UMA CONSTITUIÇÃO MAIS ENXUTA PARA O BRASIL

Sérgio Barradas Carneiro
02/08/2009 às 14:16



 

Foto: Ilustração
Capa da primeira Constituição do Brasil

Tive a oportunidade de ser relator, na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 341/2009, de autoria do deputado Régis de Oliveira (PSC/SP), que propõe o enxugamento da Constituição Federal. O objetivo inicial do autor era o de retirar, da Carta Magna, as matérias que não são constitucionais, fazendo uma verdadeira "lipoaspiração" na Constituição.


Em extensa e bem lançada fundamentação de sua proposta, o autor traça uma breve história do Constitucionalismo, discorre sobre o fenômeno contemporâneo da constitucionalização do Direito e aponta a desnecessidade, no atual momento da vida política nacional, de uma Constituição analítica. Propõe, ao fim, o retorno ao conceito de Constituição material, repositório das normas mais fundamentais do estatuto político de um povo.


Ao analisar a proposta, como relator, constatei a necessidade de apresentar dois substitutivos, já que, originalmente, a proposta do deputado Régis de Oliveira não apenas propunha o enxugamento da Constituição, mas, também, sugeria algumas modificações que, por si só, ensejariam um debate para cada item.


Assim, apresentei meu parecer pela admissibilidade da PEC, desmembrando-o em dois substitutivos. No primeiro, com voto favorável à admissibilidade da PEC e pelo enxugamento da Constituição, retirei tudo que pudesse ser tratado de forma infraconstitucional, ou seja, por lei complementar e lei ordinária. Mantive o texto constitucional de acordo com as cláusulas pétreas, garantindo a manutenção da estrutura federativa do Estado, os direitos e garantias individuais, os direitos sociais, todas as composições e garantias constitucionais de todos os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e dos entes federativos (União, Estados e Municípios).


Do texto da Carta, foram retiradas todas as matérias não constitucionais. Este parecer já foi lido, recebeu um "pedido de vistas" coletivo de todos os deputados presentes à sessão e será avaliado pela CCJ para, se aprovado, ser constituída uma comissão especial para análise do mérito. Depois da comissão especial, por ser uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), deverá ser apreciado em duas votações, com 3/5 de votos favoráveis cada, tanto no Plenário da Câmara como do Senado.


No segundo substitutivo, mantive a íntegra da proposta do deputado Régis de Oliveira. Este deverá ir à nova avaliação na CCJ. Meu objetivo foi viabilizar a proposta de enxugamento. Por isso, utilizei o Artigo 57, Inciso III do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê que ‘quando diferentes matérias se encontrarem no mesmo projeto, poderão as Comissões dividi-las para constituírem proposições separadas, remetendo-as à Mesa para efeito de renumeração e distribuição'. Desta forma, procurei respeitar a idéia original do deputado Régis de Oliveira no que se refere ao enxugamento, à diminuição dos dispositivos de nossa Constituição, colocando todas as outras modificações neste segundo parecer.


Aproveitei a proposta de enxugamento, mas conservei os itens constitucionais sem alteração, viabilizando a idéia original de enxugar a Constituição.  Desta forma, a Carta Magna brasileira, se aprovado o substitutivo proposto, passará de 250 artigos originais para apenas 75.


Avalio que, de fato, é notória a inviabilidade da manutenção da Constituição com a extensão com a qual foi concebida, principalmente quando se considera a constante descaracterização que vem sofrendo, mercê das inúmeras emendas aprovadas e que visam a trazer segurança jurídica aos diferentes extratos sociais, de modo que mudança estrutural é medida que se impõe e que deve ser urgentemente implementada.


Importante lembrar que nossa Constituição nasceu num momento imediatamente posterior a uma ditadura, onde os direitos e garantias individuais eram inobservados e desprezados. Assim, ao ser convocada a Assembléia Nacional Constituinte de 1988, viu-se neste País uma das mais extraordinárias participações populares de nossa história. Dentro deste contexto, o resultado foi a elaboração de uma Carta Política extremamente detalhista, onde todos os segmentos da sociedade procuravam constitucionalizar seus direitos por receio de vê-los novamente subjugados.


Mas decorridos mais de 20 anos da promulgação da Magna Carta, a esperança depositada nesse instrumento normativo está, cada vez mais, sendo solapada pela inoperância e ineficácia de suas normas.


Vejamos: a última Constituição Brasileira foi promulgada em 1988 com 250 artigos, mais 95 artigos dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias e conta hoje, ainda, com 6 Emendas Constitucionais de Revisão e mais 57 Emendas Constitucionais que se transformaram nos seguintes números:


  • desde 1988, foram alterados, suprimidos e acrescentados cerca de 90 artigos, 312 parágrafos, 309 incisos e 90 alíneas;
  • hoje, 1.119 propostas tramitam na Câmara dos Deputados, sem falar em 1.344 propostas já arquivadas desde 1988;
  • só nesta Legislatura da Câmara, 22 Comissões Especiais estão em funcionamento, aguardando exame de mérito. No Senado, proporcionalmente, tem-se 393 propostas tramitando.

Esses dados mostram como é inviável a manutenção da Constituição com a extensão com a qual foi concebida. Tudo isso diminui a importância da Carta Magna, relativiza a força dos seus dispositivos, impede a sua adequação à realidade.


A atual Constituição de 1988, apesar de classificada como formal, vez que foi solenemente elaborada por um órgão especialmente incumbido desse mister, contém normas que não são materialmente constitucionais. Tal distinção entre norma formalmente ou materialmente, em um regime de Constituição escrita e rígida como o adotado no Brasil, não teria grande relevância não fosse o tratamento diferenciado que recebem. Isto porque todas as normas constitucionais são dotadas de supremacia formal, visto terem sido elaboradas segundo um procedimento mais solene sendo, portando, dotadas de superioridade em relação às demais leis do ordenamento.


Entretanto, a existência de cláusulas pétreas é justamente o que possibilita afirmar que possuímos uma categoria de assuntos que são reconhecidos por todos como substancialmente constitucionais, ao passo que outros variam de acordo com a evolução social do Estado e que, por isso, estariam melhor inseridos na legislação infraconstitucional.


A rigidez de uma Constituição serve para assegurar a solidez do ordenamento jurídico. A sua constante atualização se impõe sob pena de se tornar uma normatização meramente nominativa. Sabe-se, no entanto, que a rigidez da Carta Magna 1988 não é necessariamente capaz de gerar tamanha estabilidade, mormente diante da quantidade de emendas aprovadas após sua promulgação.


Assim, muito embora a tendência contemporânea seja a adoção de constituições chamadas analíticas e extensas, como meio de conferir maior estabilidade a certas matérias no intuito de limitar a discricionariedade do Estado sobre elas, a verdade é que uma constituição sintética possui maiores chances de alcançar este resultado, na medida em que deixa de estar sujeita a tantas modificações. Foi nesses termos que elaboramos nosso parecer substitutivo e o colocamos à apreciação primeira dos nobres deputados junto à CCJ da Câmara.


Por fim, quero lembrar que estando vários assuntos na Constituição, torna-se necessário uma maioria de 3/5 de deputados e senadores para sua alteração. Dessa forma, as minorias sociais jamais conseguirão fazer avançar alguns assuntos do seu interesse, pois dificilmente formarão tais contingentes parlamentares. E todos os governos ao precisarem de tais quantidades de congressistas, perpetuarão as políticas clientelistas que tanto envergonham o povo brasileiro. Uma Constituição enxuta, com apenas 75 artigos permitirá que, doravante, os futuros governos se organizem em torno de maiorias simples, como em todos os lugares civilizados do mundo.