ORIXÁ, UMA HISTÓRIA

Tasso Franco
21/04/2008 às 08:01
Foi publicado, recentemente, com tiragem de apenas 500 exemplares o livro de José Roberto Gaudenzi, Onisin Ode do Terreiro Pilão de Prata, intitulado "Orixá, Uma História" (Editora Omar G). Trata-se de uma preciosidade para quem deseja ter maior conhecimento sobre o candomblé na Bahia, religião afro-brasileiro cujos elementos estruturantes são provenientes da África.

Digo precioso porque escrito numa linguagem compreensível a quem, necessariamente não é um estudioso da cultura do povo-de-santo na Bahia,com termos incompreensíveis para a maioria, relato descritivo da pena e das pesquisas de uma pessoa confirmada no Ilê Axé Bamboxê, do Babalorixá Air José de Souza, herdeiro da vertente original da organização do candomblé em Salvador da Bahia, no sítio da Barroquinha.

O livro de Roberto Gaudenzi, ademais, não foi escrito por um antropólogo, menos ainda por um sociólogo, daí que traduz a rotina, a vida como ela se apresentar num axé, com referências interessantes algumas das quais, no meu entendimento, inéditas , e sem aquelas análises mais profundas próprias dos estudos de doutoramentos antropológicos e sociológicos. Daí que desliza sua verve, desde a desobediência e recriação do mundo; até o corpo humano como veículo de comunicação com os orixás, de maneira simples, direta, objetiva.

O autor descreve de maneira didática como se deu a organização do candomblé na Bahia, um dos temas mais polêmicos entre os estudiosos do povo-de-santo, quer porque alguns defendem a tese de que a "religião candomblé" vinha sendo praticada pelos africanos e seus descendentes, em Salvador, nos séculos XVII e XVIII; quer porque o candomblé se organizou a partir de 1830, portanto, no século XIX.

Veja o que revela Roberto Gaudenzi em seu relato: - Mulheres originárias de Ketu, África, antigas escravas libertas, pertenciam a irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte e decidiram criar um templo (terreiro) de culto a Xangô, agregando negros de diversas nações. Esse ilê chamava-se Iyá Omí Axé Airá Intilé, numa casa na Ladeira do Berquó, hoje Rua Visconde de Itaparica, fundos da Igreja da Barroquinha.

Duas dessas mulheres se chamavam Iyalussó Danadana e Iyanassó Akalá, auxiliada por um homem chamado Babá Asiká, conhecido como Esá Asiká. Outros historiadores revelam essa mesma ancestralidade com modificações nos nomes das pessoas, ainda que parecidas. Segue o relato de Gaudenzi: - Danadana regressou à África e lá morreu. Iyanassó viajou para Ketu, juntamente com Marcelina da Silva, acompanhada de sua filha Madalena.

Após sete anos de permanência em Ketu, o grupo voltou acrescida de duas crianças que Madalena tivera na África, e grávida de uma teceira, Claudiana, mãe de Maria Bibiana do Espírito Santo, Iyá Senhora, juntamente com o africano chamado Bangbosé ou Bangboxé, o qual, em Salvador, recebeu o nome cristão de Rodolfo Martins de Andrade, saudado como Esá Obitikó.

O terreiro fundado na Barroquinha mudou-se para a Baixa de São Lázaro, Calabar e instalou no Engenho Velho da Federação (Vasco da Gama), onde se encontra até hoje mantendo o mesmo nome: Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca), do qual Marcelina (Obá Tossí) tornou-se iyalorixá após a morte de Iyá Nassó. Isso tudo aconteceu no século XIX, por volta de 1820/1830, embora os estudiosos nunca arrisquem uma data mais precisa sobre a organização candomblé, devido a falta de documentos.

Agora vem a parte mais importante para compreensão deste texto. Segundo Roberto Gaudenzi, Bamgboxé Esá Obitikó, o africano que veio para Salvador com Marcelina da Silva e sua filha Madalena, foi o primeiro a trazer consigo o Osu (Oxu), fundamento colocado em seu Ori (cabeça), para conferir à religião o status de organização, poder e respeito entre os negros. Bamgboxé foi responsável pela constituição de um axé designado pela dinastia de Xangó.

Ou seja, antes da chegada do fundamento (Osu) o que havia em Salvador (e de resto na Bahia) era a prática de preceitos religiosos, entre os participantes de diferentes povos provindos da África, sem uma organização, um templo, um terreiro, um axé institucionalizado. Com a presença de Bamgboxé a situação se modificiou ainda que, apesar da forte ligação de Obtikó com o núlceo da Barroquinha (família Bamgboxé) o comando da casa (axé) ficou uma mulher, primeiro com Iyá nassó, seguida por Marcelina.

E o cuiroso é que, as mais importantes casas originárias desse candomblé-mãe (incluindo a Casa Branca) foram e são comandadas por mulheres: Júlia da Conceição Nazaré que fundou o Ilê Iyá Omi Axé Iyamaxé (Terreiro do Gantois, hoje comandado por mãe Carmen, uma das filhas de Meninha do Gantois); Eugênia Ana dos Santos que fundou o Ilê Axé Opô Afonjá, no São Gonçalo do Retiro, hoje casa dirigida pela iyalorixá Stela de Oxóssi; mãe Runhó, do Ilê Bogum, hoje dirigido por mãe Índia.

Em resumo: o candomblé da Bahia formou um núcleo familiar onde todos são originários de uma mesma mãe, de uma mesma cultura e de um mesmo axé Bomgboxé, caracterizando a grande nacão dos orixás, Inquices e vodunces, a depender do qual povo africano foi originário.

Essa é a grande contribuição de José Roberto Gaudenzi, o qual, falecido recentemente porém sendo imortal no seu reino, vive em comum harmonia com a natureza.