Cultura

UM BRINDE A BRAULIO FRANCO NOS SEUS 80 ANOS DE EXEMPLO PARA TODOS (TF)

Um brinde ao meu irmão Bráulio Paes Franco
Tasso Franco , da redação em Salvador | 20/10/2020 às 17:12
A última foto juntos na homenagem do Bahia a Nestor Mendes Jr, na Arena Fonte Nova
Foto: OG
   Vivo presencial fosse, meu irmão Bráulio Paes Franco, o primogênito, faria hoje 80 anos de idade. Personalidade que viveu ao seu modo enquanto entre nós esteve, entre 1940/2019, com passagens por Serrinha, onde nasceu no chalé do meu avô inaugurando o nascimento de 4 dos Franco no casarão que foi habitado por nossos pais, Bráulio e Zilda, e avós paternos, Jovino e Roza, por Salvador e Rio de Janeiro. 

  Foi até longe demais. No seu estilo, apegado aos livros e as suas raizes baianas, imaginei, até que, rondasse apenas entre a fazenda Capitão, a herança paterna onde reside, e, no máximo, Salvador.

   Era um menino da roça, nos anos 1950, quando ingressou na PM para fazer um curso de oficial na Academia dos Dendezeiros, ele e outros tabaréus do interior da Bahia, Geraldo, Paraiso, Gouveia e demais aventureiros que iam em busca da capital, sem recursos, amparados na PM para atingir um curso superior numa segunda etapa, já depois de tenentes e capitães. 

  Chegou a tanto, capitão Franco. Muita gente, ainda em tempos recentes, quando eu ia a Serrinha me perguntava: - Como vai o capitão. Na família, eu gostava de chamá-lo de coronel. Mas, de fato, nunca quis ser militar de carreira. As circunstâncias da vida lhe levaram a essa situação.

   Eu vim depois para Salvador, na mesma trilha, estudar no colégio da PM. O mundo já tinha dado um novo giro, ingressar no curso de oficiais tinha que fazer o científico, e fui morar com o tenente Franco, primeiro na Vila, num rancho que o coronel Edson conseguiu para nós. Depois, na Graciliano de Freitas, em Roma, onde o tenente comprou um apartamento para casar-se e formar familia.

   Vida dura, dificil, comendo na Pensão de Sêo Neco e pouquissimo dinheiro no bolso. Nos primórdios, o banho de mar era na Boa Viagem, na paleta, saindo pelo fundo da Vila Militar. Jantar, ovo com aimpim.

   Certa feita, medium, deu-me uns passes para retirar do meu self um espírito maligno. 

   Não cheguei ao curso de oficiais. Preferi o jornalismo. Bráulio enredou pela administração da UFBA e deixou a PM, já formado, primeiro para trabalhar na SEC com Rômulo Galvão, secretário, e depois zarpou para o Rio na onda organizada por ACM quando foi presidente da Eletrobras. 

  Era um carma. Onde ele ia, eu atrás o seguia. Já estava separado do meu primeiro casamento, em 1975, e com filha morando no Rio, na onda carlista dos Murta, minha pousada era na Tijuca, onde o ex-capitão morava para visitar minha pequena.

  Bráulio era de poucas palavras. Faz parte dos Franco, econômicos em frases. Falava o essencial, pensava o essencial, comentava o pertinente, não se alongava, não costumava dizer nada sobre si e a familia. 

   Às vezes eu ouvia as pessoas dizerem: - Mas ele não fala nada. - Ele deveria ter uma vida melhor. - Viajar mais, curtir mais. - Trabalhou tanto.

   Ora, cada qual tem seu cada qual, sua maneira de ser. Ele teve a sua, ao seu modo. Certa ocasião, ao que me contaram, fez uma viagem ao exterior e quando o chamaram para passear, ele ficou no hotel lendo um livro. Genial.

  O poeta Fernando Pessoa em o livro do Desassossego disse, em vários momentos, que conhecia o mundo sem nunca ter viajado, salvo para a África do Sul quando morou em pequeno. Depois, Lisboa foi seu mundo. 

   Bráulio tinha seu mundo. Impenetrável. Eu mesmo, irmão, que convivi com ele muitos anos, nunca nada lhe perguntei. Nem ele falou. Eu o entendia e ele a mim. Era o que bastava. 

  Até mesmo nos momentos de euforia dos uisques havia limites da vida de cada qual e dos demais. Nunca o vi falando mal de alguém, salvo arroubos da política nacional. Detestava o "sapo barbudo".

  Tinha uma imensa esperança no Brasil e ao mesmo tempo, nenhuma. Atravessou todos os ciclos da vida em dificuldades com a familia e com o país. E a todos sobreviveu. Quem viveu os anos conturbados de 1960 a 1990 sabe do que falo. O câncer o matou. 

   Viver/morrer é um ciclo da vida-morte-vida ninguém escapa dessa deusa, a Mãe Nyx. Resta-nos as lembranças, o legado, a inspiração, o exemplo. 

  Bráulio deixou-nos tudo isso.  Cada qual que cultive uma parte ou o todo. Dedicou uma boa parte de sua vida a causa voluntária do Hospital Aristides Maltez ajudando o próximo ganhando a recompensa do prazer, da divindade. 

  Vamos, então, brindar seus 80 anos.
                                                                   /////
  ***A foto foi feita por Ohara no dia 17 de agosto de 2019 solenidade em que Nestor recebeu uma comenda do Bahia. Pouco tempo depois, faleceu.