Cultura

AS MURALHAS QUE DEFENDIAM LISBOA DE INVASÕES AO LONGO DOS SÉCULOS (TF)

Esta crônica a 29ª integra o livro de TF Lisboa como v nunca viu, a Pensão do Amor, no wattpad
Tasso Franco , da redação em Salvador | 01/07/2020 às 08:03
Muralhas de São Jorge
Foto: BJÁ
O jornalista Tasso Franco publicou nesta quarta-feira, 1, sua 29ª crônica no seu livro Lisboa como você nunca viu, a Pensão do Amor, no site literário wattpad. Confira a crônica abaixo. Todas as demais v pode ler no wattpad, gratuitamente.

AS MURALHAS QUE DEFENDIAM LISBOADE INVASÕES AO LONGO DOS SÉCULOS

Estima-se que as primeiras muralhas de Lisboa foram erguidas pelos romanos quando a localidade se chamava "Felicitas Julia". A conquista romana na Península Ibérica inicia-se no contexto da Segunda Guerra Púnica, 218 a.C. Mas, somente com Júlio César, 60 a.C à frente de um Exército com 15 mil legionários é que se dá a derrota dos povos lusitanos. Destacou-se ao longo dos anos na resistência lusitana o guerreiro Viriato.

Na divisão territorial da Península (áreas dos atuais países Portugal e Espanha) em 3 regiões a Lusitânia tinha como 'capital' Emerita Augusta (atual Mérida) entre os rios Douro e Guardiana. A ocupação durou 400 anos e os romanos fundaram várias cidades, entre elas, Coimbra e Braga e deixaram um imenso legado de modernidade. na arquitetura, na engenharia e nas artes.

A origem de Lisboa como entreposto comercial usando o Mar de Palha é bem mais antiga. A região teria sido visitada pelos fenícios 1.200 a.C. A inicial do seu nome seria Celta: Lisso. Durante séculos fenícios e cartagineses teriam estabelecido relações com a Lisso (Olispo), importante centro de trocas de mercadorias com as tribos que usavam o Tejo.  

Com a degradação do Império Romano os povos bárbaros invadiram a região - vândalos, unos e alanos. Os visigodos foram os responsáveis por unificaram a Península e a localidade de Ulishbona Olisipo), considerada uma vila no século VII, tinha uma posição estratégica pela via do Tejo e proximidade com o Atlântico.

A roda foi girando. Árabes liderados por Tárique aproveitaram a guerra civil no Reino Visigótico e conquistaram a Península. Ulishbona foi ocupada pelas tropas de Abdalazize ibne Muça, filho de Tárique, em 711 d.C. Só foram expulsos em 1.147 por Afonso Henriques, pai da pátria portuguesa.

Durante o período da dominação árabe (700 anos) estes reforçaram as antigas muralhas romanas com expansão da Cerca Moura na linha meridional do Castelo de São Jorge até a igreja de Santo Antônio da Sé. É também conhecida como Cerca Velha e abrangia áreas do Castelo, Alfama até a baixa, com 12 portas. No reinado de Dom Fernando I (1367/1383) é construída uma ampliação da cerca velha chamada Cerca Fernandina, entre 1373/1375, para reforçar a defesa da cidade de invasão dos castelhanos (do reino de Castela). Essa cerca tinha 46 portas, 77 torres e 5 mil passos.

Desde 2014 inaugurou-se um roteiro turístico a essa área. O que vemos de forma mais nítida são as muralhas do Castelo de São Jorge o que dá uma ideia da importância dessa fortificação na cidade de Lisboa. É também muito difícil saber (pelo menos para o turista) onde começa um bairro e termina o outro, a Alfama e a Mouraria; a Bica e o Chalariz. 

O Largo do Chalariz, por posto, pertence a duas freguesias: de Santa Catarina e de São Paulo. Este Largo encontra-se entre as ruas (do Loreto, das Chagas, da Bica Duarte Belo, Marechal Saldanha, Luz Soriano, da Rosa, da Atalaia e a Calçada do Combro). É uma confusão enorme para entender sobre essa área que se situava fora do cinturão das muralhas.

Toda esta zona histórica que vai da Praça Camões ao Calhariz era, no século XV, áreas rurais com olivais e culturas forrageiras. Local de quintas (que no Brasil chamamos sítios, pequenas fazendas), ao longo do tempo, urbanizadas. Aí se situava a Quinta Dom Álvaro Vaz de Almada, Conde de Avranches, morto em batalha de Alfarrobeira. Batalha (1448) pela disputa do poder em Portugal entre o rei Afonso V e seu tio dom Pedro, o qual se instalara na Casa Ducal, em Coimbra. Afonso V foi o vencedor e lá se foram Almada e Pedro para o outro mundo.

A sua propriedade passou para a família dos Távoras, em 1449. Depois, aos Condes de Cantanhede, depois Marqueses de Marialva. A urbanização deste lugar fez-se lentamente ao longo dos finais do século XVII. Local de muita história e palácios. O Palácio Valada-Azambuja (Conde de Azambuja) foi erguido sítio da Quinta do Dom Álvaro Vaz de Almada.

O terremoto de 1755 provocou muitos estragos nessas edificações. O palácio foi vendido em 1867, pelos descendentes dos antigos proprietários ao Conselheiro Francisco José da Silva Torres que o deixou a uma enteada, casada com o Conde de Azambuja. No ano de 1922 é vendido ao comerciante e antiquário Manuel Henriques de Carvalho, a cujos herdeiros hoje pertence.

Outros palácios dessa área são o Sandemil (Condes de Sandemil) e o Sobral (final do século XVIII), de Joaquim Ignácio da Cruz Sobral, erguido após compra de um velho prédio, propriedade de D. Lázaro Leitão Aranha, rico e erudito principal da Sé, que nesse lugar fez reunir a famosa Arcádia (1764). A Arcádia foi uma academia literária fundada por três jovens advogados de Coimbra.

No Sobral se deram belas comemorações e concertos, entre elas, a festa por ocasião do nascimento da princesa da Beira, D. Maria Teresa, no dia 29 de Abril de 1793, no mesmo dia em que se inaugurava o Teatro de São Carlos, também ele em homenagem à primeira filha de D. João e de D. Carlota Joaquina.
Durante a ocupação francesas por tropas de Napoleão, quando a família real foge para o Brasil, neste palácio ficou instalado o Quartel Geral de Wellington em 1811, o Marechal Beresford entre 1812 e 1813.

 Durante alguns anos e até 1879 aí esteve, ocupando parte das instalações o Hotel Mata. Em 1887 foi vendido pelo seu último proprietário particular, o Marquês de Sousa Holstein, para instalar a Caixa Geral dos Depósitos que ainda continua, nos dias de hoje, a ser daquela instituição bancária.

O Palácio do Sousa Calharizes, que deu o nome ao largo é hoje uma construção do início do século XVIII e foi erguido pelo Morgado do Calhariz (Nome de uma casta de uvas), D. Francisco de Sousa, em terrenos que foram de uma parente sua, a condessa do Alvito. Continuando na mão do Sousa Calharizes, nele habitou o conhecido diplomata D. Pedro de Sousa Holstein, mais tarde lº Duque de Palmela.

Essa é uma história bem curiosa e que tem a ver com o Brasil. O Ducado de Palmela foi criado por decreto de Dona Maria II de Portugal por intermédio de Dom Pedro IV (nosso Dom Pedro I), enquanto regente do reino, 1833. Foi um mimo dado por Dom Pedro IV a Souza Holstein, herói das guerras liberais.

A história é longa e pouco difundida no Brasil: Dom João VI teve que voltar para Portugal com a revolta dos liberais do Porto. Ou voltava do Brasil para assumir o Reino (1821) após expulsão dos franceses ou seria instalada uma República. Dom João VI voltou e apaziguou tudo, mas, morreu em 1826. O trono ficou novamente vago e o herdeiro seria dom Dom Pedro I que se tornara imperador do Brasil, em 1822.

E agora? Dom Pedro levantou armas contra Portugal (apenas uma espada às margens do riacho Ipiranga, com o grito de Independência do Brasil) e depois proclamou "O Fico", disse que não queria voltar. Era um amante inveterado e adorava as mulheres brasis em sua cama. E elas também. Abdicou trono em nome de sua filha Maria da Glória.

O trono passaria para Maria da Glória, nascida em São Cristovão, no Rio, que era jovem inexperiente. Dom Pedro I então teria feito um acordo com seu irmão Miguel para tocar o reino. Miguel assumiu em 1826 e ficou até 1834, mas, era considerado absolutista, confuso, e teria isolado Maria. Ou dado um golpe na consorte, de quem ficara noivo.

Foi ai que dom Pedro I, em 1831, imagina só, abdicou o trono do Brasil para seu filho, dom Pedro II, que tinha apenas 6 anos e voltou para Portugal, deixando como tutor da criança José Bonifácio de Andrade Silva.

Na Europa, Dom Pedro I (rei Dom Pedro IV de Portugal), obteve armas e dinheiro com o espanhol Juan Alvares Mendizabel e reuniu um exército com 7.000 mercenários ingleses e derrotou o tio Miguel apeando-o do poder, este exilando-se na Áustria. Guerra civil longa, entre 1831/1834.

Em 1834, logo após derrotar o tio, dom Pedro IV morre. Então, assume o trono definitivo, Maria da Glória, a carioca, com o nome de Maria II de Portugal, também conhecida como "A Educadora", "A Boa Mãe", que governa Portugal até sua morte, em 1867, que se casou com Fernando II. Seu filho, dom Pedro V; neto de Dom Pedro I, do Brasil; dom Pedro IV de Portugal assume o reino.

Quer mais: Dom Alexandre de Souza Holstein, filho do Palmela velho, é feito conde de Chalariz. Também neste Palácio do Calhariz, funcionou em 1882 o Ministério dos Negócios Estrangeiros. A partir de 1947, passou para aposse da Caixa. Presentemente os dois Palácios; do Calhariz e do Sobral fazem parte do mesmo conjunto arquitetônico.

Como a história é curiosa. A gente começa falando de uma coisa e termina com outra, embora, tudo entrelaçado. Salvador da Bahia, onde moro, foi assim também, sem os reis e duques. A cidade foi erguida como fortaleza e duas portas: a Sul (Santa Luzia) e a Norte (Santa Catarina) e uma muralha. Depois, a cidade foi crescendo e as portas desapareceram. A muralha ao Norte foi ampliada, hoje, onde é o Largo do Pelourinho. E também já desapareceu.