AGRESSÃO A HISTÓRIA DA CIDADE DO SALVADOR

Tasso Franco
14/07/2009 às 09:14
Foto: BJÁ
Igreja e mosteiro da Graça local onde viveram Diogo Álvares e Catarina Paraguaçu

"Notáveis" do bairro do Rio Vermelho sem o devido conhecimento da história da cidade do Salvador querem "fazer a cabeça" do prefeito João Henrique para que a Prefeitura instale um Memorial Diogo Álvares, o Caramuru, naquele sitio. Ora, se a Fundação Gregório de Mattos (órgão municipal que cuida da cultura) quiser algum dia instalar uma memorial a esse personagem importante da história da primeira capital do Brasil, deve fazê-lo no Mosteirinho Beneditino da Igreja de Nossa Senhora da Graça, posto até que já existe esse espaço e foi o local onde viveu o casal Caramuru e Catarina Paraguaçu.


É preciso, portanto, distinguir o que é a história e o que representa a lenda para que o prefeito João e sua equipe não sejam colocados numa "fria" e ergam um monumento a Caramuru, no Rio Vermelho (a ficção literária) e desprezem a história real. No rigor histórico Caramuru não tem nada a ver com o Rio Vermelho, essa conversa de que foi fundador do bairro é uma irresponsabilidade histórica, um afronta, e este europeu ainda de origem ignorada, com 90% de possibilidades de ser português a serviço de navegadores franceses viveu os seus dias na Bahia, entre 1509 e 1557, entre o que é hoje a Barra e a Graça.


Portanto, parte de sua presença na Bahia, entre 1509 e 1548, sequer existia a cidade do Salvador; e entre 1549 e 1557, já com este nome, porém, restrita a mancha matriz e/ou portas Norte e Sul da Cidade Fortaleza que se estendiam entre as atuais Praças Castro Alves (Sul) e Sé (Norte). Já havia, na Capitania da Bahia, a antiga Vila Velha do Pereira, praticamente destruída na revolta dos tupinambás contra Francisco Pereira Coutinho, o donatário, 1536/1548, e sítios na Barra e Graça, onde moravam alguns portugueses, entre eles, o europeu Diogo Álvares e sua mulher Catarina e filhos.


Tanto que, quando Dom João III instala o Governo Geral concede uma sesmaria a Diogo Álvares e Catarina, exatamente no sítio onde hoje estão os bairros da Graça, Chame-Chame e adjacências depois repassada para o Mosteiro de São Bento com a morte de Catarina, em 1586. Também é conversa fiada que Diogo Álvares tenha ajudado Tomé de Souza na construção da cidade do Salvador, uma vez que essa foi uma determinação da Corte Portuguesa, avisada a Caramuru por Gramatão Teles o oficial português destacado para a missão precursora.

           

No máximo, o que Diogo Alvarez fez foi não atrapalhar Tomé de Souza uma vez que não tinha forças para impedir a instalação do Governo Geral na Capitania da Bahia, a nova ordem  constitucional, e não seria louco de enfrentar uma tropa militarmente muito superior com tacapes e tupinambás armados de arcos e flechas. Cedeu, colaborou e ficou na Graça, na dele, observando o que determinaria o governador e a elite governamental, nas armas, no judiciário e na fazenda, incorporando alguns dos seus filhos e parentes nessa máquina burocrática.


            Essa é a parte da história e deve-se todo respeito, bem como as reverências ao pioneirismo de Diogo Álvares e Catarina, pois, seus descendentes constituíram famílias que dominaram a Bahia e o Nordeste durante 300 anos iniciais da colonização portuguesa no Brasil. Veja que as lutas da Independência na Bahia, em 1823, foram sustentadas pelos senhores do Recôncavo, os Pires e Albuquerque, entre outros, descendentes de Diogo e Catarina. E reverências são prestadas no 2 de Julho a cabocla Catarina, sentimento nativista tupinambá, e até na encarnação do caboclo caramuru, embora este fosse europeu.

           

A lenda do Deus do Trovão, o Caramuru, foi criada em 1722, pelo frei agostiniano José de Santa Rita Durão, um mineiro que morou na Bahia e morreu em Lisboa, em 1784, e trata-se de uma peça de ficção literária, um poema épico ao estilo de Camões, e não pode ser considerada história. Em sendo assim, reivindique-se fazer um memorial para Dona Flor e seus Dois Maridos no Centro Histórico de Salvador observando-se a pena de Jorge Amado. Como já colocaram uma estátua de Zumbi na Praça da Sé, tudo, assim, seria possível.


Os "notáveis" do Rio Vermelho querem se apegar à ficção "Não era assim nas naves fugidias/ Que umas frechava no ar, e outras em laços/ Com arte o caçador tomava vivas/ Uma, porém, nos líquidos espaços/ Faz com a pluma as setas pouco ativas/ Deixando a lisa pena os goles laços/ Toma-a de mira Diogo e o ponto aguarda/ Dá-lhe um tiro de derriba-a com espingarda" posta na sabedoria de Santa Rita Durão que assim criou o mito "Tupã, Caramuru, temendo um raio/ Pretendem ter por Deus, quando o permitam.../ para, assim, em agressão a história da cidade do Salvador, instituir esse memorial.

           

            Não tem o menor cabimento. O lugar de Diogo Álvares é a Graça. Lá está o Mosteirinho Beneditino, tem espaço para isso no primeiro andar da igreja e até nas dependências próxima ao pátio, precisando apenas de algumas pequenas reformas, os documentos relativos à sesmaria e doação da viúva Catarina estão na biblioteca do Mosteiro de São Bento, no centro da cidade, Catarina está sepultada na Igreja de Nossa Senhora da Graça e outras peças que estão em Saint Malo, na França, podem ser incorporadas, com cópias, tal como a certidão de bastismo e casamento de Catarina com Diogo, na Igreja de São Vicente, França, em 1528.


            No mais é querer embromar o prefeito de Salvador, como, aliás, estão fazendo com o presidente da Câmara de Viana do Castelo, pois, até hoje, não há registro primário da origem de Diogo Álvares.