O QUE MUDA NA LÍNGUA PORTUGUESA

Evanildo Bechara
06/12/2008 às 13:21
 
 
O que muda na Língua Portuguesa com o Acordo da Ortografia Unificada
   Depois da elaboração das normas do Acordo, assinado em 12 de outubro de 1990 pelas sete delegações  que dele participaram, o documento acabou não chegando a termo final para ser posto em execução por uma série de razões que não vem a pêlo recordar.


  Agora, mais por iniciativa do governo brasileiro, a questão voltou à baila em comentários da imprensa, nem sempre oferecendo ao leitor informações corretas sobre o que dispõem as normas do referido Acordo.


  Assim, tomei a liberdade de levar aos ilustres Confrades os pontos em que o Acordo difere do Formulário Ortográfico vigente no Brasil, elaborado pela ABL, que é fundamentalmente o texto de 12 de agosto de 1943, complementado pela Lei no 5765 de 18 de dezembro de 1971, que trata da  redução dos acentos diferenciais de palavras homógrafas a somente poucos casos específicos.


  O Acordo de 1990 difere do atual sistema brasileiro nos seguintes pontos:


  1) Incorpora definitivamente ao alfabeto usado na língua portuguesa K,W,Y, passando-o de 23 para 26 letras. O emprego destas letras, porém, já estava previsto no Formulário de 1943.


  2) No tocante ao emprego dos acentos agudo, grave (especialmente indicativo da crase) e circunflexo, são pontos divergentes:


  2.1. Não levam acento agudo os ditongos abertos ei e oi de palavras paroxítonas:


  assembleia       heroica         Obs. Causa estranheza que o Acordo

  ideia                 jiboia           recomende acento agudo, nos ditongos

                                              ei, eu, e oi dos oxítonos: papéis, Ilhéu,

                                              e herói.


   2.2. Não leva acento circunflexo o primeiro o do hiato o: 

   
   voo
/ voos               enjoo / enjoos


  2.3. Não levam acento circunflexo as formas verbais creem, leem, deem, veem e seus derivados (descreem, releem, desdeem, reveem, etc.)

2.4. Não levam acento agudo diferencial as palavras homógrafas tônicas para distingui-las das átonas:


para
(verbo) - para (preposição)

pela(s) (substantivo) - pela(s) (verbo) - pela(s) (per + la(s))

pelo(s) (substantivo) - pelo (verbo) - pelo(s) (per + lo(s))

polo(s) (substantivo) - polo(s) (per + lo(s))

Exceção: pôde (3a pessoa - singular) - pode (1a pessoa - singular)

Facultativo: fôrma (substantivo) - forma (substantivo - verbo).


2.5. Não levam acento agudo as vogais tônicas i e u das palavras paroxítonas quando precedidas de ditongo:

baiuca   baiuno    cauila

2.6. Não leva acento agudo o u tônico de formas rizotônicas dos verbos arguir e redarguir:

            argui           redargui

 arguis         redarguis


3) Eliminação do trema em todos os casos que o Formulário de 1943 determinava. Assim, serão escritos sem trema:

linguística       aguentar

frequência      arguir 


4) Divergência em alguns casos de emprego do hífen entre o Acordo e o Formulário de 1943. Infelizmente se perdeu a oportunidade de elaboração de princípios em muitíssimo menor número de casos e de maneira mais racional, todos ao alcance do homem comum.


5) No emprego de maiúsculas e minúsculas há as seguintes diferenças:

5.1. Faculdade de escrever todos os componentes dos títulos de livros com maiúscula, exceto as partículas monossilábicas interiores (como determinava o Formulário), ou somente o primeiro elemento, ficando os demais com minúscula, exceto os substantivos próprios:


Menino
de Engenho / Menino de engenho

O Senhor do Paço de  Ninães / O senhor do paço de Ninães


5.2. Faculdade de escrever com maiúscula (como recomenda o Formulário) ou minúscula o componente inicial das denominações de vias, lugares públicos, estados, províncias, cidades e acidente geográficos:


Rua da Carioca
/ rua da Carioca

Praça da República ou praça da República

Igreja do Bonfim ou igreja do Bonfim

Túnel Noel Rosa ou túnel Noel Rosa

O Estado do Piauí ou O estado do Piauí

A Ilha de São Luís ou A ilha de São Luís


5.3. Faculdade no emprego de maiúscula (prevista no Formulário) ou minúscula nos nomes que designam cargos, dignidades ou postos:

Secretário de Estado  ou secretário de Estado

Presidente da República ou  presidente da República

Cardeal Bembo  ou cardeal Bembo

Brigadeiro Holanda  ou brigadeiro Holanda


6) O Acordo, desnecessariamente do ponto de vista ortográfico, cria alguns casos de dupla grafia, numa volta à acentuação diferencial, como, por exemplo:

6.1.Facultativamente, levam acento circunflexo as formas de 1a pess. pl. do presente do subjuntivo dos verbos de 2a conjugação:

dêmos  em oposição ao pret. perf. do indicativo demos


6.2. Facultativamente, levam acento agudo as formas de 1a pess. pl. do pret. perf. ind. dos verbos da 1a conjugação:


louvámos
em oposição a louvamos do pres. ind.

amámos  em oposição a amamos do pres. Ind.

Finalmente, cabe lembrar que, em alguns casos, o Acordo extrapola sua função de guia ortográfico e invade o terreno da gramática. Estão neste desvio:

  • a) a recomendação de variantes de flexão dos verbos aguar, averiguar, apaziguar, apropinquar , delinqüir, uma das quais nem sempre é aceita pela norma gramatical corrente no Brasil e em Portugal:

averigua / averíguo

ague / águe

Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2004


 

Bibliografia:

Academia das Ciências de Lisboa. Acordo da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa. Lisboa, 1990.

Antônio Houaiss. A Nova Ortografia da Língua Portuguesa. São Paulo, Editora Ática, 1991.

Academia Brasileira de Letras. Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943.