POVO É QUEM SALVA AS FESTAS DE RUAS DA CIDADE DA BAHIA

Tasso Franco
14/12/2014 às 07:57
Muitos politicos e artistas famosos costumam dizer - em parte por demagogia; em parte por real - que, em Salvador, o que mais se destaca na capital dos baianos é o povo. A diversidade, o carisma, o enigma, a beleza, a simplcidade, a sabedoria e outros atributos.

   De fato, isso é aceitável e correto. Claro que cada povo dentro de um mesmo estado tão grande quanto a Bahia, com a superfície do tamanho da França, há povos com características diferenciadas. O povo de Alagoinhas tem suas peculiaridades, sua textura. O povo de Remanso não se assemelha ao de Salvador, salvo talvez na simplicidade. O povo de Itajuipe é outra cultura, outro saber. O povo de Teixeira, mais ao Extremo-Sul, em alguns casos, nem parece com o povo da Bahia, como a gente conhece, ou pensa que conhece.

   Na festa para Santa Luzia, hoje, no bairro do Pilar, uma encosta do Comércio, Cidade-Baixa onde o mar batia antes da ocupação humana e se instalou a igreja do Santissimo Sacramento de Nossa Senhora do Pilar - uma santa de Espanha - e de Santa Luzia, a protetora da visão, também cidade no sertão Nordeste da Bahia, região do Sisal, que tem nome de Santaluz, podemos verificar o povo de Salvador com toda sua alma andando e rezando nesse sitio, bem popular.

   E como é esse povo de Salvador e da Santa Luzia? 

   Os homens se vestem preferencialmente de branco, bem arrumados, produzidos, escovados, perfumados; e as mulheres com o melhor de suas vestes, algumas delas com as urnhas dos pés vistosas e pintadas em vermelho, outras com torços nas cabeças e as mestiças e negras mais idosas com cabelos brancos à mostra, vaidosas, contidas na fé, orgulhosas, mães dedicadas e muitas delas a mãe e o pai da familia, na chamada familia matriarcal de Salvador.

   Conversei com muitas delas e tomei uma lição de uma senhora idosa se é que podemos chamar assim alguém com mais de 70 anos de vida, bebendo cerveja com uma amiga numa barraca de largo, quando lhe ofereci uma caderneta do nosso site BahiaJá e uma caneta. 

   Ela me disse o seguinte: - Meu filho, a essa altura da vida, eu não vou anotar mais nada. Está tudo na minha cabeça. Portanto, muito obrigado por seu brinde, mas, dê a outra pessoa.

   Que maravilha. Nada mais a perguntei, nem a questionei e sai a caminhar pelo Pilar pensando na sabedoria do que me dissera essa senhora, cabelos bem brancos, vaidosa, que, de fato, ela tem absoluta razão no saber popular, na oralidade do povo baiano que conta seus causos, que narra suas histórias, sem precisar fazer anotações.

   Roberto Santana, provedor da Irmandade do Santissimo, me deu outra lição, da história do local, do vigor da festa que andou decaída, dizendo que quando o povo tem fé e quer, nada é impossível não acaba nunca.

   E fiquei andando e astuciando cada pessoa, cada personalidade do povo, a diversidade que falei acima, a filha de santo, o benzedor, o vendedor de fitinhas, a vendedora de imagens de Luzia, o barraqueiro, a atendente, a vendedora de pipocas, o rapaz que cuidava do som, a jovem do repique da Didá, o fiel idoso de boné, a fiel com toda a familia a rezar, a fila com gente de toda cor, o PM negão gordo, a vendedora de água, o irmão careca da Irmandade, o condutor do andor de óculos, a senhora que percorreu toda a procissão sem sapatos, o tocador de foguete, cada qual no seu cada qual, na simplicidade, na roupa bem cuidade, na toalhinha que conduz para enxugar o suor do rosto.
 Isto é o povo de Salvador. A missa com a igreja lotada e um calor sufocante sem ninguém reclamar, o padre a lembrar que Luiza nos leva a Jesus, nos faz enxergar; o homem do carro de som avisando que a procissão iria sair; a mulher que pagou R$1,00 para fazer xixi num banheiro popular; a vendedora a me oferecer uma cerveja gelada por R$2,00.

   Entender esse povo de Salvador é um mistério. Pois, cada qual tem sua personalidade, sua crença, sua fé, e isso parece impenetrável. Diria que só quem é do povo entende o povo. Por mais que a gente olhe, estude, analise, ache que sabe, quebra a cara. 

   Como me disse a velha senhora sobre as anotações da vida: o povo tem as suas bem guardadas na cabeça, sabe de tudo, parece que não sabe, tem seu mundo próprio e segue com ele pelas ruas da cidade da Bahia, altaneiro, com seu modo de vida particular, peculiar.