Direito

O PROCESSO PENAL DE JESUS DE NAZARÉ, por FABIANO PIMENTEL

Fabiano Pimentel – Doutor em Direito pela UFBA. Professor de Processo Penal da UFBA e UNEB. Advogado Criminalista e escritor.
Fabiano Pimentel , Salvador | 10/04/2023 às 10:20
Fabiano Pimentel
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Era quase meia-noite, quando por detrás das árvores do monte chamado Getsêmani, surge Judas Iscariotes, acompanhado por guardas de Roma e grande multidão de pessoas, armados com espadas e archotes, vindos por ordem do Sumo Sacerdote Caifás, para efetuar a prisão de Jesus.

Levaram-no, primeiramente à presença de Anás, sogro de Caifás, que não era, oficialmente, o sumo sacerdote (Anás fora sumo sacerdote de 6-15 A.D.) por isso não poderia interrogar Jesus, não tinha jurisdição sobre ele. Não obtendo o que desejava, Anás remete Jesus à presença de José Bem Caifás, sumo sacerdote em exercício. Ocorre que, para se formular uma acusação no processo penal judaico, era obrigatória a presença de duas testemunhas e seus testemunhos deveriam ser concordantes (Deuteronômio 19:15).

Para obter as testemunhas necessárias ao libelo, Caifás e seus seguidores passaram a forjar uma acusação por meio de testemunhas falsas e que receberam dinheiro para mentir perante as autoridades.

Fora, então, Jesus interrogado pela segunda vez e agora acusado pelo crime de blasfêmia, o que implicaria numa confissão, devendo, ser punido, segundo a lei judaica, com o apedrejamento (Levítico 24:14-16).

Mas as arbitrariedades não pararam por aí... Perante Caifás, improvisaram uma sessão extraordinária do Conselho, durante à noite, o que era inadmissível no direito judaico até mesmo no julgamento de causas de natureza civil. Mas tentavam com este expediente, preparar o processo de culpa, sem qualquer interferência, e da forma que pudessem conduzir a uma condenação.

O Sinédrio, que era composto por 70 ou 72 anciãos e mestres da nação, poderia condenar alguém à morte, mas o governo romano teria que aprovar e executar a pena, e, ao raiar do dia, todos os sacerdotes e anciãos reuniram-se em conselho para julgar Jesus, e, amarando-o, levaram-no à de Pilatos, que era o representante maior do governo romano na Judeia e Governador de Jerusalém.

Jesus chega à presença de Pilatos, agora com uma nova acusação: a antiga acusação de blasfêmia é modificada para a acusação política no curso do processo acusatório. Jesus, agora, não é mais aquele que se diz o Filho do Homem, que é igual a Deus, mas é um conspirador que vai destruir o Império de César na Judeia. Uma verdadeira mutatio libeli, mudaram a acusação no curso processo de cristo, sem dar-lhe a oportunidade de defesa, ou de contrariar a prova.

Jesus já se encontrava previamente condenado quando Pilatos lhe perguntou: “És tu o rei dos judeus? Respondeu Jesus: ... vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade (Jo 18:37). Pilatos pergunta-lhe: O que é a verdade?

Ora, Pilatos estava diante daquele que disse: “eu sou o caminho a verdade e a vida”, porém não conseguiu enxergá-la. Tinha a verdade ao alcance dos seus olhos, mas fora cegado pela sua ignorância. Quantos Juízes no, nos dias de hoje, também se encontram cegos e, embora vejam a verdade, não conseguem aplicá-la, muitas vezes, por interesse no resultado do processo.

Ora, se Pilatos não via nele crime por que não absolveu Jesus daquelas acusações infundadas? Se tinha dúvidas, por que o condenou? Porque teve medo da reação popular, preferiu a “paz social” à verdadeira Justiça, condenar um inocente a causar uma revolta social.

O ato de lavar as mãos era um costume judaico que, quando usado legitimamente, era símbolo de absolvição de um homem inocente de qualquer implicação com uma morte injusta. Pilatos quando lava suas mãos com água límpida, suja-as, pela sua omissão, com o sangue de um homem inocente.

Jesus foi então levado à morte de forma mais vergonhosa possível: morte na cruz.

O processo de Jesus, desde sua prisão até sua condenação foi um mar de injustiças. Uma acusação baseada em testemunhas falsas e argentárias; julgamentos noturnos, inadmissíveis na Lei Judaica; ausência de juízes; interrogatórios realizados por agentes incompetentes, que não tinham jurisdição sobre Jesus; tribunais singulares; mudança da acusação no curso do processo, foram algumas das arbitrariedades perpetradas contra o Filho do Homem.

Apesar dos anos, o julgamento de Cristo permanece marcado na sociedade como um julgamento ilegal e violento, e os resquícios de ilegalidade ainda permanecem em muitos julgamentos atuais, quando a Justiça se mostra omissa e acovardada, assim como foi Pilatos.

Jesus, no fim da sua vida disse: “tenho sede”, hoje, ainda temos sede de Justiça... ao receber os pecados do mundo, Jesus disse: Eloí, Eloí, lamá sabactâni (Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?), hoje, esta frase ainda é ouvida por muitos homens que se encontram desamparados pela Justiça.