Cultura

A CADEIRA E O ALGORITMO CAP 8: OS TRÊS SISTEMAS DE CÁLCULOS NA VIDA

Os sistemas simples e complexo que orientam a vida das pessoas
Tasso Franco , Salvador | 06/12/2021 às 09:48
Na comercialização de um chalé entra, também, o valor espiritual
Foto: REP
     
   Essa é uma questão fundamental na vida e vale muito a intuição das pessoas. Mas, não só isso. É uma evolução: a cabeça, o lápis e o papel, a máquina de calcular e os algoritmos e aplicativos.

   Meu cunhado - casado com minha irmã mais nova - era caminhoneiro e teve uma vida muito dura - no sentido do trabalho, da labuta - e nunca o vi reclamando de nada.

   Saía do interior da Bahia para buscar madeira no Pará e voltava numa boa. Não sei como fazia as contas de lucros e perdas numa viagem dessa natureza para tão distante - combustível, desgaste do caminhão, alimentação, a compra dos toros das madeiras e as vendas. Era tudo cálculos feitos na cabeça e foi assim até morrer. Quando faleceu, claro, deixou as coisas que tinha desorganizadas - duas pequenas fazendas, bois, carneiros, caminhão, trator - numa falência desorganizacional.
 
   Minha irmã teve que organizar toda a docoumentação possível, porque muitos dos seus negócios eram feitos com a palavra. Vocês podem imaginar a trabalheira que foi e os prejuízos que teve. Até vivo a própria pessoa pode controlar (em parte) as finanças, mas, morta as coisas se complicam e os herdeiros ficam sem saber o que fazer, por onde começar a organização do espólio e quais os bens móveis e imóveis. 

   Lembro de uma colega de jornalismo que, quando o pai faleceu, fazendeiro no Extremo Sul e com muitos bois, imaginou que herdaria algumas cabeças de bovinos, mas, quando foi para a ponta do lápis com o irmão, este disse que uma parte da boiada havia morrido. Cobras seriam responsáveis por esse malefício.

   Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia, autor do livro "Rápido e Devagar - duas formas de pensar" dá a chave do segredo de como a mente funciona baseando-se em processos recentes da psicologia cognitiva e social, nesses casos acima citados. 

    Kahneman mapeou dois sistemas práticos que usamos no dia-a-dia (serve para todas as pessoas) o que classificou de Sistemas 1 e 2 para ficar mais didático e as pessoas compreenderem. 

    O Sistema 1 opera automaticamente, rapidamente. Por exemplo: uma conta simples de operação financeira a pessoa sabe que duas notas de 50 reais correspondem a 100 reais. O mais simples cálculo da matemática é: 2+2=4. 

   No Sistema 2 as atividades mentais requerem cálculos mais complexos. Mesmo para coisas aparentemente simples em finanças você precisa de uma máquina calculadora ou de uma caneta e papel. 

    Não se trata mais de 2+2=4. Estamos falando de 10 ovelhas que você queira vender e tenham pesos variados. Daí exige-se cálculos que a pessoa não consegue procesar na cabeça, sozinha. 

   Meu cunhado e alguns dos seus amigos operarvam esse sistema 2 na cabeça, na intuição, na experiência. Até mesmo na venda de uma pequena boiada colocada num curral. Era feito um cálculo do peso dos animais - um pelo outro - no olhometro - e havia confiança entre as parte e os negócios eram realizados. 

    Em nosso dia-a-dia estamos submetidos a esses dois sistemas da teoria de Kahneman e a duas formas de pensar. Há, algumas pessoas - como meu cunhado, que agem na experiência - e outros, a maioria, que preferem fazer cálculos em máquinas e usam lápis e papel para anotações.

   Algumas vezes (imagino) você já fez uma proposta a alguém para concretizar um negócio e a pessoa do outro lado diz: - Vou pensar mais um pouco para lhe dar a resposta. Esse pensar mais um pouco envolve além da matemática (lucros e perdas possíveis) as questões históricas, afetivas e outras. 

   Quando meu pai faleceu em 1995 e mais adiante minha mãe em 2001 eles deixaram para os 4 filhos como herança a casa em que viviam, um chalé. Nós (os filhos) já estávamos nos aproximando da velhice e imaginamos vender o chalé porque a casa era situada no interior e dois dos nossos já moravam em Salvador. 

   Quem tomaria conta de uma casa velha? Imaginem quantos problemas tem um chalé centenário construído ainda com adobe, no início do século XX. O chalé se situa ao lado da catedral da diocese e tivemos uma proposta do bispo para comprá-lo. Eu achei o valor oferecido baixo, mas, levando-se em consideração o problema da conservação da casa, creio que seria um bom negócio. Meu irmão mais velho também concordou comigo. Mas, minha irmã que morava próximo ao chalé discordou. Ela arguiu que o valor era baixo demais e não topava o negócio.  

   Creio, no entanto, que além do valor baixo ela levou em consideração a história da casa e o fato do meu pai ser espírita - como ela - o que vender para uma organização católica não seria o correto. 

   Essa é uma hipótese subjetiva que faço, mas perfeitamente adequada a psicologia cognitiva. A casa segue de pé, meu irmão mais velho já faleceu, a diocese comprou outra casa e temos esse drama de manter o chalé em pé.

   Veja que, nem sempre, as coisas são simples de serem resolvidas e o Sistema 2 tem essas variáveis imponderáveis que são bastante interessantes de serem analisadas.

  O impulso de operar rapidamente e/ou ter cautela são os dois lados da moeda e acontece muito no nosso dia-a-dia. A operação do Sistema 1 - na prática - não há problemas. Todo dia você tem que comprar o pão para a família. Entra no automático: passa na padaria e compra o pão. Você já deixa o trocado (dinheiro) reservado para isso.  

   Não é o mesmo que comprar um apartamento. Nesse segundo caso - Sistema 2 - exige-se além do cálculo matemático do valor a ser pago - as prestações e os juros - a localização do imóvel, a mobilidade do transporte, os serviços que o bairro oferece e assim por diante. Se você compra um apartamento num bairro que não tem padaria próxima, mercadinho, farmácia, escola, fica sujeito a sempre que sair de casa usar um automóvel, uma moto ou uma bike.

   Outro ponto relevante é que existem ofertas próprias do Sistema 2 (complexas) que sensibilizam o automático em seu cérebro e você manifesta o desejo de adquirir, mesmo sem necessidade. Muitas propagandas de ofertas 'sensacionais' de produtos na televisão e na internet têm esse gatilho. Parecem simples e seu impulso inicial é de comprar. Quando você aciona o Sistema 2 analisa com calma e desiste. Mas, há quem compre.

   Acontece muito no mercado financeiro - a tentação da caderneta de poupança - que, subjetivamente (e na reaL) rende pouco. Se você aciona o Sistema 2 e com esse dinheiro compra ações numa bolsa de valores - negócios que você nunca fez na vida - achando que está diante de uma oferta maravilhosa, pode perder o que tinha.

  Temos, portanto, aos nossos olhos, entrelaçados, os dois sistemas de Kahneman, que são movidos pelas velhas tecnologias - a conta feita na cabeça, a conta feita com lápis e papel, e a conta da calculadora - que são os mais comuns e usados entre os 'sapiens' normais; e temos um sistema mais complexo que exige a ajuda dos algoritmos, das novas teconolgias. 

   Hoje, no caso de negócios para a venda de uma boiada, existe um aplicativo iScanner que conta objetos através de uma câmara do celular e o comporador ao acionar essa câmara sabe quantos bois tem no curral. E, mais ainda, a startup Olho do Dono, possui uma ferramenta (ela e outras) na qual um boi ao passar na frente de uma câmara faz automaticamente toda a reconstrução em 3D, extraindo mais de 500 indicadores do animal e apresenta o peso de cada lote sem precisar ele ir a balança. 

  Há, portanto, inúmeros aplicativos que dispensam o olho vivo, o papel, a caneta e a máquina de calcular, mas essa substituição ainda não se deu por completo. Assim como se lê um livro no papel e/ou na telinha on-line, esses três sistemas descritos acima seguem convivendo, em harmonia - as velhas tecnologias com as novas.