DINHEIRO, CONSUMO E FRATERNIDADE

Sérgio São Bernardo
18/03/2010 às 20:18
Foto: REP
A fraternidade pode ser compartilhada sem a existência do dinheiro

Com um caráter ecumênico, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) convidou autoridades eclesiásticas e políticas para sua Campanha da Fraternidade 2010. Fraternidade e Economia"será o tema da campanha deste ano. A ponderação apresentada foi : "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro", baseada na passagem bíblica Mt 6,24.


Fraternidade é da ordem da religiosidade e da moralidade. Não parece se adequar aos labirintos da prosperidade do dinheiro. O tema foi retraído pelos estudos mais urgentes da liberdade e da igualdade. Este não era ainda o assunto a ser te matizado pela história, nem tampouco o lema de um mercado profetizável e de um Estado redentor.


Após a revolução francesa esperava-se que o lema da fraternidade acometesse a maioria da população mundial, evocando uma base moral para a realização da justiça a e da ética no mundo moderno. Esta possibilidade não se confirmou porque as correntes hegemônicas do pensamento e do poder político, nos últimos anos, não cuidaram de imaginar um mundo de solidariedade e compaixão, mas, sobretudo, um mundo que tivesse resultados e índices concentrados de riqueza.


Parece-nos que a CNBB traz uma campanha acertada num ambiente planetário em que o mundo pede medidas mais que racionalistas acerca dos principais desajustes do pleno desenvolvimento mundial. Aquilo que Amartya Sen, vencedor do prêmio em 1998, disse certa vez sobre o desenvolvimento eliminar privações de liberdade e ampliar as escolhas e oportunidades para que as pessoas existam plenamente.


O mundo precisa de solidariedade. Não sobreviveremos se não entendermos isso. Mas a fraternidade pode ser compatibilizada com a existência do dinheiro? Políticas de inclusão como as ações afirmativas, a economia solidária, o micro crédito e a agricultura familiar firmam seus pilares e fornecem alguns dos ingredientes para a fórmula do desenvolvimento sustentável e confirmam um mundo sem consumismo com fraternidade.


O consumismo é uma praga, uma doença que a modernidade traz geneticamente em sua formação. Desde a Reforma que o tema do dinheiro e do consumismo foi debatido para explicar nosso alheamento da alma e da fé. Pois, foi na Reforma que se melhor debateu o papel da compra de objetos e títulos para muitos se redimirem de seus pecados e comprarem poder político e social.


O consumo moderno requer sofisticações. Hoje podemos comprar créditos de carbono e continuar poluindo, podemos comprar a nossa fé e a fé dos outros e ganharmos muito dinheiro com isso. Consumir significa existir e todos querem sobreviver consumindo mais.


Ao meu ver, na busca de imputar na economia o desiderato da fraternidade a CNBB acerta. Mas, ao mesmo tempo, quando propõe unir as Igrejas cristãs para tal tarefa, a instituição perde uma valiosa oportunidade. Hoje o que caracteriza a fraternidade religiosa é o respeito às outras religiosidades. Portanto, é o debate interreligioso que é desafiador no mundo moderno. A campanha que pretende chamar "todas as pessoas de boa vontade, na promoção de uma economia a serviço da vida, sem exclusões, criando uma cultura de solidariedade e trazendo paz" deve entender que estas pessoas são encontradiças também em religiões não cristãs e em ambientes não religiosos. Afinal de contas, como vaticina Sartre , o inferno são os outros.


* Advogado, professor de Direito da UNEB e presidente do Instituto Pedra de Raio.