16/04/2021 às 17:44
CASA ROMA, BECO DO FUXICO, EM ITABUNA: PINGA & PROSA, p WALMIR ROSÁRIO
Walmir Rosário é radialista, Jornalista e advogado
Geograficamente, decidimos – o que vos conta a história e José Senna – localizar o Beco do Fuxico em três regiões distintas, nomeando cada um dos quarteirões entre a avenida do Cinquentenário à rua Ruffo Galvão em Baixo Beco, Médio Beco e Alto Beco. No Baixo Beco, o ABC da Noite, do Caboclo Alencar; no Médio Beco, Dorta e Batutinha; no Alto Beco, Alcides Rodrigues Roma (Casa Roma) e Pedro Ribeiro (Pedrão).
Na verdade, Alcides Rodrigues Roma não implantou sua mercearia para vender cachaça no pé do balcão. Seu foco principal era a venda dos secos e molhados para as casas de família do centro da cidade, antes do comércio “despejar” as residências das ruas Ruffo Galvão, Duque de Caxias, Rui Barbosa. Mesmo assim, sua clientela era formada pelos comerciários que aproveitavam a hora de “tomar uma” para abastecer a casa de víveres.
Com o tempo, Alcides aderiu de vez às cachaças da pura e temperadas com folhas das mais diversas e cerveja bem gelada para servir aos clientes amigos. E o negócio deu tão certo que a criatividade aumentou o fluxo de pessoas e mercadorias. Bastava subir os dois degraus da escada e se acomodar no apertadinho. Igualzinho ao coração de mãe, sempre cabe mais um.
E os clientes foram se acomodando nos sacos de feijão, milho, arroz, fardos de papel, caixas de mercadorias enlatadas, sem sentir nenhum desconforto. O bom bate-papo e o serviço etílico valia a pena. Ora se valia! Não existe registro em Itabuna de uma cachaça com folha de angélica que chegasse perto da preparada por Alcides, embora alguns clientes tivessem preferência pelo pau-de-rato, alumã, gengibre, erva-doce.
Se por si só a cachaça era da boa, imagine acompanhada dos mais apropriados tira-gostos, retalhados na hora, comidos crus ou assados. Para tanto, bastava se apoderar da faca e cortas lascas de jabá – dois pelos –, que poderia ser enrolada no papel pardo e embebida com álcool. Bastava tocar fogo com um fósforo ou isqueiro e o petisco estava pronto, à disposição.
Um dos assentos eram as barricas que acondicionavam os bacalhaus importados da velha Europa, que ficavam estrategicamente pendurados, bem à vista da clientela e à mão dos bebedores. Era uma lasca aqui, outra ali, uma lata de salsicha, outra de quitute, comidas com pão feito na hora pela Padaria Modelo e a farra estava feita. Na saída, era preciso muita atenção para levar as compras para casa, do contrário levava carão da mulher.
Naquela época em que o respeito às famílias falava mais alto, as clientes não se sentiam constrangidas de fazer a compra de mantimentos alimentícios arrodeadas por homens bebendo sua cachacinha, comendo tira-gostos e jogando conversa fora. Praticamente todos se conheciam e Alcides era comerciante conceituado. Bom dia, boa tarde, boa noite era o cumprimento na entrada e na saída.
E a Casa Roma, bem localizada na esquina da rua Duque de Caxias com travessa Adolfo Leite – hoje travessa Ithiel Xavier – era considerada a resistência do Alto Beco do Fuxico, principalmente depois que Pedro Ribeiro (Pedrão) fechou as portas do seu bar e restaurante. Com a saída de Pedrão, funcionou no local a sede de um jornal, que embora todos bebessem não satisfaziam os de fora.
Para satisfazer os clientes mais chegados – aqueles que todos os dias se sentavam nas barricas para beber e comer –, aos domingos Alcides Roma passou a abrir as portas para bater um papo e beber uns goles com os amigos. No início, abria apenas uma porta para servir os amigos, porém sempre apareciam as donas de casa em busca de um mantimento que faltava em sua dispensa e a mercearia atendia até por volta do meio dia.
Num desses domingos os esportistas itabunenses e de cidades circunvizinhas saíram mais cedo para comentar sobre a novidade: o Vasco iria se apresentar no estádio Luiz Vianna Filho contra o Itabuna. A resenha esportiva começou mais cedo nas emissoras de rádio e nada melhor do que um boteco para discutir a paixão nacional: o futebol, ainda mais com um jogão daqueles.
E no Alto Beco do Fuxico o que não faltavam eram torcedores. Vascaínos, flamenguistas, botafoguenses, tricolores e até americanos apareciam para debater os últimos jogos e marcar seus prognósticos para as futuras partidas. Discussões acaloradas, quando eis que de repente aparecem na porta o presidente do Itabuna Esporte Clube, o vascaíno Paulo Fernando Nunes da Cruz (Polenga), e o presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda.
Saudações efusivas, e como ninguém estava ali somente para jogar conversa fora, imediatamente foi pedida uma nova rodada da angélica mais famosa de Itabuna e cervejas bem geladas. E antes que o presidente vascaíno acendesse seu charuto, foi providenciada uma rodada do mais fino tira-gosto: lascas de jabá rebatidas com uma mãozinha de farinha seca, salsichas e quitute em lata.
Nada mais original para começar um domingo de futebol.
https://bahiaja.com.br/artigo/2021/04/16/casa-roma-beco-do-fuxico-em-itabuna-pinga-prosa-p-walmir-rosario,1293,0.html