O MAR TENEBROSO, MONSTROS E O ACIDENTE DA AIR FRANCE, POR TASSO FRANCO

vide
| 11/06/2009 às 11:04
No século XVI, caravelas eram engolidas por monstros marinhos no Atlântico
Foto: Ilustração
 O acidente do Airbus da Air France desintegrando-se sobre o Oceano Atlântico e às buscas por destroços dessa enigmática tragédia revelam, com as novas tecnologias em uso, aviões com radares de última geração, helicópteros e navios das Marinhas do Brasil e da França, a dimensão do que os portugueses, franceses, holandeses, espanhóis e ingleses chamavam entre os séculos XV e XVIII, de o Mar Tenebroso, para classificar o Oceano Atlântico em suas viagens intercontinentais.

Se aos olhos de hoje com toda essa tecnologia em uso assusta, atormenta as mentes das pessoas, vocês podem ter uma idéia aproximada do que acontecia naquelas viagens com caravelas e naus de pinho protegidas com breu e alcatrão, orientadas por tábuas de marear e pelas estrelas, depois por astrolábios e cartas náuticas, entre a Europa, a África e o Continente Americano.


Isso sem contar, aquelas direcionadas à Índia como a do comandante Pedro Álvares Cabral, o qual, por determinação dos ventos mais ao Sul, afastando-se da costa africana, acabou achando o Brasil, em 22 de abril de 1500. Ao almirante Cabral coube a tarefa de comandar a segunda expedição à Índia depois que Vasco da Gama consagrou Portugal com sua viagem que durou dois anos costeando a África e chegando ao Índico, entre 8 de julho de 1497 e 12 de julho de 1499.


Entusiasmada com o feito de Vasco da Gama, reverenciado até os dias atuais como o grande navegador português, a Corte de Lisboa almejava o domínio dos mares e das rotas comerciais para engordar os seus cofres. Daí que, Dom Manuel, o rei que substituiu Dom João II, organizou uma armada com 13 navios e 1500 homens entregando o comando a Cabral.  Essa viagem, no entanto, foi um tremendo fracasso. Salvo a descoberta casual do novo subcontinente das Américas, o Brasil.


Cabral retornou à Lisboa com apenas 5 navios contabilizando 1000 homens mortos tragados pelo Oceano Tenebroso. Já nas águas de Cabo Verde uma nau desapareceu igual ao avião da Air France. Depois de 42 dias ao mar, a armada chega a Porto Seguro, com esse sobressalto. Daí segue para dobrar o Cabo da Boa Esperança e uma tempestade suga mais 4 navios, entre eles, a nau de Bartolomeu Dias.


O que restou da armada chega à Índia, em setembro de 1500. Cabral cumpre sua missão indo até Calecute (hoje, Estado de Kerala, costa ocidental da Índia) e só retorna à Portugal em 31 de julho de 1501, com especiarias e outras sedas. Foram, portanto, quase 500 dias ao mar sendo guiado por muçulmanos na rota à Índia e pelos comandantes portugueses. Nessa viagem, Aires da Cunha e Pero Vaz de Caminha são mortos em combate na feitoria de Calecute num levante contra os portugueses e mais naus são destruídas.


Conto essa história do comandante Cabral, diga-se, precisando de enormes reparações na historiografia nacional, exatamente para mostrar o valor que se dá à vida, nos dias atuais, diante de um acidente como o do Airbus da Air France, caindo sobre as águas do Mar Tenebroso, e o que se passava entre os séculos XVI e XVIII, onde a vida nos mares não valia um tostão furado e as tragédias humanas eram freqüentes. Só de negreiros foram milhares lançados ao mar e que sucumbiram nessas águas, sem registros, sem choro, sem velas.


As histórias são terríveis e narradas em vários livros. Hoje, quando as marinhas da França e Brasil têm dificuldades em resgatar destroços e corpos do avião da Air France, numa área já mapeada e da dimensão do Acre, algo em torno de 164 mil km2, imagine-se se a armada de Cabral (ou outra qualquer) daria a volta para procurar uma nau perdida no Mar Tenebroso. Ainda mais se fossem negreiros.


Um dos casos mais notórios na Bahia, ocorrido em 5 de maio de 1668, o naufrágio do Galeão Santíssimo Sacramento na entrada da Baía de Todos os Santos trazendo a bordo o novo governador da Bahia, João Correa da Silva, encalhou no banco de Santo Antonio por volta das sete da noite e naufragou antes da meia noite, sobre a pressão de fortes ventos Sul. Matou, ao que se estima entre 330 a 530 pessoas. Sobraram 70 para contar a história, pessoas socorridas no dia seguinte por embarcações que saíram da Nau da Ribeira.


Olhe que a profundidade onde se encontra o Galeão Sacramento são 15 metros. A profundidade da área do acidente do Air France 4000 metros. É assim o Mar Tenebroso: povoado de todas essas histórias, de monstros marinhos, gemidos e assombrações de toda natureza. Até de poemas, como o de Santa Rita Durão que imortalizou Moema em braçadas de amor, até à morte, atrás do seu grande amor Diogo Álvares, o Caramuru, adormecida para sempre no Mar Tenebroso até hoje.