Cultura

O TOMBAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA BAHIA, por WALDECK ORNELAS

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento
Waldeck Ornelas ,  Salvador | 11/03/2025 às 14:34
Igreja de São Francisco com teto caído e fechada à visitação
Foto: BJÁ
   Longe de ser um fato isolado, o terrível, grave e inaceitável desabamento parcial do teto da Igreja de São Francisco – a “igreja de ouro” da Bahia – em pleno Centro Histórico de Salvador, área reconhecida pela Unesco como “Patrimônio da Humanidade”, constitui uma tragédia anunciada.

A ausência de políticas públicas bem desenhadas resulta na omissão cúmplice dos órgãos de proteção do patrimônio em desastres como este. Antes da necessidade de restauro, deve haver programas de manutenção e conservação capazes de prevenir e evitar tais perdas, tantas vezes irremediáveis.

De nada serve o purismo teórico do IPHAN na espera exclusiva de recursos públicos para as suas ações de proteção do patrimônio em um país que vive em constante crise fiscal. Tampouco dá para converter cada bem tombado em museu. É indispensável promover a mobilização da iniciativa privada para o aproveitamento desses imóveis. Em qualquer hipótese, esta será uma política mais efetiva e útil do que deixar literalmente tombar por falta de verbas.

Os conventos, aliás, têm sido eventualmente convertidos em hotéis, mas é preciso identificar e promover outros aproveitamentos, usos e ocupações. O processo de retrofit dos imóveis da rua Chile, em Salvador, constitui um bom exemplo a ser apoiado e replicado.

Nos concursos para os empregos nos órgãos de proteção do patrimônio devia constituir pré-requisito o profissional conhecer a experiência europeia que, neste caso sim, é paradigma. Não só porque têm um patrimônio bem mais antigo do que os nossos quinhentos e poucos anos, como aprenderam a lidar com ele, permitindo utilização econômica e flexibilidade responsável no restauro.

É indispensável, no mínimo, categorizar os bens tombados, com a definição dos cuidados e das responsabilidades a eles associados. Os imóveis de caráter monumental – como é a Igreja e Convento de São Francisco – constituem uma categoria especial a cargo dos órgãos responsáveis pelo tombamento, independentemente de sua propriedade e uso. Sua conservação está acima de quaisquer outras considerações de natureza jurídica ou econômica, por serem bens de relevante importância cultural ou histórica.

É ridícula a discussão que se estabelece sobre a taxa de visitação. Em qualquer lugar do mundo, a visita é paga. O valor deve corresponder à importância do bem e apenas contribui com o custeio operacional. Nada além disto. Aqui, além do mais, o que faltam são turistas em quantidade suficiente para garantir o volume significativo de visitas.

De nada adianta a Defesa Civil, no caso a Codesal, realizar vistorias anuais nos “casarões” do nosso Centro Histórico se não há uma política ativa de estabilização dos imóveis em risco de desabamento, precipuamente por parte dos órgãos responsáveis pelo tombamento, mas pelas secretarias/ministério de Cultura em geral.

Volto a insistir na sugestão de que os orçamentos dos três níveis de governo tenham, em caráter contínuo, nos respectivos órgãos próprios, dotações destinadas a: i) elaboração de projetos de restauro, recuperação e manutenção preventiva de imóveis tombados ou em áreas protegidas; e, ii) estabilização dos imóveis em risco de desabamento.

Ainda recentemente, creio que no âmbito do PAC Cidades Históricas, o IPHAN elaborou um conjunto de projetos que deram lugar, por exemplo, à recuperação do Elevador do Taboão, numa clara demonstração de que havendo projetos, outros entes públicos poderão assumir sua execução. Enquanto isto não ocorre, a estabilização é indispensável e deveria ser obrigatória, como ação imediata, de caráter preventivo. Assim, o teto da Igreja de São Francisco não teria desabado.

Ainda há tempo de salvar o que resta do nosso patrimônio imobiliário histórico e cultural.