Cultura

POIS NÃO É QUE MEXERAM ATÉ EM COSME E DAMIÃO por WALMIR ROSÁRIO

*Radialista, jornalista e advogado
Walmir Rosário , Bahia | 30/09/2020 às 10:11
Nelson Amarelão preparando o caruru
Foto: WR

  No último sábado, recebi, via whatsapp, um vídeo em que mostrava meu amigo Nélson Amarelão vestindo sua camiseta rosa e mexendo com um pequeno remo um panelão sem tamanho. Pergunto se estava fazendo sabão e me responde que estava preparando um gostoso caruru de Cosme e Damião, a ser servido no mesmo dia, no bairro Sócrates Rezende, em Canavieiras. Não levei a sério, pois pensei que se tratasse de pilhéria.

  Custei a acreditar, mas é verdade! Mexeram com São Boaventura e agora com os Santos Meninos Cosme e Damião, comemorados em quase todo o mundo no dia 27 de setembro com fartos carurus, pelo menos aqui na Bahia. No estado do Rio de Janeiro a comemoração é outra, mais módica, com a distribuição de balas – os nossos caramelos – às crianças, atiradas como se fossem aquelas brincadeiras de “galinha gorda”.

  Mesmo com essa diferença – que também deve ter outros tipos de comemorações em outros estados –, o que importa é a homenagens aos santos, no dia certo, como reza a tradição da Igreja Católica Apostólica Romana. Na Igreja Ortodoxa Cosme e Damião também são festejados, porém lá existem três pares de Santos Cosme e Damião, um da Síria, outro da Cilícia e um terceiro de Roma.

  No Brasil inteiro os Santos Médicos Cosme e Damião são festejados largamente, e como já disse com muita intensidade. Desde que me entendo por gente que comecei a comer os carurus dos santos, não por obrigação ou devoção, mas por diversão e saborear o paladar das iguarias servidas. Alguns muitos disputados pela fartura e esmero na preparação, eram disputadíssimos, o que nos obrigava a passar horas na fila, mas valia a pena.

  Com o passar do tempo me desapeguei do caruru e não frequentei as casas dos amigos que mantêm a tradição religiosa, servido primeiro os sete meninos, enquanto a plebe ignara comeria após o ritual. Em determinadas casas, além do prato servido com caruru, arroz branco, farofa de dendê, peixe e frango, também eram oferecidos licores e até cerveja; em outras, as bebidas eram terminantemente proibidas.
Nem me lembrava mais do caruru de Nélson Amarelão e do irmão Trajano, cujo pai chamava-se Damião, daí o motivo da tradição mantida há anos, estropiada agora em data diferente. 

  Questionei a data e até brinquei se estava copiando o estilo do prefeito de Itabuna, Fernando Gomes, em comemorar as festas em calendário antecipado, como fez com o Carnaval.

  Sem mais nem menos me responde:

  – Pensei que você fosse uma pessoa bem informada nas coisas da igreja. Pois fique sabendo que o calendário romano foi modificado pelo Papa, tanto assim que hoje São Boaventura é comemorado no dia 14 e não 15 de julho, como antes; o mesmo vale para São Cosme e São Damião, que passou do dia 27 para 26 de setembro.

  E ainda por cima me desafiou e me tachou de ignorante nos assuntos da igreja e que seria melhor eu me consultar com Tolé, vizinho da igreja matriz de São Boaventura, que dada a sua proximidade poderia ser considerado pároco. Fiz ver a ele que, apesar da vizinhança, Tolé só entrava na igreja nas missas de São Boaventura e do Dia da Cidade, mesmo assim por cumprir a liturgia do cargo quando secretário municipal. Ponto final. 

Fiquei intrigado com as respostas de Nélson Amarelão, que desde os tempos de menino não alisava os bancos da igreja, principalmente depois que foi morar em Salvador. Na verdade, por muitos anos a residência de Nélson era a psicodélica Arembepe, época em que passou a usar umas roupas estranhas, largas e coloridas, uma fita na cabeça para se conectar com a natureza. Com a queda do muro de Berlim ele se aquietou e voltou a Canavieiras.

Mas para tirar a prova dos nove fora, fui buscar informação e encontrei a resposta no Wikipedia, que a Igreja Católica, desde tempos imemoráveis até 1969, celebrava os Santos Cosme e Damião no dia 27. Porém, com a reforma litúrgica, o Calendário Romano passou a comemorá-los no dia 26, considerada a importância de São Vicente de Paulo, também celebrado dia 27, preferiram não pôr as duas memórias na mesma data.

É por essas e outras que fico pensando se esse povo em Roma não tem o que fazer, a não ser mexer com o que deveria ficar quieto. Me refiro aos santos, que pra mim são todos iguais, embora cada um tem a livre devoção. Mudaram o que tinha de mais belo, a celebração da missa em latim, que ainda a rezo por inteiro, e depois criam a hierarquia e o privilégio de um santo sobre outros santos.

Se o lord Nélson (o Amarelão) pensasse igual a mim, não seguiria essa data e aconselharia o irmão Trajano a manter a tradição dos festejos aos Santos Cosme e Damião seguindo os costumes e a tradição do seu amado pai Damião. Tenho a absoluta confiança que ele não está gostando nada dessa mudança, feita apenas por alguns bispos e cardeais para mostrar serviço ao Papa, sem que um só católico – fora do sacerdócio – tivesse sido escutado.