ISABELLA E NÓS...

Frei Ruy Lopes
11/04/2008 às 20:00
 

                Estão dispensadas as apresentações formais sobre Isabella. Todos os brasileiros a conhecem, mesmo que não a tivessem conhecido em vida. A pequena Isabella morreu e consigo levou grandes sonhos de todos nós.
 
                E talvez, por este motivo, é que a sua morte devesse transformar-se numa bandeira de luta. Ao contrário, sua morte despertou em nós, um outro tipo de sentimento. Imediatamente quando nos referimos a Isabella, a resposta instintiva é aquela de concordar ou não que o pai ou a madrasta foram os assassinos. Ou então, aquela outra de perguntar se já se sabe quem a jogou da janela de um apartamento.

        

               Infelizmente, a pergunta motivada pela ‘massificadora' imprensa é: "Quem matou Isabella?" O drama particular de uma família e uma tragédia social foi transformado pela mídia, no programa espetacular da família brasileira. Talvez até, em substituição ao famoso programa ‘big-brother 8' ou quem sabe, a substituir a grande pergunta que alavancou o ‘ibope' de uma novela: "Quem matou Odete Roithman?"

              
               Especulações e argumentações em torno de detalhes do crime e da sua investigação tem sido o assunto do dia em rodas de conversas nos mais variados ambientes da sociedade paulistana e brasileira. Em quase todos os lugares, quando o tema é abordado, todos manifestam o que ouviram, leram e assistiram através da imprensa.  Detalhes de roupa, ida ao supermercado, manchas de sangue, depoimentos de testemunhas, opiniões de especialistas e desentendidos no assunto, são o ‘prato do dia'.


              Existe um viés moral nesta história que não se restringe ao assassinato e seus detalhes, da menina Isabella. Afinal, quantos crimes hediondos contra crianças são cometidos em nosso dia-a-dia? Alguns, talvez, mais monstruosos e outros, gravemente delituosos, absurdos como a pedofilia.


             Apesar de ser a minha seara teológica predileta, não evidencio o aspecto da família como o fez de maneira brilhante o articulista da Folha de São Paulo, Contardo Calligaris, de quem tenho feito referências em minha dissertação de pós-graduação.

            Segundo ele, " a morte violenta de uma criança nos fere a todos: é como se, ao mesmo tempo, alguém nos arrancasse um pedaço de nosso próprio futuro e destruísse a família nostálgica da infância, que sempre cultivamos, mesmo que o primeiro período de nossa vida tenha sido infeliz. Mas a história de Isabella nos comove também por outra razão: as tentativas de "explicar" o acontecido evocam, inevitavelmente, as dificuldades de nossa maneira "moderna" de casar. São dificuldades nas quais, em geral, preferimos evitar de pensar. (...) O casamento "moderno" é um nó de afetos reprimidos, uma convivência explosiva que aposta no amor do casal como se fosse remédio para todos os males. Não se trata de condenar a idéia de que seja possível refazer a sua vida com outro ou outra e, nessa ocasião, levar consigo os filhos dos casamentos anteriores. Mas seria melhor que a gente se engajasse nesses projetos sem a ilusão de que os bons sentimentos prevalecerão por conta própria. (...) Isso para evitar que, de vez em quando, a trágica morte de uma menina nos lembre, por um dia ou por uma semana, que a vida das famílias "modernas" é muito mais difícil do que parece"  (Folha, 10/ 04/08)


             Aquém deste viés, está um outro de cunho moral que transita entre o ‘instituinte e o instituido'. É o que se pode classificar de curiosidade mórbida. Temos o direito á informação, mas a solidariedade e a compaixão são imperativos sociais urgentes, mesmo que um tanto subjetivos. Não é justo, para nós mesmos, transformar esta tragédia num espetacular programa de curiosidades, indagações (que partem até das investigações!) para lançar juízos morais, opiniões controvertidas e especulações desprovidas de fundamentações.


             A pequena Isabella morreu e a nós interessa saber por que estão massificando o episódio. Massificar uma tragédia tem conseqüências. Quem ganha materialmente com isso? Quem perde existencialmente com isso? São as perguntas mais evidentes que deixamos de fazer. Não se trata simplesmente de trocar a pergunta de ‘quem matou' por aquela outra: ‘por que morreu'.


             Se tivermos a sensatez ou o bom senso das verdadeiras indagações, certamente a tragédia haverá de nos proporcionar as lições de vida que todo fato histórico nos motiva a refletir e a aprimorar o nosso ser o nosso viver.