1. A festa de largo para Santa Bárbara é a mais autêntica da cidade do Salvador. Ou seja: verdadeira, sem folclore. No sentido eclesiástico, algo como uma relíquia. E é isso mesmo.
2. Diria que vai além na medida em que representa a cara da cidade do Salvador, negro mestiça majoritária, a fé, uma religiosidade católica que nenhuma outra tem e também o sincretismo ainda exposto de maneira bem firme, de que Santa Bárbara e a orixá Iansã são a mesma entidade, na cabeça do povo.
3. Na verdade, no culto religoso, não se assemelham porque uma (Bárbara) é turca do século III e santa auxiliar, cultuada com mais intensidade a partir de uma decisão do Papa Gregório XIII (1582); e Iansã é uma orixá do candomblé e da umbanda associada aos ventos, tempestades e à força feminina: oiá, guerreira e valente.
4. Quando da colonização portuguesa no Brasil, os negros escravos e seus descendentes (já brasileiros) não tinham permissão das autoridades para cultuar sua religião, suas danças, suas músicas e cantos. Eram reprimidos pela policia.
5. Então, seus descendentes se vincularam a irmandades religiosas católicas e criaram esse artificio associando orixás a santos para ludibriar as autoridades e praticar sua fé em local que lhe fosse assegurada suas presenças.
6. Com o passar dos anos e a liberação do candomblé, em Salvador (a umbanda é pouco praticada na cidade) houve a dissociação: santos de um lado; orixás do outro. Mas, nunca saiu da cabeça do povo de santo e alguns católicos também a praticam.
7. Quando dom Lucas Moreira Neves foi cardeal na Arquidiocese de Salvador (década de 1990) foi contra qualquer manifestação do canbomblé nas igrejas católicas. Não escondia isso de ninguém e deu várias declarações públicas. Quem se interessar pode conferir isso no meu livro sobre o cardeal lucas e nas páginas dos jornais.
8. A mãe Stella de Oxóssi, lider do Axé Opô Afonjá, também dizia que santo é santo e orixá é orixá e não se misturam. Stella também defendia públicamente e no terreiro que comandava não havia imagens de santos ou quaisquer referências ao culto católico.
9. Tanto Lucas; quanto Stela morreram com esse convicção, mas, a maioria do povo de santo (e alguns católicos) nunca deram atenção a isso, e até viam nas suas declarações como se fosse uma censura. Na prática, tanto se tocava violão n'algumas igrejas como atabaques. E o povo de santo orava para os santos católicos.
10. A festa para Santa Bárbara no centro histórico da cidade é assim: o povo de santo vai em peso, reza como católico seguindo as pregações do padre Lázaro Muniz; se veste na cor pereferida da orixá, o vermelho e faz saudações a "Epahey Oyá" aportuguesado para "Eparê Oiá" durante o percurso. E algumas filhas de santo dão santo no Corpo de Bombeiros, o que neste 2024, não aconteceu.
11. O que se denota na festa para Santa Bárbara é algo mais religioso e sincrético, sem o folclore exagerado que há na Lavagem do Bonfim inclusive com a presença e interferência de autoridades e políticos; não há batuques e sambas de roda (só a presença da banda filarmônica do Corpo de Bombeiros).
12. Ademais, raro vê-se pagadores de promessas midiáticos, o que deixa a festa religiosa como eminentemente religiosa (um ato de fé).
13. Inclusive, em nossa opinião, destoa do evento um carro tipo trio elétrico com som altíssimo e evocação do padre e de cantores a santa Barbaroa poderosa. Poderia até sumprimir isso e deixar que o povo faça a sua festa ao seu modo.
14. Há de se dizer que sempre houve um carro de som, antes uma caminhonete de Cristovão Ferreira e depois de Antonio Lima, o feirante, ambos ex-vereadores já falecidos. Também é de se dizer que em festa católica e do povo de santo tem que ter foguetes, vivas, cachaça e batuque, o que é verdade.
15. E também comidinhas. Santa Bárbar, creio, é a única do ciclo que serve um caruru aos pobres. Ricos não vi nenhum. Pelo mercado de Santa Bárbara, na Baixa dos Sapateiros, nao aparecem. Vão a Lavagem do Bonfim e aos festejos para Yemanjá, 2 de fevereiro, que são mais midiáticos, embora tenham, também, muuitas manifestações de fé religiosa.
16. Nenhuma dessas festas - nem o Carnaval a maior de todas e que encerra o ciclo das populares de Salvador - tem a cara da cidade, sua gente, seu povo, sua negritude e mestiçagem como a festa para Santa Bárbara.
17. Ninguém jamais poderia imaginar uma coisas dessas, de uma personalidade que nasceu na Turquia e é cultuada em várias partes do mundo, inclusive em Kiev, capital da Ucrânia em guerra, onde respousam seus restor mortais na Catedral de Volodymyr. (TF)