonaram.

   Então, trata-se de um livro com interpretações bem fundamentadas ainda que o leitor não possa se apegar como verdades muitas coisas que ele fala porque comparar corredores ou paredes com uma vagina pareça ser surreal. Mas o sonho tem muito de surreal e todos sabemos disso e experimentamos essas sensações ora a beira de um gozo sexual que não acontece; ora a beira da morte que também não acontece e a pessoa acorda deitado na cama, ou no máximo sentado e apavorado, porém, viva.

   Freud também não faz interpretações vulgares ou populares do tipo quem sonha com uma cobra vai ser traído ou quem sonha com o sol batendo nos olhos vai descobrir um tesouro. Ou o mais comum: sonhar com defuntos seria um chamamento ou convite à morte ou ao reino de Deus. 
  
   Em Freud estão expressos sentimentos relacionados com a psicanálise e creio que o pertinente e que mais coaduna com a realidade x sonho é quando relaciona o sonho com a realização de um desejo. Nem sempre esse desejo é concretizado, mas, ainda assim um desejo. Essa parte do livro pareceu-me mais interessante por ser a mais lógica. E, de fato, muitos desejos que se tem acabam aparecendo em sonhos.

  Freud comenta após analisar algumas formações de sonhos e resolver determinados conhecimentos psicopatológicas – fobias, histerias, ideias obsessivas e outras – diz: “descobrimos que o sonho tem realmente um sentido e que de maneira nenhuma é expressão de uma atividade cerebral fragmentada, como querem os estudiosos, e após completar o trabalho de interpretação, percebemos que o sonho é a realização de um desejo”. 

   O psicanalista, no entanto, esclarece que essa é uma observação antiga de outros estudiosos da matéria, não generalista. Isto é, ocorrem sonhos com conteúdos desagradáveis, “mas nenhum traço de realização de desejo”. 

   Esse é um dos pontos mais debatidos pelos estudiosos: o que provoca uma deformação onírica? 

    São muitos os contextos, até poéticos e Freud busca esse entendimento (a deformação) num paralelo da vida social de uma pessoa, na vida psíquica interior. E ele tem autoridade para dar alguns exemplos em relação a essa anomalia porque tratava de pacientes com neuroses e outras. 

   O livro de Freud, portanto, deve ser lido e analisado observado que se trata de argumentos de um cientista ainda que navegue também por suposições práticas das vida quando aborda, por conseguinte, “o material e as fontes dos sonhos” em texto mais agradável aos leitores na sua compreensão, tais como as vivências do último dia transcorrido (o que é uma pessoa na vida real fez ontem ou na semana e sonha com essa relação, o que é comum de acontecer); ou algo mais distante (da infância, da juventude, etc) e que está na sua memória e aflora; os estímulos somáticos provenientes do interior do corpo, os sonhos típicos (medo, nudez, sexo, etc) e uma gama de outros itens.

   No geral, a interpretação dos sonhos é – segundo o autor – a estrada real para conhecimento do inconsciente da vida psíquica.

   Adiante, esclarece: “Quando afirmamos que um pensamento inconsciente busca ser traduzido para o pré-consciente, para então penetrar na consciência, não queremos dizer que será formado um segundo pensamento, situado em novo lugar, como uma transição ao lado da qual continua a existir o pensamento original”.

  Freud cita Teodor Lipps: “O inconsciente tem que ser visto como a base geral de toda vida psíquica (a verdadeira realidade psíquica). É o circulo maior que encerra em si mesmo o circulo menor do consciente”. Ou seja, todo consciente tem uma fase preliminar inconsciente, “enquanto o inconsciente pode permanecer nessa fase e, contudo, reivindicar o valor pleno de uma atividade psíquica”.

   Creio que apresentei uma sinopse do livro “Interpretação dos Sonhos”, de Sigmund Freud, e se ele não chegou a uma conclusão sobre os sonhos muito menos eu chegaria sobre seu texto. Creio – e assim suponho deve ser lido e visto. Trata-se de um estudo respeitável no qual o autor expõe suas ideias e experimentos, seus estudos e análise sobre os sonhos e deixa em interrogação sobre o valor prático do seu estudo para o conhecimento da psique, quais os poderes reais dos sonhos na vida psíquica, e se devemos considerar pequeno o significado ético dos desejos suprimidos, que, assim como criam sonhos, um dia podem criar outras coisas.

   Freud conclui que não se sente autorizado a responder a essas questões () creio, portanto, que é melhor liberar os sonhos () não sei dizer se devemos atribuir realidade aos desejos inconscientes.
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*** Voltaremos a esse tema no decorrer de 2025. O livro de Freud foi escrito no final do século XIX e publicado em 1900 e, de lá para cá, outros livros foram publicados sobre a interpretação dos sonhos inclusive de dois de seus discípulos: Karl Jung e Otto Rank.