A TRAJETÓRIA DO PMDB NA BAHIA

Antonio Jorge Moura
27/02/2009 às 08:05
Foto: Arquivo
O menestrel Ulisses Guimaraes e a campanha para presidente da República
  A primeira e definitiva experiência de planejamento econômico da Bahia foi capitaneada pelo economista Rômulo Almeida no século passado, no Governo Antonio Balbino, quando o ilustre baiano presidiu a CPE - Comissão de Planejamento Econômico, da Secretaria de Planejamento do Estado. 

   Foi na CPE que ele concebeu a idéia da instalação de um Pólo Petroquímico como conseqüência da descoberta do petróleo no Recôncavo, da criação da Petrobrás e da implantação da Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe. Afinal, se a Bahia tinha petróleo poderia ter também a indústria petroquímica, até então concentrada em São Paulo.
 
   No início dos anos 80 do século passado, mais precisamente em 1982, o antigo MDB "correu o risco" de eleger Roberto Santos governador da Bahia, na primeira eleição direta para governo estadual pós-64. As praças públicas se enchiam a cada comício. E o comício de encerramento da campanha, aqui no Campo Grande, seguido de ida à Basílica do Senhor do Bonfim, coroou de êxito a caminhada peemedebista.
 
   Foi preciso muito "exercício eleitoral" para garantir a vitória do candidato oficial. E a pergunta que se fez depois que o velho MDB ameaçou tomar o poder na Bahia foi a seguinte: e aí, se tivesse vencido, o que o MDB iria fazer no governo?

   Isso porque o MDB sempre foi da resistência democrática e nunca se preparou, em nenhum momento de sua trajetória, para ser governo, para governar, gerir os destinos da sociedade. Até seus dirigentes, militantes e aderentes nunca acreditaram na hipótese de vitória nas urnas. Poucos se preocuparam com o que fazer no governo, menos Rômulo Almeida, o presidente do MDB e da oposição baiana.

   O MDB era despreparado para governar. Então, Rômulo concebeu o Projeto Bahia. A idéia era agregar a inteligência oposicionista da Bahia, reunir os militantes da resistência que eram técnicos de reconhecida competência em suas respectivas áreas de atuação profissional ou acadêmica, faze-los destrinchar a Bahia, promover o diagnóstico de cada área estratégica do Estado e, depois disso, formular propostas de governo que significassem mudança da realidade baiana.
 
   "Governo da mudança", que foi o sloogan publicitário do governo de Waldir Pires, na verdade nasceu do Projeto Bahia e da visão brilhante de Rômulo Almeida. Como ele exercia uma das diretorias do BNDES no Governo Sarney, escolheu um secretário-executivo na fundação de estudos econômicos e sociais do MDB, a Fundação João Mangabeira, para tocar o projeto.

   A escolha recaiu em José Carlos Arruti, que acabou diretor regional do Incra no governo da Nova República. E eu tive a tarefa de substituí-lo para tocar o Projeto Bahia em meados de 1983. Em março de 1986, ou seja, três anos depois, o então secretário-geral do PMDB da Bahia, Ênio Mendes, entregou a Waldir Pires uma infra-estrutura invejável para enfrentar a campanha eleitoral e, em seguida, governar a Bahia.
 
   Algo que saiu da cabeça igualmente invejável de Rômulo Almeida: Dr. Ênio entregou a Pires 18 grupos de estudos e diagnósticos sobre a realidade baiana formados por mais de 200 técnicos de reconhecida competência e formação acadêmica, todos eles militantes da oposição baiana, não-remunerados, que destrincharam a vida do Estado, trabalharam pela causa e entregaram um programa para Waldir Pires governar.

   Tinha até grupo de estudo clandestino, formado por técnicos que eram empregados no governo estadual e em hipótese alguma poderiam aparecer reunindo-se na sede do PMDB, na época já funcionando em Ondina. O medo era real. Foram eles, na verdade, a tropa de choque do Governo da Mudança, que acabou se transformando em mero sloogan publicitário.

   A equipe era tão competente que, dividida em grupos de quatro comissões por turno, passou um final de semana - sábado e domingo -, nos turnos da manhã e da tarde, relatando, de forma crítica, para Waldir Pires, a realidade da Bahia em todos os setores possíveis e imagináveis da administração pública da Bahia. E formulando propostas para serem implementadas num eventual governo do PMDB.
 
   Depois de sabatinado e instruído sobre tudo que esses técnicos haviam estudado e diagnosticado, Waldir Pires participou de um debate, na TV Itapoan, segunda-feira, contra o candidato do PFL, o mestre do Direito Josaphat Marinho. Deu um banho de conhecimento sobre a Bahia. Ali começou ali a vencer a eleição de 1986.

   Depois da convenção peemedebista o Projeto Bahia foi incorporado à estrutura de campanha. E deslocado para o prédio da Faculdade de Educação da UFBA, no Vale do Canela, sob a regência do professor e economista Jairo Simões. Como se sabe, Waldir Pires foi eleito governador e Simões nomeado para Secretaria de Planejamento do Estado. Só que no Governo da Mudança a pasta do Planejamento e o Projeto Bahia foram colocados em plano secundário.

   A prioridade administrativa se deslocou para a sobrevivência do cofre da Secretaria da Fazenda. E a estratégia política passou a ser a possível candidatura de Pires à Presidência da República. Uma das primeiras ações políticas do governo baiano foi romper com o Governo Sarney quando a sabedoria política diz que nenhum governo estadual pode sobreviver sem poder se socorrer dos cofres federais.

   Contou-me o experiente e histórico comunista baiano Fernando Santana, na época de 1986 deputado federal pelo PMDB, que o Grupo Autêntico do partido "fechou" com a idéia de escolher Waldir Pires candidato à Presidência da República. Era véspera da convenção nacional, em Brasília, e o grupo estava decidido a derrotar Ulysses Guimarães.
 
    Estava reunido no Hotel Nacional e Fernando disse que foi convidado para ir ao encontro em que iriam definir a estratégia para derrotar o velho Ulysses. Fernando Santana disse que foi a Hotel Nacional, mas com o objetivo de desarticular o esquema do Grupo Autêntico. Na porta do apartamento onde se realizava a reunião tinha um segurança que parecia armário, de paletó e gravata pretos, para impedir o acesso de algum curioso.

   Com a voz alta e eloqüente que só Ferrnando tem, e sabendo que naquela época segurança só respeitava militar, ele anunciou: "Quem está aqui é o general Fernando Santana. Abra a porta que eu vou entrar". E foi metendo a mão na porta. Ante os Autênticos perplexos, ele continuou com o vozeirão dele já dentro do apartamento: "Estou sabendo o que vocês querem. Isso é uma traição ao presidente da oposição brasileira, Ulysses Guimarães. Vou sair daqui e subir na tribuna da Câmara para denunciar essa traição inominável, porque o candidato do PMDB à Presidência da República tem que ser o presidente da oposição. Portanto, qualquer ação fora disso é alta traição ao povo brasileiro".
 
    E saiu porta afora. Ele ainda está aí, vivinho da silva e lúcido, para confirmar o que relatou naquele final dos anos 80. No dia seguinte, Ulysses foi aclamado candidato à Presidência na convenção peemedebista e Waldir candidato a vice. Pires renunciou ao Governo da Mudança, que foi concluído pelo vice Nilo Coelho. A chapa Ulysses Guimarães-Waldir Pires, embora representasse o partido da resistência democrática à ditadura militar, não chegou ao segundo turno da primeira eleição direta pós-64, que foi vencida pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo.
 
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