Cultura

POETA SERAFIM CONFESSA AO LUBI QUE TEME A MORTE POR FALTA DE OXIGÊNIO

A pandemia do coronavirus trouxe ao país também a birutagem política
Lobisomem de Serrinha , Bahia | 17/01/2021 às 10:10
Lobisomem de Serrinha e o poeta Serafim Alves
Foto: SERAMOV
O jornalista Tasso Franco publicou neste domingo, 17, a 42ª crônica do seu livro "O Lobisomem de Serrinha - a nuvem de fogo e o final do mundo" sobre o temor do poeta Serafim Alves em morrer de Covid por falta de oxigênio. Leia abaixo e as demais no aplicativo literário wattpad.


POETA SERAFIM ALVES CONFESSA AO LUBI QUE TEME A MORTE POR FALTA DE OXIGÊNIO

  O ano de 2021 está começando dando sinais de que vai ser igual ou pior do que 2020. A 'gripezinha' do coronavirus já está próxima do primeiro aniversário e janeiro se apresenta assustador com mais mortes pela Covid-19, revéillon já não tivemos, o Carnaval já foi rifado do mapa, o dragão da inflação voltou, a Ford vai fechar sua fábrica na Bahia, um casal foi encontrado morto em Salvador sem que as famílias entendam o que aconteceu, um feminicídio aconteceu em Barra do Pojuca, o biruta segue birutando, a novela da vacina já está no capítulo 85 e os nossos representantes nos campeonatos brasileiros de futebol só dão tristeza aos torcedores.

Então, 2021, sem sinais de quando as aulas vão retornar nas escolas públicas, com indicadores de que o período junino será igual ao do ano passado com fogueiras apagadas, sem licores, sem forrós, sem Zelito Miranda no Parque da Cidade, o São Pedro sem foguetes, o TCM sem entender porque prefeitos eleitos receberam algumas Prefeituras com depenagens a ponto de uma prefeita exibir em praça público veículos sucateados, a UPB querendo mais verbas, os servidores do Estado e dos Municípios sem reajustes salariais, o preço do pão cacetinho nas alturas, tudo está muito difícil

E o mais preocupante é que a bandidagem está solta e vivemos presos em nossas casas cercadas de grades, arames farpados e protegidas por cães e câmeras de segurança. A única coisa boa até agora, pelo menos aqui na Serrinha, foi que um apostador levou uma mega sena de R$11 milhões em aposta simples que fez na Pote de Ouro. Especula-se que o ganhador teria sido o poeta Serafim Alves, mas como ele apareceu aqui na toca usando uma alpercata ainda feita por Elias das Botas e uma camisa banlon comprada em Tuica, duvida-se.

Vendo o vate tão amafranhado parecendo de ressaca de algum goró que tomou no Pé da Cova, ainda assim perguntei se fora ele o vencedor da Mega Sena: - Ganhaste a mega e está com essa cara amarrotada para disfarçar a riqueza feito o finado Olavo que era rico e se passava por pobre?

- V. Exa. está brincando com minha cara. Se fosse eu o ganhador daquela bolada a essa altura já estava no Jorrinho, na Pousada Paraíso, de sunga naquele jorro d'água morna cercado de beldades, da Miss Serra, da Miss Tucano, da Miss Biritinga, assim como faz o PSG da bola, e não aqui em sua Toca a visitá-lo e filar a bóia de dona Ester.

- És pobre até na escolha. Imaginei que fosses para o Belmond Copacabana Palace com beldades da Colombia, da França, da Andaluzia, bebericando marcas de gins preferido da rainha Beth II, ou algo mais suntuoso.

- Ora, Sêo Lubi, a sorte passa muito longe de minha estrada e por mais que faça mandigas, realize cálculos matemáticos, consulte a bruxa Conegundes, o máximo que já fiz numa Mega foi um terno e nada ganhei. A Congeundes, sim, já faturou uma Lotomania tanto que repaginou seu rosto, reformou sua tenda de magia, comprou um caldeirão de prata e na última lua nova desfilou no bairro da Santa de vassoura 'hight-tech' sobrevoando a Serra.

- Você sabe é de coisas - nobre poeta - a Conegundes, a qual diz ser minha amiga nada falou-me dessas novidades, e aquele secretário dela, o anão Piko, que está sempre a me pedir favores e me confidenciar mexericos daquela tenda nada me disse. As batatas deles estão cozinhando em minha panela.

- Aquilo é um traíra. Soube que montou um bordel na antiga boite de Gaguinho lá na BR com minas de Euclides, do Quijingue, trans do Uauá e do Jeremoabo e parece que descobriu o segredo da Pedra Filosfoal transforma barangas em misses e sua casa andava lotada de fregueses, mas diante da pandemia a turma tá com medo do capuz da morte.

- Se falas com tanta sapiência é porque já esteve lá e espadas como és deu-se bem, elogiei o vate.
Serafim sorriu e agradeceu pelo elogio dizendo que, sim, sua espada continuava afiada, mas fez a ressalva de que seu bolso á raso e puro e no Piko paga-se uma fortuna por um pisco, um black custa R$39,00 e um camarão ao alho e óleo R$140,00.

- Só pra barão, meu nobre, e com a pandemia as minas só querem fazer amor com distanciamento, com protocolos, com uma tal de vídeo conferência e pacotes de vídeos. Tô fora.

- Voltou o tempo da Barbarela. Mas, isso vai passar. Na próxima semana, promete-se em Pindorama que a vacina contra o coronavirus começa a ser aplicada em todo país e voltaremos ao normal, ao convívio social, aos abraços e beijinhos nos rostos, e tudo mais.

- Meu honrado Lubi, as últimas notícias dão conta de que os indianos não vão mais fornecer a vacina de Oxford, o avião da Azul que iria a Índia parou no Recife e já estaria levando cilindros de oxigênio para Manaus onde o povo tá morrendo por falta de ar, sufocado pelo maldito vírus, e fala-se que o general quer a vacina chinesa do Dória, a coronavac, que não servia, não tinha alta resolutividade, porém, agora serve.

- É a birutagem. Uma hora a biruta tá de um lado; outra, tá do outro e o povo fica no meio desse fogo cruzado morrendo à mingua enquanto panelaços tremulam nos apartamentos da classe média afogada em dívidas.

Para alívio de tantos tormentos, a Ester convida-nos para a bóia. Serafim senta-se todo orgulhoso à mesa. É servida uma rodada de Leão do Norte, jurubeba das melhores pela secretária Ju Faldas.

Imaginei que o poeta esperasse algo de mais valia, um malbec, um tinto da Rioja, mas nada disse. Levou a dose à boca, fez uma careta e fechou e abriu os olhos. Depois foi servida uma salada de malvas, tomates em rodelas de nossa horta e agrião. Adelante, de principal, uma panqueca no modelo burrito al pastor, com carne moída e ovos. Ao final, um licor local, fabricaçãop caseira da senhora Antônia.

Depois, convidei o Serafim para uma andada no alpendre onde acendemos um fumo de corda do Egídio, um legitimo que vende na área do antigo mercado municipal derrubado por um alcaide do passado, o famoso bode com perfume do Alto da Bandeira.

Sem meias palavras, o vate arreliou: - Nesta toca já se degustaram bebidas de melhor sabor, um argentino que fosse, pratos mais saborosos à moda picanhas de Montevidéu, licores e conhaques d'Bélgica e fumos cubanos. 

- São os novos tempos de austeridade meu sábio das rimas, a gaita tá curta, vive-se como se pode. Na próxima vez, comerás uma josefina com farofa e sobremesa de canjica com café Baratá, lancei uma baforada do bode ao ar formando círculos e oitos.

- Agradeço ao astuto líder e antes que nos falte oxigênio, o que pode nos levar a urna de 7 palmos no chão - benzeu-se 3 vezes - avise quando terei o prazer de voltar à sua mesa.

- Se fores para os 7 palmos sua alma angelical migrará com o passar dos anos - que não irei ver - para algum ser poético mais refinado, um Píndaro, um Homero.

- Que os ministros perfectis digam amém e me retorne com a chave da verdade.

A Ester e a Ju sorriam ao ver o poeta se despedir e voltar para o seu lar perfumado com os odores Kenzo do meu bode caçoavam: - Quiçá volte um Gonçalves Dias, um Cuica de Santo Amaro.

Falei para Ester antes de recolher-me à siesta: - Ligue para o Bacelar do Gás e reserve dois cilindros de oxigênio para nossa dispensa antes que a birutagem nos atinja. É melhor prevenir do que remediar.

Ester saiu com passos de bailarina em direção à sala: - Estou respirando a plenos pulmões. Farei uma reserva só para ti, para mim mesmo não.