Cultura

O ROCK NACIONAL e a profecia de Raul Seixas, por MAURICIO MATOS

Com isso, a moda rock no Brasil chegava ao fim. O nome disso? ‘Business’!
Mauricio Matos , Salvador | 15/09/2017 às 19:03
Guia Politicamente incorreto dos anos 80 do rock
Foto:
   Essa semana, o cantor e compositor Lobão esteve em Salvador para lançar o seu quarto livro, o 'Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 Pelo Rock' (Editora Leya). Volta e meia, a década de 80 do século passado é lembrada por tudo que representou para o nosso país, seja no campo político, esportivo ou musical. Período também marcado pela ascensão e queda do rock nacional, como mostra a recente publicação do 'Grande Lobo'.

    Tive o prazer de viver aqueles anos e acompanhar de perto o surgimento de uma nova geração de bandas e artistas de rock que mudaria o cenário musical brasileiro. Mas, sejamos francos, nem todos eram tão roqueiros assim. Muita banda ‘pop’ foi alçada pela mídia, empresários e gravadoras à condição de grupo de rock, a exemplo do ‘Kid Abelha’ e ‘Biquini Cavadão’, só para não ficar de fora daquele movimento.

   Na época, Raul Seixas e Rita Lee, ícones da geração de roqueiros dos anos de 1970, já não atendiam as demandas da indústria musical. Com sérios problemas de saúde, devido ao abuso de álcool e outras drogas, Raul estava com a carreira em franca decadência, enquanto Rita Lee, ao firmar uma parceria amorosa/musical (que perdura até hoje) com o guitarrista Roberto de Carvalho, abandonara de vez a veia roqueira e passara a flertar com o lado mais comercial da música, emplacando nesta linha, dentre outros sucessos, ‘Lança Perfume’, ‘Baila Comigo’, ‘Caso Sério’, ‘Orra Meu’ e ‘Nem luxo nem lixo’.

   A nova geração de roqueiros surgia de todos os cantos e rompia com a estética musical dos anos 70. Os novos artistas eram, na maioria das vezes, influenciados pela agressividade do ‘rock punk’ inglês e americano, contrastando com a ‘maresia’ meio ‘hippie’ de bandas como ‘Novos Baianos’ e ‘A Cor do Som’.

   A proximidade da abertura política e o regime militar chegando ao fim permitiam que os novos grupos falassem de forma direta sobre assuntos até então proibidos pela censura. “Não é nossa culpa/nascemos já com uma bênção/mas isso não é desculpa/pela má distribuição/Com tanta riqueza por aí/onde é que está/cadê sua fração”, vociferava Philippe Seabra, vocalista da banda brasiliense 'Plebe Rude'.

   Vale ressaltar que as letras das bandas e dos artistas da década de 80 eram inversamente proporcionais à qualidade do som e das gravações dos discos. As produções eram bem toscas e os produtores, com raríssimas exceções, tinham (e até hoje continuam tendo) uma concepção sonora equivocada sobre rock. 

   Muitos discos foram produzidos com o conceito musical da ‘Jovem Guarda’. Pense aí que miséria!
Mas nenhuma banda ousou tanto nas letras como o 'Camisa de Vênus'. Pode não ter sido o melhor grupo de sua geração, mas, com certeza, foi o mais autêntico. Quem ousaria – acho que até hoje ninguém teria coragem – de falar mal do arraigado sincretismo religioso de nossa terra, como fizeram Marcelo Nova e companhia na música ‘Controle Total’, sucesso do primeiro compacto do grupo baiano. 

   “Mas se quiser tentar/tem fitinhas do Bonfim/acarajé e abará/Essa é a grande senha/oxum, badauê e zamzibá/Tá tudo armado/para lhe imobilizar/Ô, ô, ô/aqui em Salvador/ô, ô, ô/a cidade do axé/a cidade do terror". Tempo bom aquele que o politicamente ainda não tinha sido apresentado ao que hoje chamam de correto...

   Com a realização do primeiro 'Rock in Rio', a indústria musical percebeu o potencial econômico da ‘moda rock’ no Brasil. A Rede Globo de Televisão, parceira do evento idealizado pelo empresário Roberto Medina, abriria espaço na programação, antes destinada apenas aos medalhões da MPB, para os grupos de rock. Isso potencializou as vendagens de discos, de shows e de tudo que envolvia a cena daquele gênero musical.

   Em algum momento, setores da mídia e o grande público elegeram a 'Legião Urbana' como a maior banda rock do Brasil – penso que foram as mesmas pessoas que achavam que os conceitos de Jovem Guarda e rock fossem a mesma coisa. Na minha avalição, foi aí que a coisa degringolou. 

   Sob a influência do vocalista Renato Russo, cujas letras abordavam problemas existenciais de ‘aborrecentes’ problemáticos e que hoje escrevem 'textão' no Facebook, muitas bandas passaram a escrever letras 'cabeças'. Pense aí: o som das bandas já não prestava e os textos passaram a ser uma espécie de mantra de terapeuta. Não tinha como dar certo. Rock é tudo, menos isso.

  O movimento foi minguando, os espaços diminuindo e a indústria foi sacando que daquele mato já não saía mais coelho que prestasse. Uma nova tendência musical tinha que surgir, para que empresários e gravadoras continuassem a ganhar dinheiro. Com isso, a moda rock no Brasil chegava ao fim. O nome disso? ‘Business’!

   À margem desse movimento, o baiano Raul Seixas, no alto da sabedoria, profetizou tudo isso no refrão de uma de suas belas canções: “Hey, anos 80/charrete que perdeu o condutor/Hey, anos 80/melancolia e promessas de amor...