Cultura

CADENA LANÇA LIVRO SOBRE OS 470 ANOS DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA

Veja algumas curiosidades históricas da Santa Casa
Da Redação , Salvador | 13/02/2019 às 09:43
Santa Casa de Misericórdia 470 anos
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      A Santa Casa da Bahia comemora 470 anos e acontece dia 20 de fevereiro o lançamento do livro de Nelson Cadena sobre a instituição. O livro consta de 14 capítulos em 340 páginas com muitas fotografias de época, algumas inéditas. Trata-se de uma narrativa sobre a Santa Casa da Bahia desde suas origens, incluindo seu papel institucional e suas frentes de caridade, ao longo dos séculos, até a atualidade.
 
       Junto com o lançamento do livro haverá uma exposição no Museu da Misericórdia que ficará aberta ao público até 31 de março. Destaques e diferenciais do livro:  Relação completa de todos os provedores da Santa Casa e o protagonismo de alguns deles; Relação completa de todos os Irmãos da Santa Casa, mais de 8 mil.

     A listagem do século XX é impressa e o restante com leitura disponibilizada através de um arquivo em QR-Code. Também destaca o protagonismo de alguns deles, revelando nomes de baianos ilustres.

    Narra fatos inéditos acompanhado de tabelas com estatísticas sobre a Roda dos Expostos, frente de caridade que assistia às crianças abandonadas. É o mais completo relato sobre a Roda, fundamentado em documentos, já feito no Brasil. 

    Conta como se formou o arquivo da Misericórdia que deu origem ao Centro de Memória Jorge Calmon e também as iniciativas que levaram à formação de um acervo para a criação do Museu da Misericórdia.

    Relata as práticas médicas do Hospital da Caridade e Hospital Santa Izabel ao longo dos séculos. Desde as sangrias praticadas por barbeiros, incluindo a introdução de sanguessugas no corpo do paciente, passando pelo uso de medicamentos manipulados na botica do hospital, até as novas práticas baseadas nos avanços científicos e com a disponibilidade de novas tecnologias. 

Tabelas com estatísticas mostram as doenças de maior incidência em vários períodos, e o impacto das epidemias (cólera e febre amarela) do século XIX. O livro relata ainda como foi a assistência às vítimas de Canudos no Hospital Santa Izabel. E detalha a longa caminhada de mais de sessenta anos transcorridos entre a pedra fundamental e a inauguração do Santa Izabel. 

Traz um relato inédito da visita de Dom Pedro II ao Asilo dos Expostos, através do próprio diário de viagem do Imperador, e a doação feita para as obras da Santa Casa. Também narra a visita de Getúlio Vargas à Pupileira e a existência nas suas instalações de um Museu de Higiene Infantil pioneiro no país. 

Algumas curiosidades

A Santa Casa de Misericórdia da Bahia e a Câmara Municipal são as mais antigas instituições da Bahia, ambas com 470 anos de existência, lembra o historiador e membro da Academia de Letras da Bahia, Francisco Senna, no prefácio do livro. As duas outras instituições que deram origem à cidade do Salvador, a ordem jesuítica foi expulsa pelo Marques do Pombal em 1759 e o governo-geral foi transferido para o Rio de Janeiro em 1763. 

O Hospital da Santa Casa de Misericórdia ficava fora dos muros da cidade, à distância “de um tiro de pedra” da Praça Municipal como descreveu o Padre Nobrega. O limite do muro ao Norte__ denominado de Porta de Santa Catarina, ficava na depressão natural do terreno da hoje Ladeira da Misericórdia. Um fosso com água, construído por Thomé de Souza para evitar uma eventual invasão indígena, separava a cidade e seu núcleo administrativo da primitiva sede do hospital.

A farmácia de manipulação no Brasil teve origem na Santa Casa da Bahia. O boticário do Hospital da Misericórdia, Diogo de Castro, que veio na mesma embarcação de Thomé de Souza, preparava as misturas nas doses recomendadas para os pacientes pelo médico Jorge Valadares. Os medicamentos manipulados estancavam hemorragias, atenuavam dores, atacavam as febres e diminuíam inflamações. No final do século XIX a botica do Hospital Santa Izabel contava com 1316 substâncias, armazenadas em frascos que podem ser vistos no Museu da Misericórdia.

O Governador-Geral do Brasil, Mem de Sá, foi provedor durante 14 anos e o primeiro grande benfeitor da Santa Casa da Bahia. Passou para a história como o governante que expulsou os franceses do Rio de Janeiro e recuperou a Baia de Guanabara para Portugal. Homem muito rico, construiu com seus recursos a Igreja da Misericórdia. Documentos da Biblioteca Nacional sugerem que tenha feito, também, reformas no hospital. Deixou em testamento 1/3 de sua fortuna como legado para a Santa Casa. Foi objeto de disputa judicial com outras irmandades, o desfecho se deu quase um século depois. 

O poeta Gregório de Mattos e o político e jurista Ruy Barbosa são alguns dos membros ilustres da Irmandade da Misericórdia__ a de maior prestígio em Salvador__ que ao longo de seus 470 anos de existência abrigou mais de 8.000 irmãos. A listagem completa que poderá ser conferida através de um QR-Code, impresso no livro, inclui preeminentes figuras da política, da medicina, das artes, da música, da literatura, do comércio, indústria e agropecuária, do judiciário, da imprensa. Na lista, a presença de 35 presidentes da Província e governadores da Bahia e 19 Intendentes e prefeitos de Salvador. 

Entre os baianos ilustres que serviram à Santa Casa como funcionários destaca-se o nome de Ruy Barbosa que foi uma espécie de Secretário Geral no período entre 1876 e 1877. Também, a educadora Amélia Rodrigues; os governadores Manoel Vitorino e José Luz de Almeida Couto; a líder feminista Francisca Praguer Fróes; o político e advogado Leovigildo Filgueiras; os historiadores Braz do Amaral e Thales de Azevedo; os médicos Aristides Novis, Aristides Maltez, Climério de Oliveira e Juliano Moreira e o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras Afrânio Coutinho, dentre outros.  Entre os prestadores de serviços terceirizados destacamos o nome do ilustra historiador e engenheiro Theodoro Sampaio e os pintores José Joaquim da Rocha, Miguel Navarro Cañizares, Manoel Lopes Rodrigues, Oséas Santos, Alberto Valença, João José Rescala. 

A Santa Casa era a única instituição da Bahia que tinha a prerrogativa de salvar os presos condenados à morte, em determinadas circunstâncias. A assistência aos presos era uma das obras de caridade previstas no seu Compromisso, espécie de estatuto. A Santa Casa fornecia alimentos, roupas e também assistência jurídica. Entre os presos pelos quais a Santa Casa intercedeu, estão Sabino Rocha Vieira, líder da Sabinada e o professor João Estanilau da Silva Lisboa que matou Julia Fetal com uma bala de ouro. Inspirou o personagem da trama da novela “Espelho da Vida”, exibida atualmente pela Globo. 

Antônio de Lacerda construtor do Elevador que leva seu nome foi Mordomo do Asilo do Expostos, frente de caridade da Santa Casa que acolhia as crianças abandonadas. Doou para o Asilo a renda da inauguração do elevador em 08 de dezembro de 1873, ao todo 700 mil reis. O empresário e engenheiro foi um benemérito. Mandou construir com recursos próprios a Capela de Nossa Senhora das Vitórias, na Pupileira, na condição de anonimato. E contribuiu ainda para a construção de um prédio novo no Asilo, além de outras obras de terraplanagem e canalização de águas e esgotos. 

Até quase o final do século XIX o Hospital da Caridade da Santa Casa da Bahia praticava a medicina empírica de acordo com os conhecimentos médicos da época. Praticava as purgas e as tradicionais sangrias, no pressuposto de que extraindo o sangue ruim e os maus humores do corpo poderiam ser debeladas as infecções. O hospital terceirizava serviços de barbeiros (em geral afrodescendentes alforriados) para as sangrias e para a aplicação de sanguessugas. Estas correspondiam a 28% da despesa do hospital com medicamentos.

Em 02 de outubro de 1915 o Hospital Santa Izabel realizou uma das primeiras transfusões de sangue do país e a única documentada, através do relato da formanda Isaura de Carvalho, na sua tese para obtenção de grau de doutora. Foi praticada uma técnica, nunca antes experimentada no país, utilizando-se o aparelho de Agote que consistia em duas bombas de sucção, uma para extrair o líquido e outra para injetar. O procedimento foi executado pelo Dr. João Américo Garcez Fróes em uma mulher de 26 anos que sofrera hemorragia após remover um pólipo uterino.  

Sete anos depois de instituída a Escola de Cirurgia da Bahia, em 1808, pelo príncipe Regente João VI, com sede no Hospital Real Militar do Terreiro de Jesus, esse núcleo inicial do ensino de medicina no país foi transferido para a Santa Casa da Bahia. A Carta Régia de 1815 criou a Academia Médica Cirúrgica que passou a funcionar nas dependências da Misericórdia, ao lado do Hospital da Caridade. Ali permaneceu até 1832 quando o Hospital Militar foi desativado e no local instalado o Hospital da Santa Casa e com ela a Academia Médica Cirúrgica que passou a se chamar de Faculdade de Medicina da Bahia. Em 1893 com a inauguração do Hospital Santa Izabel em Nazaré a faculdade foi junto e ali permaneceu até 1943 quando a prática médica foi transferida para o Hospital das Clínicas.

Domingos Borges de Barros, Visconde da Pedra Branca, pai da Condessa de Barral, governanta dos filhos de Dom Pedro II e sua amante por muitos anos, foi um dos primeiros a ser enterrados num mausoléu do Campo Santo, em 1855, com espaço para doze pessoas de sua família. O primeiro mausoléu do necrotério foi encomendado por Francisco Lopez Guimarães, avô do poeta Castro Alves, em 1852.  Os túmulos referidos fazem parte do circuito cultural, com viés turístico, que o Campo Santo oferece aos visitantes interessados em apreciar a arte cemiterial e que compreende mais de 260 jazigos e mausoléus. 

A Sociedade Baiana de Cardiologia e a Liga Baiana Contra o Câncer nasceram dentro das dependências do Santa Izabel. A primeira, em 1947, por iniciativa do Dr. José Moreira Ferreira; a segunda, em 1936, por iniciativa do Dr. Aristides Maltez.

O Dr. Adriano Azevedo Pondé, chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital, foi o primeiro presidente da SBC. 

No laboratório do Instituto Clínico do Hospital Santa Izabel o cientista e Dr. Pirajá da Silva descobriu e identificou, em 1908, o Schistosoma Mansoni, parasita da esquistossomose intestinal. 


O autor
Nelson Cadena é autor de nove livros.
Últimos lançamentos: Cidade da Bahia em 2017; Festas Populares. Fé e Folia em 2015
História do Carnaval da Bahia em 2014