O SAPATEIRO DE RUA "PERNAMBUCO" E AS LIÇÕES DA VIDA

Tasso Franco
27/05/2011 às 13:00
Foto: BJÁ
Francisco Feitosa, "Pernambuco", 86 anos de idade, há 35 anos no Chame-Chame
   O Chame-Chame é um bairro que pouco se conhece na cidade do Salvador. Nem chega a ser um bairro propriamente dito. Só temos (e falo assim porque moro no local) uma padaria, dois salões de beleza, um coma a quilo, uma lotérica, duas farmácias, um supermercado, duas bancas de revistas, tudo de uma modéstia anormal. A Rua Manoel Barreto des'água no Chame-Chame, mas, os moradores de lá dizem que pertencem a Graça, que é mais chic.


  Toda a área, Graça e adjacências da Centenário e do Chame-Chame foi sesmaria de Diogo Álvares, o Caramuru, depois, passada aos beneditinos.

  No terreno que é o Shopping Barra, nos anos 1960, quando jogávamos baba nesse local, era o campinho do Chame-Chame. Construiram o empreendimento nos anos 1980 e quando foi inaugurado, no final dessa década, colocaram o nome de Shopping Barra. Chame-Chame seria feio, dizem.

  Cirilo, o qual tinha uma banca de revista na entrada do campo, na boca da Centenário via Barra, foi transferido para a comendador Francisco Pedreira. E o sapateiro de rua Francisco Feitosa, o "Pernambuco", serve-nos desde o final dos anos 1970.


   Então, nosso personagem da crônica de hoje é esse camarada que conserta nossos sapatos há anos, o qual embora tenha a alcunha de "Pernambuco", 86 anos de idade, 16 esposas entre a atual e as que se foram ou deixou, 26 filhos, 45 netos e 15 bisnetos, nasceu no município de Carajás, Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, descendente de Xavantes.


   Em Salvador, embora os preços dos sapatos tenham caído ao longo dos anos, e se compra um "bute" por R$20,00 e uma sandália para a madame por R$10,00, e a de florzinha está na moda em todos os camelôs da cidade, ainda se conserta sapatos em cada esquina.

  E, cada bairro, salvo melhor juizo, tem um sapateiro ou mais de um desses profissionais atuando. Só aqui na Rua Marquês de Caravelas, nossa vizinha classe média da Barra, tem dois deles. É aquela tirinha que solta, o saldo que desprega e assim por diante.

   Eu mesmo tenho um italiano da Aldo, de 2002, que já passou pelas mãos de "Pernambuco" umas três vezes. O danado não pode ver chuva que descola. Agora, Feitosa colocou pregos em alguns pontos e me disse que eu posso ir até a China com ele. Tá feito.

   Feitosa mora em Praia Grande e se orgulha da profissão de sapateiro, segundo seu depoimento, no ofício há 73 anos desde que cortou a primeira sola, aprendiz da profissão.


  Só no Chame-Chame, "Pernambuco" tem 35 anos de batente, em dois ou três pontos do bairro, agora na comendador Francisco Pedreira quase a meia esquina com a Ari Barroso, nos fundos do muro da Igreja de Santa Terezinha, vizinho de testa com o jornaleiro Cirilo, de quem é amigo e prosador. Feitosa já trabalhou em SP, Rio e "Pernambuco", daí o epíteto.


  - Nem sei porque me colocaram esse nome de Pernambuco, pois, moro e gosto mesmo é da Bahia e sou xavante de nascença do Mato Grosso. E ninguém venha me falar mal da Bahia que não aceito - soletra frases enquanto conserta meu italiano, último da safra dos que já comprei porque não tenho mais idade e pés para novos, nem muito menos capilé.


   Uma prosa com "Pernambuco" é uma maravilha. A gente vai vendo como é simples a vida e a felicidade das pessoas. Me cobrou R$10,00 pelos serviços e fiquei lendo a duas placas pequeninas que tem em sua pobre tenda: "O importante é ser feliz", diz uma delas; e na outra se lê "Se Deus é por nós quem é contra nós".

   Peguei meu sapato e fui pra casa comer meu pirão. E deixei "Pernambuco" feliz da vida em sua tenda. De quebra ainda passei em João Farjala pra tomar um choppinho. C'ést la vie.