PIPOCAS CARNAVALESCAS DE QUEM VIU PELA TELINHA

zedeJesusBarrêto
14/02/2024 às 11:03
O pré-carnaval, com Furdunço, Fuzuê, Cortejo, blocos de rua e manifestações populares espontâneas é um alento para a baianada das antigas, do tempo dos caretas, das batucadas, das mortalhas, dos bailes no Fantoches, Comercial, Palmeiras da Barra, das cadeiras na avenida, do Clube de Engenharia e da escadaria na Praça do Povo.  O brincar carnaval, a folia ‘cautelosa porém ousada’ antes de a turistada tomar conta do circuito atrás dos imensos trios com suas bandas e astros e estrelas da mídia.

- Uma boa sacada foi a abertura oficial com a retomada, em hora e momento adequados, do encontro de trios na Praça Castro Alves. Show de Ivete, do Baiana System com Ilê, de Carlinhos Brown com Armandinho e a multidão tomando tudo.  Cabia Luiz Caldas.  Momentos de muita gente também no Pelô, o palco no Terreiro de Jesus, outro carnaval. São vários num só.    

- No sábado, o circuito Barra/Ondina engavetou geral, tinha mais gente que espaço, não coube pra quem queria. Hora de repensar, repaginar a folia. Os trios cresceram, os ambulantes se multiplicam, a multidão nos circuitos esse ano foi assombrosa. Teve momentos em que travou tudo nos dois circuitos, Dodô e Osmar, socados de gente.  

- Lembrei de um dia ter ouvido do ‘louco’ e profético Brown: ‘Sonhei um dia estar tocando num trio voando por cima da multidão’. Está bem ali esse dia, já que temos drones capazes de lançar bombas e mísseis destruidores (Ucrânia, Gaza, Mar Vermelho...); por que não super-drones  bombardeando sonoras alegrias?   

 - Caiu uma tempestade na manhã de domingo, limpou e aliviou o calor para uma segunda-feira brilhosa, talvez o melhor dia da folia.

- Impressiona, ainda, o poder de Bell Marques de gerir a massa, aos mais de 70 anos, segurando no gogó, na cavalgada do galope, sem bundas nem discursos fúteis, a agilidade da mão direita, levada pura. Profissionalismo.  

- O ‘afrobaiopop’ do Baiana System, com uma pipoca imensa, mais branquedada, tipo universitária, tomando tudo.

- A suingueira de Kannário, pagode de gueto, seu domínio de microfone/técnica e o discurso, esperto, porradão. Impressiona. Passou pelos camarotes do Campo Grande e nem tchum pras ‘autoridades’. Só berrando. Lembro, ele é ex-deputado federal.

- Na terça, o carisma de Saulo com sua pipoca, um arrastão com outra pegada, mais leve. Haja gente.

- O pagodão baiano, chupado da chula e do samba duro e levado pra cima dos trios numa pegada carnavalesca é uma realidade, única, do carnaval baiano. Xande do Harmonia, Marcio Victor e suas muquiranas, Pisirico, até Ivete se rendeu com seu “macetando’. A pegada é boa, vem dos bairros, do Gerasamba, do samba junino... reprocessado.

- Louve-se a ótima sonoridade dos trios. Qualidade baiana, excelência, coisa que nasceu com Dodô, Osmar, Maleiro, Orlando Tapajós...  aperfeiçoando-se cada ano, superestruturas sonoras. Exportamos.  Viva Armandinho, uma marca.

  - A beleza plástica e todos os significados do Ilê/Curuzu, o branco de Ghandi, o signo Olodum, Didá e Neguinho do Samba, Sarajane, a volta de Marcia Short... a absoluta descaracterização e perda de identidade da Mudança do Garcia...

 - Repercutiu nas redes o barato ‘orando e macetando’ de Ivete & Baby Consuelo na rua, a ‘pastora’ alertando para o apocalipse, que ela, Baby, acredita estar às portas. Ivete tirou de letra mas passou um susto-perrengue com seu trio/o carro teve um vazamento de gás e quase adernou na avenida. Teve crente falando em ‘castigo’, acredita?

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 - Não sinto falta dos blocos de índio dos anos 60/70 – Os Apaches do Tororó, Os Comanches, Tamoios, Tupís ...  Mas bem que queria ver nas ruas os autênticos Tupinambás, Cariris, Pataxó, Pankararés... Porque a rua é deles também. Por certo, com suas tradições, trariam novos, diferentes momentos e astral para o nosso carnaval. Fica a dica.   

 -  Carnaval é cultura, o fazer criativo do povo, suas artes e hábitos e manifestações e costumes. Cultura é isso: diversidade, diferenças, diálogos, mistura.    

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  Diversidade seria a palavra síntese do carnaval baiano. Em todas as suas dimensões.

Sons, ritmos, cores, linguagens, gentes.  Uma riqueza.

 E as desigualdades, todas, tudo junto e misturado. 


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 Batatinha

                  “Trago ainda guardado/aquela lembrança/do carnaval que passou

                     Uma toalha bordada/que na escola de samba/teu lindo rosto enxugou”

Chico Buarque

           “Carnaval, esperança/que gente longe viva na lembrança

             Que gente triste possa entrar na dança/ que gente grande saiba ser criança

          ... Carnaval, desengano/deixei a dor em casa me esperando

              E brinquei e gritei e fui vestido de rei/ quarta-feira sempre desce o pano”