Lá se vão 14 anos em que o filme foi lançado e quase 50 anos desse pioneirismo feminino ao encarar um mercado que era exclusivo dos homens, especialmente dos jovens rebeldes emergidos nos anos da contracultura dos anos 1960, onde tocar guitarra era algo fora da curva para jovens mulheres.
Para quem assistiu ao filme e é idoso como eu e que acompanhei de perto esse movimento mundial do rock n'roll surgido nos EUA no final dos anos 1940 e inicio de 1950, com raizes no country e blues, porém, com pegada mais forte, e o Brasil não escapou dessa onda masculinizada da música com os pioneiros da Jovem Guarda, na Bahia com "Raulzito e Seus Panteras" e outros, o filme é uma delicia de se ver.
Embora seja ambientado nos Estados Unidos na efervescente Los Angeles muito do que se vê em moda e costumes também foi utilizado no Brasil, os cabelos longos dos roqueiros, os sapatos plataformas e as calças justas nas mulheres, os cintos com fivelões e os carrões da época, as guitarras sensuais e os aparelhos e as mesas de som enormes que eram utilizados nos estúdios e nos palcos, todo esse caldo de cultura é um bálsamo para os olhos.
Além disso, é claro, está o roteiro do filme, a sínopse, a mensagem que o filme produz. E esse grito de rebeldia da "The Runaways" reverberou pelo mundo ocidental (depois da exibição do filme na Sala de Arte do Museu, a banda de rock da Jany se apresentou no espaço do Geológico) e grupos musicais com mulheres surgiram em várias partes, no Brasil, o mais famoso integrado por Rita Lee.
O filme foi baseado na autobiografia escrita pela vocalista Cherie Currie, no momento (época) em que se discutiam as igualdades entre homens e mulheres. Teria sido esse o impulso adotado pela jovem Joan Jett (Kristen Stewart) a pegar uma guitarra, aprender a tocar e então formar a "The Runaways", uma banda só de garotas.
Logo nas primeiras cenas percebemos a hegemonia masculina na música, quando o professor de Jett deixa bem claro que "meninas não tocam guitarra elétrica". E ela se rebela e liga a guitarra num amplificador deixando o professor azucrinado.
A inquietação de Jett, no entanto, contrasta com seu comportamento retraído ainda que isso não se mostre como impeditivo de efetivar o seu desejo.
Mas, a banda só vai se constituir efetivamente quando entra em cena um famoso produtor (homem) Kim Fowley (Michael Shannon), que apresenta Jett à baterista Sandy West (Stella Maeve) e indica uma loira nos vocais: Cherie Currie (Dakota Fanning).
Shannon dá um show de interpretação no filme e expõe para os telespectadores todo o contexto em que se sustentava o movimento do rock formado por homens, por machos viris, e revela às meninas que se elas quisessem ter sucesso que imitassem esse comportamento e se apresentassem dessa forma, mulheres com paus (rolas, figurativo), mulheres rebeldes e com tesão.
Os ensaios que promove num trailer se aproximam do irracional. Certa feita, contrata boys para invadir o local e jogar latas e outros objetos nas meninas como se fosse um teste real do público.
Assim, depois de muito ensaiar, a banda cai na estrada pelos Estados Unidos, o produtor as deixa a própria sorte e as furta, envolvido na onda sex do rock n'roll até que fecham contrato com a Mercury Records e embarca em uma turnê pelo Japão.
As músicas do "The Runaways" ganham os videoclipes estilosos que nunca tiveram na época (mudança de tecnologia) e começa a ciumeira entre elas e o uso frequente de drogas. As performances de Cherie Currie (Dakota Fanning) no palco são estonteantes e sensacionais, reveladoras de que as aulas do produtor tiveram grande efeito.
A diretora e responsável pelo roteiro do filme Floria Sigismondi não chega a ser brilhantes e faz um filme politicamente correto com o ego e a fama subindo à cabeça das meninas, uso de muitas drogas, algumas (poucas) cenas de sexo e desentendimentos, este último ponto, comum na vida dos roqueiros - masculinos e femininos.
O roteiro embasado na biografia de Neon Angel: The Cherie Currie Story, "The Runaways" teria, propositadamente deixado de fora a contribuição da guitarrista-solo Lita Ford. Os desentendimentos entre Ford e Jett não são segredo no meio musical, e a guitarrista é mostrada na trama apenas como encrenqueira.
No meu entendimentop, não há prejuizo algum para o (a) cinefilo (a). O que se vê, na tela, é um retrato do que aconteceu com o pioneirismo desta banda (não único) a luta para conseguir um espaço no mundo do rock, a conquista deste espaço, a fama e a queda.
E, no decorrer dessa ação, do tempo, da evolução, todas as angústias, os contratempos (Cherry enfrentava um problema familiar com pai alcóolotra), as drogas e o sexo. E um final melancólico. Sem isso, claro, não seria rock n'rool. (SO)