AS TORNEIRAS DE LATÃO DE ISTAMBUL

Dimitri Ganzelevitch
04/01/2009 às 18:20
Foto: Foto: Arquivo
A belíssima e caótica cidade de Istambul, na Turquia
 

Quantas vezes fui a Istambul? Perdi a conta. A primeira foi para a inauguração da ponte sobre o Bosforo. Com direito a cartão especial e cadeira numerada para assistir ao "Rapto no serralho" defronte à porta principal do Topkapi Saraÿ. É mole?


Costumo dizer, sem medo de repeteco, que existe uma curiosa irmandade entre Salvador, Nápoles e Istambul. Mesma bagunça, mesmas ladeiras que desembocam sempre em águas azuis, mesmo quando turvas, mesma sensação de insegurança - pode estar um pivete escondido em cada esquina - mesma fartura de cheiros, perfumes e templos religiosos - afinal Jesus, Jeová ou Alá não congregam os mesmos anseios? - e as mesmas magníficas ruínas, os mesmos omissos governos.


Agora Constantinopla tem mais duas pontes, mas se esqueceram de me mandar convites quando inauguraram. Ou entrei em desgraça ou então eles se perderam na confusão municipal dos endereços do centro histórico de Salvador onde cada rua tem dois nomes e cada casa dois números.


Bem. Como ia dizendo, lá estive de novo em 2004, com a amiga Claudine, velha companheira de aventuras em solos estranhos. Desta vez, estava eu a pretender não comprar mais nada, curtindo mesquitas e cadessi, como lá chamam as ruas.

Falso panamá na careca, falso raiban no nariz, mãos nos bolsos e avante! A partir de agora, só me seduziriam os apelos dos kebabs, peixes fritos e guloseimas afogadas em mel, já que em viagens anteriores, comprara todo o que era obrigatório comprar. Os kilins, os cobres, os vidros, manuscritos, cerâmicas e toalhas. A esta altura de meu campeonato, pouco me atrai o óbvio. Armários, gavetas e estantes não agüentam mais minhas tralhas.

Quando vêem chegar mais uma peça, ameaçam vomitar de indigestão.


Mas não é que, de repente, no momento mais inesperado, meus olhos não são atraídos pela vitrine de uma simples loja de material de construção? Nada de Dismel, Casa Morais ou Mundo da. Um cubículo onde se amontoam os mais improváveis artigos que, com clara evidência, nunca resolverão o caso do mais angustiado pedreiro, eletricista ou encanador. 

 Lá estão elas. Duas soberbas, imperiais torneiras de latão, fiéis cópias das otomanas que enfeitam os pátios das veneráveis mesquitas concebidas por Sinan e dos palácios do sultão Soliman. 

Compro as duas, sem medir o absurdo peso na minha bagagem.


Claudine, que sempre foi uma perigosa concorrente no quesito compras esdrúxulas, irá voando comprar as mesmas para sua casa de campo nos arredores da medieval Provins. Mas Claudine e o marido Jean-Pierre jogam bridge e golfe nos metidos círculos parisienses. E falam abobrinhas e viagens.
 
Outras madames - que coincidência! - estão indo para Turquia. Onde comprar as torneiras? perguntam as tais. Preciso para meu terraço, para a piscina, o jardim. E voltam encantadas e espalham pela França inteira que os tapetes turcos estão out, agora são as torneiras otomanas que são o must do momento.

O país gaulês de Lille a Antibes, de Estrasburgo a Saint-Jean de Luz se precipita nas ruelas de Sultan-Ahmed para dar aquele tchan á elegante monotonia de seus espaços verdes.


Em breve prevejo o Mercado Comum inteiro fazendo pacotes de compra de torneiras turcas, a indústria istambulita abarrotada de encomendas...

E Dimitri sem receber royaties!

Não é desta vez ainda que serei um novo Gulbenkian, o Monsieur 10%.