Se aos olhos de hoje com toda essa tecnologia em uso assusta, atormenta as mentes das pessoas, vocês podem ter uma idéia aproximada do que acontecia naquelas viagens com caravelas e naus de pinho protegidas com breu e alcatrão, orientadas por tábuas de marear e pelas estrelas, depois por astrolábios e cartas náuticas, entre a Europa, a África e o Continente Americano.
Isso sem contar, aquelas direcionadas à Índia como a do comandante Pedro Álvares Cabral, o qual, por determinação dos ventos mais ao Sul, afastando-se da costa africana, acabou achando o Brasil, em 22 de abril de 1500. Ao almirante Cabral coube a tarefa de comandar a segunda expedição à Índia depois que Vasco da Gama consagrou Portugal com sua viagem que durou dois anos costeando a África e chegando ao Índico, entre 8 de julho de 1497 e 12 de julho de 1499.
Entusiasmada com o feito de Vasco da Gama, reverenciado até os dias atuais como o grande navegador português, a Corte de Lisboa almejava o domínio dos mares e das rotas comerciais para engordar os seus cofres. Daí que, Dom Manuel, o rei que substituiu Dom João II, organizou uma armada com 13 navios e 1500 homens entregando o comando a Cabral. Essa viagem, no entanto, foi um tremendo fracasso. Salvo a descoberta casual do novo subcontinente das Américas, o Brasil.
Cabral retornou à Lisboa com apenas 5 navios contabilizando 1000 homens mortos tragados pelo Oceano Tenebroso. Já nas águas de Cabo Verde uma nau desapareceu igual ao avião da Air France. Depois de 42 dias ao mar, a armada chega a Porto Seguro, com esse sobressalto. Daí segue para dobrar o Cabo da Boa Esperança e uma tempestade suga mais 4 navios, entre eles, a nau de Bartolomeu Dias.
O que restou da armada chega à Índia, em setembro de 1500. Cabral cumpre sua missão indo até Calecute (hoje, Estado de Kerala, costa ocidental da Índia) e só retorna à Portugal em 31 de julho de 1501, com especiarias e outras sedas. Foram, portanto, quase 500 dias ao mar sendo guiado por muçulmanos na rota à Índia e pelos comandantes portugueses. Nessa viagem, Aires da Cunha e Pero Vaz de Caminha são mortos em combate na feitoria de Calecute num levante contra os portugueses e mais naus são destruídas.
Conto essa história do comandante Cabral, diga-se, precisando de enormes reparações na historiografia nacional, exatamente para mostrar o valor que se dá à vida, nos dias atuais, diante de um acidente como o do Airbus da Air France, caindo sobre as águas do Mar Tenebroso, e o que se passava entre os séculos XVI e XVIII, onde a vida nos mares não valia um tostão furado e as tragédias humanas eram freqüentes. Só de negreiros foram milhares lançados ao mar e que sucumbiram nessas águas, sem registros, sem choro, sem velas.
As histórias são terríveis e narradas em vários livros. Hoje, quando as marinhas da França e Brasil têm dificuldades em resgatar destroços e corpos do avião da Air France, numa área já mapeada e da dimensão do Acre, algo em torno de 164 mil km2, imagine-se se a armada de Cabral (ou outra qualquer) daria a volta para procurar uma nau perdida no Mar Tenebroso. Ainda mais se fossem negreiros.
Um dos casos mais notórios na Bahia, ocorrido em 5 de maio de 1668, o naufrágio do Galeão Santíssimo Sacramento na entrada da Baía de Todos os Santos trazendo a bordo o novo governador da Bahia, João Correa da Silva, encalhou no banco de Santo Antonio por volta das sete da noite e naufragou antes da meia noite, sobre a pressão de fortes ventos Sul. Matou, ao que se estima entre 330 a 530 pessoas. Sobraram 70 para contar a história, pessoas socorridas no dia seguinte por embarcações que saíram da Nau da Ribeira.
Olhe que a profundidade onde se encontra o Galeão Sacramento são 15 metros. A profundidade da área do acidente do Air France 4000 metros. É assim o Mar Tenebroso: povoado de todas essas histórias, de monstros marinhos, gemidos e assombrações de toda natureza. Até de poemas, como o de Santa Rita Durão que imortalizou Moema em braçadas de amor, até à morte, atrás do seu grande amor Diogo Álvares, o Caramuru, adormecida para sempre no Mar Tenebroso até hoje.