O TRIO ELÉTRICO 59 ANOS, A POLÍTICA E O FORRÓ

Tasso Franco
17/06/2009 às 13:01
Foto: Arquivo
O trio-elétrico conquistou parte do Brasil e se inseriu no contexto do forró

            Há um movimento do Conselho Municipal do Carnaval de Salvador em prestar uma homenagem aos 60 anos de criação do trio-elétrico. Nada mais justo. Mas, seria precipitado fazê-lo, em 2010, uma vez que a concepção do trio e seu desfile pelas ruas da capital deram-se em 1951, com Dodô, Osmar e Temístocles. Outra coisa: será extremamente injusto, como vem sendo ao longo desses anos, tratar o tema como duo-elétrico, sua concepção original, enaltecendo as personalidades de Dodô e Osmar e rifando-se Temístocles.


            De fato, o trio nasceu como duo, em 1950, no contexto da modernidade do governo Otávio Mangabeira e do prefeito Wanderley Pinho, embalado nas comemorações do IV Centenário da Cidade após a apresentação do Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife, a pedido do governador. O radiotécnico Adolfo Nascimento, o Dodô, violonista; e o mecânico Osmar Macedo, tocador de cavaquinho, entusiasmados com o Vassourinhas tiveram a genial idéia de amplificar o som e levá-los às ruas durante o Carnaval.


            E assim o fizeram, em 1950, ainda no governo Mangabeira, utilizando-se de um carro Ford de bigode modelo 1929 que transportava ferro para a oficina de Osmar, duoeletrizando em paus-elétricos com sons amplificados em duas bocas de alto falantes frevos pernambucanos em percurso carnavalesco do Campo Grande à Rua Chile, voltando pela Carlos Gomes até o Palácio da Aclamação, então residência do governador, percurso que o Vassourinha fizera arrastando uma multidão.


            Na Bahia, nessa época, o Carnaval de rua era dominado pelos clubes carnavalescos Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha e Inocentes em Progresso, cujos componentes desfilavam em carros e pranchas com flagrante influência européia. Já existiam as batucadas (Filhos do Morro, Deixa Pra Lá, etc) e o primeiro bloco popular Filhos do Mar fundado por Arquimedes Silva, em 1943, utilizando além de bumbos e surdos feitos com barrica de bacalhau e couro de bode, instrumentos de metais.


            Mas, os sons dessas batucadas que desfilavam em fila indiana, dos conjuntos de bandolins, violões e pandeiros usados nos corsos, os sopros do Filhos do Mar, e agogôs do nascente Filhos de Gandhy eram limitados a um pequeno espaço e ao tempo em que passavam na avenida. Aí é que entra a "revolução" de Dodô e Osmar, agora com o nome de "trio elétrico", em 1951, quando pela primeira vez apresentou-se no carnaval um conjunto de três instrumentistas com sons amplificados, perceptíveis a um público maior.


             A "dupla elétrica" convocou o amigo e músico - arquiteto Temístocles Aragão - para integrar o trio e tocar numa picape Chrysler em cujas laterais se liam em duas placas: "O trio elétrico". Osmar tocava a "guitarra baiana"; Dodô era responsável pelo "violão-pau-elétrico", de som grave, e Aragão, pelo "triolim", como era conhecido o violão tenor, de som médio. Estava formado o trio musical.


Passa despercebido nesse cenário (mas deve ser lembrado), a presença de Lourival Faustino, Lourinho, que viera do Rio, em 1949, para fazer a iluminação do Parque Centenário, na Fonte Nova, durante comemorações do IV Centenário de Salvador, o qual, nessa época, criou gambiarras decorativas para o Carnaval, atravessando livremente as ruas e avenidas, substituindo os festões e lâmpadas dispostas em tábuas de pinho, antes colocadas em marquises e postes.


            Então, o invento de Dodô e Osmar, logo integrado por Temístocles, se enqudra nesse movimento de luzes de Lourinho, chamado pela imprensa de "mestre das luzes", da inauguração do Estádio da Fonte Nova, em 1951, do Fórum Ruy Barbosa (1949), da Avenida Oceânica e outros, todos da era Mangabeira. O trio elétrico desponta já no governo Régis Pacheco e vai seguir uma trajetória que modificou completamente o Carnaval de Salvador.


            Pode-se dividir o Carnaval de Salvador em dois momentos: antes do trio (entre 1820 e 1950); e depois dele (1951 até os dias atuais), com subitens: batucadas, afoxés, clubes carnavalescos, clubes sociais, blocos de trios, afros, pagodes e sambas. Mas, nada mexeu com o Carnaval como o trio-elétrico e sua evolução com Orlando Tapajós e outros, Armandinho, Caetano, Morares Moreira, Novos Baianos, a voz no trio, a Axé Música e toda esse caldo de cultura existente na atualidade.


            E evidente que os políticos se interessaram pelo equipamento e este passou a integrar a vida política baiana a partir dos anos 1980, com a redemocratização, fazendo uso da amplificação do seu som como palanque, e na exaltação e puxaquismo que se processa ao longo de mais de 20/30 anos nos palanques oficiais. Muitos políticos subiram e sobem em trios nos carnavais de Salvador, patrocinam algums deles e o utilizavam até que a legislação eleitoral mais recente proibiu em períodos de campanha.


            Mas, no resto do ano é livre. E, agora, no São João, com a Central do Carnaval colocando seus tentáculos na festa, lá estarão os políticos nas plataformas de trios. Osmar, o profeta do trio, um dia disse que a sua engenhoca ganharia o Brasil, só não contava com isso.