JOÃO GILBERTO NO CARNEGIE HALL

Rosane Santana
26/06/2008 às 11:00

NOVA IORQUE - De volta aos palcos em Nova Iorque, onde se consagrou como um nome internacional no concorrido mercado do jazz americano, desde os anos 60, o músico baiano João Gilberto, 77, estreou o show "50 Anos de Bossa Nova", com casa cheia, no Carnegie Hall, no último domingo, durante uma única apresentacao no JVC Jazz Festival. Os baianos terão a oportunidade de ver o mesmo espetáculo, no dia 5 de setembro próximo, no Teatro Castro Alves.

 

O artista que fundiu elementos do samba e do jazz para criar a singular batida do violão, que o notabilizou como o "papa" da Bossa Nova- movimento musical surgido no final dos anos 50 no Brasil - foi ovacionado pelas duas mil e 800 pessoas (maioria de americanos amantes do jazz), que lotaram a famosa casa de espetáculos. Ao vê-lo subir ao palco, as 20h15min, vestido em um terno azul marinho,  com o tradicional violão na mão direita, o público se levantou para aplaudi-lo de pé, por quase três minutos, de forma quase mágica, como que reiventando o mito João Gilberto, que subsiste, inteiro, a meio século de modismos e críticas.

 

João agradeceu discretamente a manifestação, dobrando ligeiramente o corpo para a frente, antes de sentar-se em uma cadeira, colocada sobre um belíssimo tapete persa vermelho, tendo a frente três microfones: um para o violão, outro para a voz do artista e um terceiro colocado na parte superior do palco. Daí em diante, durante uma hora e meia, ele so parou para queixar-se `a produção do espetaculo de um ar frio sobre sua cabeca que "esta me deixando afônico", no intervalo entre uma música e outra, em que os aplausos eram cada vez mais intensos. Um problema, para um expert do canto, às vezes sussurado, que conquistou a admiração de monstros sagrados do jazz como os americanos Stan Getz e Miles Davis.

 

O show foi aberto com `Doralice" e daí pra frente o artista desfiou seu repertório clássico, com pérolas como "Desafinado", uma espécie de manifesto da Bossa Nova, Chega de Saudade (gravada em 1958 e considerada marco inicial do movimento), Samba do Avião, Bahia com H, Garota de Ipanema (a mais conhecida, com 169 gravações, entre outras de Frank Sinatra) e a belíssima "Ligia", de Tom Jobim. O público reagiu a altura do músico, aplaudindo-o após a execução de cada música e mantendo o mais absoluto silêncio, enquanto ele cantava.

 

Depois do show, do lado de fora da entrada da West Street 56, esquina com a Seventh Avenue, reservada aos músicos e ao staff, alguns fãs aguardavam o João Gilberto em busca de autógrafos. A ambientalista nova-iorquina Allegra Levanne, que esperou por mais de uma hora a saída do músico, com o CD Getz/Gilberto nas mãos - clássico da Bossa Nova que vendeu mais de um milhão de cópias em meados dos sexties - confessou:

 

"Eu o acompanho há mais de 40 anos. Ele é muito popular nos Estados Unidos, disse ela, que trabalha como voluntária para combater a poluição em Nova Iorque. "Quero que você escreva que as lágrimas vieram aos olhos, mais uma vez, ao ouvir esta noite esse artista extraordinário", acrescentou a ambientalista, que adora "Garota de Ipanema" e indagou-me sobre a frequência de shows do artista no Brasil e se ele teria realmente vivido no México durante dois anos, na década de 70.

 

João Gilberto deixou o Carnegie Hall, as 21h45min, sem atender ao apelo dos fãs, depois de aborrecer-se com uma pergunta de um reporte da Rede Record sobre "se depois de 50 anos a Bossa Nova ainda pode ser considerada Música Popular Brasileira" e interromper a entrevista.

 

Artista que pertence a rara categoria dos criadores, no Brasil, João Gilberto talvez só possa ser comparado em importância, a outro baiano, Glauber Rocha. Os dois são absolutamente autorais. O primeiro, com um banquinho e um violão revolucionou e colocou a música brasileira no mercado internacional. Ressalte-se que a Bossa Nova, nos Estados Unidos, é a única música brasileira inserida em programações diárias das rádios e TVs.

 

O segundo, com uma idéia na cabeçaa e uma câmera na mão, colocou o cinema brasileiro na agenda de Cannes e hoje figura ao lado de Godard, Bergman e Antonioni, como um dos maiores cineastas do século XX.