TODO MUNDO QUER APRENDER A FALAR; NINGUÉM QUER APRENDER A OUVIR

Rubem Alves
20/04/2009 às 18:05

Foto: Ilustração
Para ver as árvores e as flores não precisa ser cego
Sempre  vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi  anunciado curso de escutatória.  
 
Todo  mundo quer aprender a falar... Ninguém quer  aprender a ouvir.  
 
Pensei  em oferecer um curso de escutatória, mas acho  que ninguém vai se matricular.  
 
Escutar  é complicado e sutil.   
 
Diz  Alberto Caeiro: "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as  flores.  
 
É  preciso também não ter filosofia nenhuma."
   
 
Filosofia  é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre  como são as coisas.  Para  se ver, é preciso que a cabeça esteja  vazia.  
 
Parafraseio  o Alberto Caeiro:  Não  é bastante ter ouvidos para ouvir o que é  dito.  
É  preciso também que haja silêncio dentro da  alma.  
 
Daí  a dificuldade:  
 
A  gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem  logo dar um palpite melhor...  
 
Sem  misturar o que ele diz com aquilo que a gente  tem a dizer.  
 
Como  se aquilo que ele diz não fosse digno de  descansada consideração...  
 
E  precisasse ser complementado por aquilo que a  gente tem a dizer, que é muito  melhor.  
 
Nossa  incapacidade de ouvir é a manifestação mais  constante e sutil de nossa arrogância e  vaidade.  

 No  fundo, somos os mais bonitos...  
 Tenho  um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os  Estados Unidos estimulado pela revolução de  64. Contou-me  de sua experiência com os índios: Reunidos os  participantes, ninguém fala.  

 Há  um longo, longo silêncio.  
 
  Vejam  a semelhança... 
   Os  pianistas, por exemplo, antes de iniciar o  concerto, diante do piano, ficam assentados em  silêncio... 

  Abrindo  vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias  estranhas. 
Todo s  em silêncio, à espera do pensamento essencial.  Aí, de repente, alguém fala.  
Curto.  Todos ouvem. Terminada a fala, novo  silêncio.  
 
   Falar  logo em seguida seria um grande desrespeito,  pois o outro falou os seus  pensamentos...  
 
  Pensamentos  que ele julgava essenciais. 
 São-me  estranhos. É preciso tempo para entender o que o  outro falou.  
 
   Se  eu falar logo a seguir... São duas as  possibilidades .  
 
    Primeira:  Fiquei em silêncio só por  delicadeza..  
    Na  verdade, não ouvi o que você  falou.  
    Enquanto  você falava, eu pensava nas coisas que iria  falar quando você terminasse sua (tola)  fala.  
    Falo  como se você não tivesse falado.  
 
    Segunda:  Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou  como novidade eu já pensei há muito  tempo.  
     É  coisa velha para mim. Tanto que nem preciso  pensar sobre o que você falou.  
 Em  ambos os casos, estou chamando o outro de tolo.  O que é pior que uma bofetada.  
 
   O  longo silêncio quer dizer: Estou ponderando  cuidadosamente tudo aquilo que você  falou.  
 
   E,  assim vai a reunião. 
   Não  basta o silêncio de fora. É preciso silêncio  dentro. Ausência de pensamentos. 
   E  aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente  começa a ouvir coisas que não  ouvia.  
    Eu  comecei a ouvir.  
    Fernando  Pessoa conhecia a experiência...  
    E se referia a algo que se ouve nos interstícios  das palavras... No lugar onde não há  palavras.  
    A  música acontece no silêncio. A alma é uma  catedral submersa.  
    No  fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca  fica fech ada. Somos todos olhos e  ouvidos.  
    Aí,  livres dos ruídos do falatório e dos saberes da  filosofia, ouvimos a melodia que não  havia...  
    Que  de tão linda nos faz chorar.  
    Para  mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no  silêncio.  
    Daí  a importância de saber ouvir os outros: A beleza  mora lá também.  
    Comunhão  é quando a beleza do outro e a beleza da gente  se juntam num contraponto.