SAMBA, AFRO-AFOXÉS E AFRO-PAGODES

Tasso Franco
16/02/2009 às 09:08

 Já comentei aqui neste ponto-de-vista em 2007 sobre o avanço dos blocos de samba no Carnaval de Salvador representando um novo viés na festa, alguns dos quais, com remanescentes das antigas Escolas de Samba que pontuavam, especialmente, nos bairros do Tororó e Garcia aí pelas décadas de 60 e 70 do século passado. Neste ano, há um avanço ainda maior do samba que ganha espaço e, se continuar nessa ascensão, vai mudar o perfil carnavalesco no segmento indo-euro-afro-baiano, com matrilínea afro.

            Hoje, os blocos de samba estão desfilando, particularmente, na quinta-feira do Carnaval. Mas, já existe um movimento no sentido de que tenham espaços nos circuitos da folia e integrem o calendário cheio. Vai depender da capacidade de mobilização desse pessoal e de sua inserção no conjunto da festa de forma integral. Se isso acontecer, como já está ocorrendo, os blocos afros no modelo Ilê Aiyê, Muzenza, Cortejo, Malê e outros vão perder espaços na folia, na mídia e na participação da festa.

             Veja que, enquanto os blocos de samba crescem e se multiplicam - este ano Belo vai apimentar ainda mais esse grupo - os afros estão estagnados e/ou se modificando, salvo o Ilê Aiyê e outros menos citados, que se mantém originalmente como foram concebidos em suas comunidades. O Badauê, por exemplo, que estaria completando 30 anos, praticamente desapareceu do cenário apesar do esforço de alguns abnegados que ainda tentam revivê-lo, como está acontecendo em 2009.

            O Araketu perdeu suas características originais e, hoje, se assemelha a um bloco de trio como tantos outros do gênero. O Olodum mantém a batida, internacionalizou-se e cresceu com outra concepção do espaço/mundo/África para uma visão mais contemporânea. Nesse mesmo caminho segue o noviço Cortejo Afro. O Malê é um misto quente e vai de japonês a nativo. Os Negões seguram a onda. E o Muzenza tem altos e baixos. Existem outros menos cotados.

            Os afoxés têm uma história à parte. O Filhos de Gandhy é um caso especial porque tem uma longa história, foi salvo por Gilberto Gil, e hoje, ao completar 60 anos, mantém suas tradições ligadas a alguns preceitos do candomblé, desde a época dos seus fundadores Vavá Madeira, Pedro de Oiá, Jaime Baixinha e outros. Registre-se, ainda, que apesar de algumas combinações internas, é único bloco da cidade que tem eleições diretas pelo voto na urna. Portanto, democraticamente falando, o sol.

            Se a Secretaria de Cultura do Estado fosse adotar esse critério (da democracia, do princípio republicano tão citado pelo governo) para conceder a verba do Carnaval Ouro Negro, este ano no valor de R$4.2 milhões para 117 entidades, somente o Gandhy teria direito. Mas, salvem-se todos porque muitos deles precisam desses recursos, especialmente os pequenos grupos, a verba será repartida entre os grandes (alguns dos quais não precisam), os médios e os pequenos. Pratica-se a democracia participativa observando-se alguns critérios estabelecidos pela Secult.

            Uma outra questão também inserida nesse movimento do Carnaval está relacionada aos indo-euro-afro-baianos, com matriz predominante afro, e que desfilam nos blocos de trios e agregam os afro-axés e/ou afro-torcida do Bahia, com o Tiete-Vips sendo seu mais visível representante; os afro-axés-irreverentes, com As Muquiranas representando o seu destaque; e os afro-pagodes, este ano com ascensão do Fantasmão.

            Ora, esses grupos reúnem muito mais afros-baianos do que os blocos afros. No entanto, pouco se fala deles, salvo quando estouram nas paradas como aconteceu com o Bonde do Maluco, em 2008, e está acontecendo agora com o Fantasmão. E alguém conhece Xando do Harmonia? Pois esse camarada está nas paradas há 10 anos, por aí, pagodando com público predominante afro-baiano. E isso é cultura carnavalesca? Segundo o atual Rei Momo, Gerônimo, autor do hino à cidade "É de Oxum", no Carnaval vale do "rala checa a Vila Lobos". Xando, portanto, é cultura. Pagodarte também. Leo Kret e seu conjunto, idem.

            Então, minha gente querida, os chamados blocos afro de origem fazem muita marola, ganham enormes espaços na mídia de "afirmações" e outras coisas mais, mas, o grosso da tropa se concentra nos axés-afro e nos pagodes-afro que não vivem a chorar nem mamam nas tetas do governo. Estão em outra, completamente diferente. Uma reunião dos pagodeiros no Wetn-Wild, recentemente, teve mais gente do que se reunidos todos os públicos de meses dos ensaios do Olodum, Ilê e Malê juntos.

            Foram milhares de pessoas, tudo black, pagando seu ingresso, com camiseta, todo mundo arrumadinho, mostrando essa outra face da cidade, do Carnaval e do seu povo. Gente que precisa também ser visualizada. E o pagode, e, mais recentemente, o samba, estão mostrando suas faces no Carnaval de Salvador.