EM DEFESA DE ZUMBI: ELE e Lula são água e azeite

Fernando Conceição
22/11/2015 às 11:36
A 20 DE NOVEMBRO de 1695, registram os documentos oficiais do Brasil colônia de Portugal, as forças de repressão teriam extinguido a experiência quase centenária que foi o Quilombo dos Palmares.

   Em 2015, e isso já vem de há muito, representantes e síndicos daquelas mesmas forças estão tutelando a memória do líder palmarino, apelidado Zumbi. Seu nome de batismo católico foi Francisco, dado por um padre que o criou até a puberdade em Pernambuco.

   Uma rápida espiada pelas programações oficiais e oficiosas neste novembro, tido como “mês da consciência negra”, deixa a impressão que o próprio Movimento Negro (MN) brasileiro se tornou o Judas Iscariotes daquele mártir.

   Em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Rio Grande do Sul, Alagoas (onde o quilombo se localizou) e por toda a parte. Vendem por trinta moedas, ou até menos que isso – um carguinho na estrutra governamental ou partidária – a memória do herói da resistência colonial mais duradoura das Américas escravistas.

   O MN estatizou de tal forma Zumbi dos Palmares que agora empresários espertalhões passam a tratar também o 20 de Novembro como um negócio do campo da indústria cultural. Até que demorou.

   O que seria uma oportunidade para a ação política sobre a condição de subalternidade estrutural do afrobrasileiro no país institucionalmente racista, virou subterfúgio para carnavais fora de hora.

    Marchas que partem do nada para lugar nenhum. Se muito, seminários e workshops que falam de “empreendedorismo” e “empoderamento” negro – como ser quituteiro ambulante e trançadeira de cabelo. Risível.

    Na unidade federativa de maior presença demográfica negra, a Bahia, é como se o prostíbulo tivesse se oficializado. Nada contra os prostíbulos verdadeiros. Mas por aqui as coisas ganham ares de Bataclan parisiense.

   DOIS EXEMPLOS?

   Um pool de entidades ditas culturais, no fundo que se comprazem com o culturalismo enquanto reforço a um esteticismo arquétipo sobre o negro brasileiro, neste 20 de novembro resolveu chamar o ex-presidente Lula da Silva como estrela de uma caminhada ao som dos tambores.

   Ou seja, esse pessoal quer forçar a partidarização do 20 de novembro, aliando-se ao que de pior existe no governo federal neste momento. Evidentemente que aliar-se à escabrosa “oposição” – gentes como Aécio Neves ou Jair Bolsonaro – seria ainda mais trágico.

   Ocorre que Lula simboliza hoje não apenas a institucionalização ampliada da corrupção e do assalto à maior empresa brasileira, a Petrobras. Seu partido, na Bahia, é responsável pela escalada de homicídios que vitima principalmente a juventude negra. Com aplausos entusiásticos do governador do Estado [clique para ler].

   Além do que, ele e seu partido em passado recente rejeitavam programaticamente as políticas de ação afirmativa, de inclusão dos negros nas universidades, a exemplo das cotas. Com o tempo se converteram e, na atual quadra, querem pintar como paladinos da causa. Coisa que é deslavada mentira [clique aquí para saber mais].

   O cortejo com Lula à frente em Salvador nesse dia, isto o pessoal do Ilê Aiyê e seu séquito não admitiriam publicamente, foi uma espécie de vassalagem.

   Lula mereceu ser vaiado, como foi. Mas também o Ilê Aiyê merece umas tomatadas.

   Afinal, como parte significativa dos profissionais do MN – todos chapa-brancas bancados por esta ou aquela instituição governamental ou de cooperação internacional – essa agremiação deve favor a Lula. Como no passado deveu ao coronel Antônio Carlos Magalhães, a quem rendia homenagens nos idos dos anos 80.

   Foi graças ao cacique do Partido dos Trabalhadores no poder que o bloco do bairro do Curuzu fez idas e vindas à Guiné Equatorial, homenageando uma ditadura vampiresca [clique para saber] em 2013, em troca de alguns caraminguás.

   É isto a consciência negra?! Não a deste escrevinhador.

   OUTRO EXEMPLO? A Rede Bahia, holding para os famigerados negócios do carlismo, a partir deste ano resolveu entrar no 20 de novembro organizando e patrocinando um “Afro Fashion Day”.

   Assim mesmo em inglês, com  desfiles e mostras de moda, culinária, penteados, enfim, de “belezas” específicas, harmoniosas e sorridentes.

   Claro, com a cobertura e a repercussão que os veículos de mídia da rede têm condições de proporcionar. Anuncia a fanfarronice como algo que terá continuidade no próximo ano.

   A iniciativa da Rede Bahia tem apoio da indefectível Sepromi – secretaria do governador petista que se diz de “promoção da igualdade racial”.

  Orçamentariamente desprestigiada, essa Sepromi vive do mês de novembro, empregando uma máquina de aspones baratas-tontas, batuqueiros e crentes místicos do Candomblé e coisas que tais.

   Do parco recurso, ordenam-lhe de cima que tem de ser seletiva e cuidadosa nos gastos, promotora não de “igualdade” mas de ôbas-ôbas para os iguais. Falo de cátedra porque recentemente testei.

  É essa Sepromi que fala baixinho sobre as chacinas, mas ponga em coisas da Rede Bahia – Festa Literária de Cachoeira e, dessa vez, o “Afro Fashion Day”. Junta-se assim ao prefeito neto do patriarca Antônio Carlos Magalhães, também apoiador. Ou seja, embora digam-se opostos em momentos como esses se aliam.
Perigosa no seu proceder já quase monopolizador, a Rede Bahia quer transformar o 20 de novembro em coisa sua. Desbanca a concorrência no mercado de mídia.

   A exemplo do seu “Festival de Verão”, “Festival de Lençóis” e coisas congêneres, estende seus tentáculos. Os quais abraçam artistas da Rede Globo a que é filiada, e coloca suas empresas de marketing e venda de tíquetes a serviço dos seus interesses de lucro. Econômico e político.

   Profanada, a memória de Zumbi se presta a isso. Enquanto a negrada rebola a bunda, quando não permanece na sarjeta. Tento analisar isso no livro Nossa Escravolândia, já à venda em livrarias.