A psicóloga Clarissa Pinkola Estés em "Mulheres que correm com os lobos" conceitua: "Aprendemos que a morte é sempre acompanhada de mais morte. Isso simplesmente não é verdade. A morte está sempre no processo de incubar uma vida nova."
Somos seres cíclicos, bem como nossa vida e tudo ao nosso redor. Defende que a vida e a morte andam juntas: quando um lado se movimenta, o outro, automaticamente, como uma engrenagem, se desloca. E o que isso significa? Que a morte (aqui, por morte, entende-se ciclos, relações, interesses, fases) vai bater à porta: onde há começo, há fim!
A propósito desse conceito está em pauta o possível fim do Restaurante Porto Moreira que há mais de 80 anos serve de local gastronômico e para encontros de baianos de todas as matizes e de uma parte da intelectualidade de Salvador.
Não será surpresa alguma que desapareça no ciclo "vida-morte-vida" com tantos outros negócios que já existiram no centro históricos de Salvador como o Colon, do Comércio, já centenário; o Anjo Azul, o Taboleiro da Baiana, o Tabaris, o Cacique, o mini-Cacique, o La Fontana, o Chile, Leão Rosemberg, Óticas Viúva Neves, Os Gonçalves, Duas Américas, Sloper, Civilização Brasileira, Spinelli, Brazeiro, Moreira Antiguidades, A Portuguesa, Café das Meninas, O Adamastor e tantos outros.
Foi criado um grupo de amigos do Porto Moreira na internet para tentar salvá-lo do naufrágio iminente diante da placa de "Vende-se" colocada pelo herdeiro da casa portuguesa na testada do restaurante no Largo do Mocambinho. E, pelo que leio, há um esforço enorme de abnegados frequentadores no sentido de fazer o possível para que o Porto Moreira siga vivo, ou como conceitua Estés no "incubar uma nova vida".
O que vale para os "sapiens" vale para os objetos e o Moreira está integrado a vida de muitos baianos, que o tem como um ponto de referência de suas existências.
Não há um consenso - nem nunca haverá sobre todos esses casos - do que estaria acontecendo por mais que as pessoas procurem explicações na decadência do centro histórico de Salvador, de resto, uma praga que acontece em todas as cidades históricas do Brasil, pois é público e notório que, enquanto na Europa se valoriza os centros, há uma convivência entre moradia e atividades comerciais e de serviços de toda natureza, no nosso país houve uma dissociação dessa realidade e os centros históricos são estorvos.
Imaginar, como querem alguns, que haja uma reanimação por parte da Prefeitura ou do Governo do Estado para esse quadrilátero histórico que vai da Barra a Santo Antonio Além do Carmo e a área do Comércio, isso já vem sendo feito desde 1991 e muitas áreas já foram recuperadas, mas o processo é lento e por mais campanhas que se faça, o Centro Histórico de Salvador ainda é visto como um local de turismo, unicamente.
Quem vai ao centro de Salvador teme a violência, a dificuldade de estacionar seu veiculo, o medo de ser assaltado, uma série de empecilhos que não são fáceis de serem removidos. Veja o que aconteceu, recentemente, com o Espaço Glauber Rocha, no antigo Cine Guarani? Entrou no ciclo "Vida-Morte-Vida", hoje, na fase de sobrevida.
A situação do Porto Moreira com Francisco (Chico), o herdeiro principal, já com 75 anos de idade enfrentando as mudanças que acontecem no giro comercial do centro não é fácil, por mais ajuda que os amigos do Moreira certamente darão. Torcemos para que sobreviva. Nossa esperança, no entanto, está limitada ao giro do sermos "seres cíclicos", o que passa também na mudança de nossas vidas. (TF)
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