O CARLISMO E O PAC DO CACAU

Rosane Santana
15/05/2008 às 14:28

  O carlismo não morreu. A afirmação feita, no ano passado, logo após a morte de ACM, pelo cientista político Paulo Fábio Dantas, autor de um dos mais importantes estudos sobre política no Brasil contemporâneo, "Tradicao, Autocracia e Carisma - A Política de Antonio Carlos Magalhães na modernização da Bahia (1954-1974)"  -, continua a ecoar nos ouvidos mais atentos.

  Os episódios envolvendo o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e o secretário de Agricultura da Bahia, Geraldo Simões, quando do lançamento do PAC do Cacau, em Itabuna, no final da última semana, são emblemáticos de que a cultura política implementada por ACM, ao longo de 40 anos de vida pública, continua viva, incorporada por personagens de linhagens diversas.


  Aliás, esse PAC do Cacau, monocultura que floresceu na Bahia nos anos 70 do seculo XIX, após a decadência da cultura canavieira, e fez fortunas atá os anos 70 do século XX, precisa ser melhor explicado pelo governo federal. Por muitos anos, a atuação de ACM em favor da região cacaueira foi veementemente combatida por políticos que estavam no palanque  de Lula, durante o lançamento do programa em Itabuna, sob alegação de que se tratava de uma iniciativa em favor das elites agrárias da região, então identificadas com o atraso econômico e político.

  O que mudou?


  A primeira personagem da história, o ministro Geddel Vieira Lima, entre os  políticos baianos, em minha opinião, é o que melhor encarna o estilo carlista, escola, aliás, onde iniciou os primeiros passos da vida pública e por muito tempo atuou. Isso pode explicar, inclusive, as constantes desavenças entre ele e o ex-senador ACM, uma vez que este, todo mundo sabe, não admitia concorrentes em seus círculos.
 
   Com um discurso político barroco, às vezes prepotente e emocionalista a moda do velho cacique, o jovem ministro escorrega sempre em um palavreado empolado, pra la de  kitsch. Vide fala recente em elogio a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, reproduzida pela imprensa.


   Enquanto exalta a ministra e também o presidente Lula, Geddel estoca o governador Jacques Wagner, que resistiu a apoiar a reeleição de João Henrique, seu candidato, em Salvador, fazendo antítese ao avanço do ministro sobre o espólio carlista nos municípios baianos, com uma voracidade incomum ante olhares perplexos de petistas recém- chegados ao poder.

  Sem a ilusão de que pode fazer oposição ao governo do estado e manter a aliança com o governo federal, o mesmo que desmantelou o esquema de poder carlista levando Jaques Wagner a uma vitória no primeiro turno, o ministro vez por outra muda de tom, indo da malvadeza a ternura e resssalta ter relações cordiais e até de amizade com o governador, a quem teria poupado de críticas públicas em mais de uma oportunidade.

   Age como se o governo da Bahia não tivesse a participação de nomes do PMDB, cujo desempenho, diria-se, pífio, a exemplo do que ocorre na Secretaria da Indústria, Comércio e Mineração, um dos destaques da administracao passada.

Vaiado, em praça pública, durante o lancamento do PAC do Cacau, em Itabuna, Geddel recebeu o desagravo de entidades da região que estariam indignadas com o tratamento dispensado ao ministro por adversários, entenda-se, partidários do ex-prefeito petista Geraldo Simões.
 
  Este tipo de manifestação, agregando, ao sabor de conveniências e interesses inconfessáveis, organizações não raras vezes cartoriais, sem qualquer expressão popular, é caractarística de um modelo político totalmente arcaico e, embora, na Bahia, superado pelas urnas,  lamentavelmente é respaldado por certos setores da midia, que vivem como a Carolina do compositor Chico Buarque de Holanda.

   A segunda personagem do episódio, o secretário de Agricultura do Estado, Geraldo Simões, suposto organizador da claque que dirigiu as vaias ao ministro Geddel, é um político regional, cuja trajetória deve-se muito mais ao partido do que as suas qualidades políticas.
 
  Polariza uma disputa com o ministro, porque quer emplacar, com a ajuda da máquina federal e estadual, sua mulher Juçara Feitosa, na prefeitura de Itabuna, onde ja foi prefeito, e onde Geddel tem candidato próprio. Aliás, protagoniza, com a tolerância de lideranças que se dizem modernas, e não é o primeiro na Era Lula, uma história nada edificante para um partido como o PT,  que se auto-proclamava porta-voz do "neo-iberismo" - termo usado por Sérgio Buarque para explicar o que seria a modernizaçã das estruturas  políticas no Brasil -, pois assim nasceu, moderno e de massas, mas se deixou influenciar pelo familismo e pelo clientelismo das velhas estruturas.

  Episódios como esse, ao meu ver, não só refletem a permanência de uma cultura política antiga na Bahia, mas apontam para um vazio de liderança no novo governo, que assumiu em clima de expectativa, e não conseguiu imprimir uma direção administrativa, a despeito de uma conjuntura altamente favoravel, pelas estreitas relações que mantém com o governo Lula.