RASGARAM MEU DIPLOMA DE JORNALISTA E DERAM TIROS NOS PÉS

Tasso Franco
22/06/2009 às 17:03

O canudo de jornalista só serve para emoldurar sala de visitas e gabinetes
Tenho “canudo” UFBA de jornalismo antes da Constituição de 1988. Depois de alisar os bancos da antiga Faculdade de Filosofia situada no bairro de Nazaré, nos idos de 1968, onde se agrupava o Curso de Jornalismo da FAFIUFBA, e outros tais já na Escola de Biblioteconomia e Comunicação, no prédio da antiga Casa da França, no Canela, conquistei o diploma já no âmbito da Reforma Universitária do reitorado de Roberto Santos, em 1971. E, somandos o ano de “foca” no finado Jornal da Bahia aos dias atuais completo 41 deles na atividade jornalística.

           

            Uma vida. Nesse período ví muita coisa acontecer e processar-se uma “revolução” industrial sem precedentes na história do jornalismo, com a composição a quente dando ligar aos sistemas computadorizados, o fim da máquina de datilografia e do telex, aposentadoria das revelações de filmes e outros, a introdução das mesas digitais e do web-jornalismo e uma série de outros procedimentos. Só quem não mudou, em sua essência, foi a notícia, a nossa fonte de trabalho e de inspiração cotidiana.

 

            Nada pareceu mais esdrúxulo e inconsequente, no entanto, do que essa decisão do STF de aposentar o meu “canudo” e de milhares de estudantes e/ou profissionais que um dia se qualificaram para exercitar essa profissão que tem ajudado o país a construir a sua história e foi responsável, em parte, para reconquistar a democracia nacional, exatamente a partir da divulgação da luta pós golpe de 1964 até a promulgação da Constituição Cidadã, com o “velho timoneiro” Ulysses Guimarães à frente no Congresso.

             

            O entendimento dos ministros é de que o Decreto-Lei 972/1969, baixado durante o regime militar de 1964, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que as exigências nele contidas ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Ou seja, a constitucionalidade da exigência do diploma foi por água abaixo e a obrigatoriedade do registro profissional nas DRTs idem-idem.

             

          Nunca soube, na prática desses 41 anos de profissão, que a liberdade de imprensa e o direito à livre manifestação do pensamento tenham sido contrariados por jornalistas com NU e/ou outros que atuam no mercado, quer nas redações do dia-a-dia ou com comentaristas especialistas em determinadas matérias. As empresas jornalísticas sempre se utilizaram desses recursos na Bahia e no Brasil e se reclamações aconteceram por parte de sindicatos, nunca perturbaram os veículos de comunicação nem mudaram a trajetória dos acontecimentos.

           

           Uma prova disso está na Rede Globo que tem Arnaldo Jabor, um produtor de cinema, como um dos seus melhores e mais mordazes comentaristas políticos; e Tostão, que é médico, comentarista esportivo na imprensa escrita, entre dezenas, centenas de outros. Outro exemplo é Dr. Drauzio Varela fazendo matérias sobre medicina com inigualável competência. Aqui na Bahia há casos e mais casos, até de uma decoradora de ambientes que assina uma coluna sabática num dos jornais da cidade, e uma família de coreanos que produz uma revista e substituiu Vavá como repórter fotográfico dos acontecimentos sociais. Agora, vá um jornalista baiano se instalar em Cuba do chargista Simanca, de A Tarde, e produzir o que ele edita, para ver o que aconte.

 

            No Brasil, há uma liberdade de expressão plena, pelo menos a partir de 1988, e o patrulhamento a essa conduta não se situa na categoria, mas, em alguns segmentos empesariais e governamentais que desejam estatizar e monopolizar a informação ao seu modo, como aconteceu recentemente com o Blog da Petrobras, e não no exerício da função jornalística livre e democrática. A argumentação do STF, se vista no sentido mais amplo, poderia também valer para advogados, professores, cientistas sociais, geográfos, históriadores e outros na medida em que esses profissionais também atuam no âmbito da liberdade da expressão.

 

            A argumentação do ministro Gilmar Mendes, relator da matéria seguida por seus pares, a exceção de Marco Aurélio, não coloca um ponto final na necessidade de formação do jornalista, embora, quando o STF acaba a obrigatoriedade do diploma, produz aquela figura de reórica popular “se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”. É claro que existe muita escola de jornalismo NU sem qualificação, mas, há, também aquelas que melhoraram seus desempenhos ao longo dos anos e uma citação referência é a FACOM/UFBA, com todo viés “cururu” que tem, se comparado ao curso de jornalismo que frequentei na FAFIUFBA.

 

            A tecnologia criou novas possibilidades para os “não” jornalistas e isso é real, visível, com centenas de blogs e sites na Bahia e no Brasil sendo operados pelos mais diferentes profissionais, inclusive conzinheiros, mas, nada substitui a formação do jornalista em sua essência. Há de se dizer que o “jornalismo romântico” morreu; mas isso também é verdadeiro com a medicina, a advocacia e outras profissões. Aquele “médico da família” já desapareceu do cenário há anos, assim como o engenheiro que só fazia casas, o advogado dos comerciários e assim por diante.

 

            Então, essa argumentação só para os jornalistas não cola. Agora, o STF, anuncia a contratação de 14 jornalistas por concurso com salário inicial de R$6.651,52 e vive o drama, em edital, se exige diploma de jornalista ou se abre para todos: motoristas de táxis, cozinheiros, médicos, terapeutas ocupacionais, mágicos, garçons e outros. E tome tiro no pé.