Cultura

BEBÊ RENA: SÉRIE BRITÂNCIA QUE ALCANAÇOU TOP 10 NETFLIX p/SEAP OCNARF

Veja comentário de Seap Ocnarf e as janelas que Ricard Gadd deixa para (possivelmente) dar continuidade a série
Seap Ocnarf , Salvador | 11/05/2024 às 19:49
Richard Dagg (Donny) e Jessica Gunning (Martha) e o encontro fatal no pub londrino
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        A série britânica "Baby Reindeer" - em português "Bebê Rena" - inspirada em fatos reais da vida do escocês Richard Gadd — roteirista e ator protagonista da trama — é o novo fenômeno de audiência da Netflix. 

       O tema tão comum no mundo dos vivos em todas as partes do planeta - o abuso sexual - por ser frequente torna-se extremamente complexo e polêmico quando exposto na telinha, porque aborda, em princípio, abusos vividos por um homem e desencadeados por uma mulher. 

        E, ademais, abusos praticados por um produtor cultural mais velho que o leva ao mundo das drogas na doce ilusão de que um dia seria famoso (roteiro presente com denúncias frequentes no mundo do cinema, da TV) e a participação de uma personagem "trans" com quem tem um relacionamento em permanente conflito consigo e com a mulher, ora com posicionamentos afetivo; e ora preconceituoso, uma vez que tinha vergonha dela.

    Trata-se, pois, de uma abordagem complexa da psiquê humana com sentimentos de compaixão, repulsa, medo, ódio, amor, escárnio, revolta, consentimento, etc. E como o tema cutuca telespectadores que, provavelmente, já sofrerem algum tipo de assédio e outros que se deixaram levar propositadamente para galgar ascensão em suas carreiras, o que aconteceu com Gadd e foi difícil sair dessa enrascada onde se metera, não se utilizando de denúncias e processos judiciais - comum nos dias atuais – abre-se espaços para muitas discussões.

        A trama tem vários atos, expostos em 7 episódios, pouco mais de 3 horas de duração - podem ser assistidos de uma sentada - mas suscita muita atenção. Creio que o roteirista abriu essa janela de propósito com o objetivo de levar o telespectador a se questionar e alvoroçar-se. Convocou-nos ao debate.

        O campo da psicologia, por sua natureza, é polêmico e não consensual. E "Bebê Rena" dispara gatilhos e "tiros" em todas as direções. O mais significativo deles é a abordagem sofrida por um homem de assédio sexual praticado por uma mulher mais velha do que ele, de um padrão estético que não apreciava, mas, desde o início quando a conhece num pub em que é garçom, o sentimento que lhe assoma é de pena (compaixão).
 
        O escocês bartender do pub londrino e aspirante a comediante "Donny Dunn" é a encarnação de Richard Gadd vivida por ele mesmo. Sua nova conhecida é "Martha Scott" interpretada por Jessica Gunning, a qual, vai se revelar no decorrer da trama uma assediadora contumaz, pois, volta ao pub diversas e seguidas vezes para (presumivelmente) tentar conquistá-lo.

       Começa, então, uma relação entre "Donny" e “Martha”, de difícil interpretação no campo psicológico, uma vez que mesmo a considerando “uma pentelha", "uma chata de galochas" não a descarta. E é atraído por estranho sentimento onde se misturam afeto, compaixão, raiva e sexo. "Donny" é um estrangeiro, em Londres, que se classificava com um fracassado por não ter conseguido êxito em sua carreira de comediante, e vê, em Martha, algo que pode lhe abrir novos caminhos.

        Presumivelmente, Gadd conta a sua história pessoal - pelo menos é o que diz a sinópse do filme - e envolve os telespectadores de tal forma que é tentador assistir a série sem fazer comentários os mais ferinos a ele, na medida em que vão sendo revelados outros personagens em sua vida, uma mulher "trans" terapeuta que conheceu num site de relacionamento e um produtor esperto, sedutor e assediador.
        
      O roteiro tem um insistente enquadramento em "close-up" desde quando “Donny” adentra uma delegacia de polícia para denunciar "Martha" e o policial que o atende pergunta porquê dele ter demorado seis meses para denunciá-la. 

    O enquadramento retorna para a sequência do pub seis meses antes em que uma "Martha", aparentemente deprimida, entra e, depois de indagada por “Donny” se deseja um chá, diz que não tem dinheiro para pagar, levando-o a oferecer a bebida por conta da casa. A partir daí Martha muda seu semblante e fala sem parar, mente à gosto, com o garçom perplexo e, ao mesmo tempo, se interessando pela mulher.

      A depressão inicial de "Martha" dá lugar a euforia e esse sentimento – pareceu-nos este, o fulcro sugerido pelo roteirista para que o garçom tivesse esse interesse a ponto de segui-la até sua casa.

      A partir daí eles começam a ter uma relacionamento de amigos e o personagem “Donny” inicia uma análise de si mesmo - que retorna para até cinco anos no passado, em eventos traumáticos com uma mulher "trans" e um produtor que o seduz com drogas a título de lhe garantir sucesso profissional como comediante e roteirista.
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       A direção de Weronika Tofilska e Josephine Bornebusch se utiliza do ambiente escuro e sombrio típico de Londres e seus "pubs" e "inferninhos" e  usa de muitos "close-ups" - rápidos e em diferentes planos - em especial de “Donny” que dá um show de interpretação, igualmente pode-se dizer de "Martha" (Jessica Gunning) e Nava Mau no papel da "trans" Teri; e de Tom Goodman-Hill como “Darrien O’Connor”, o produtor-sedutor. 

     Por sinal, nesses dois últimos casos, as relações sexuais entre ambos são milimetricamente colocadas na telinha, porém, de forma bem sutis.
    
     São relatos adicionais na trama (o recheio do bolo) para que o telespectador entenda a múltipla personalidade de “Donny” diante “Martha”, o que chega até sua família e a namorada “Keeley” – interpretada por Shalom Brune-Franklin (“Martha” ameaçando pela internet de que levaria ao conhecimento dois pais dele que é um homossexual enrustido), o que torna a jornada do garçom ao enfrentar esse novo momento cibernético de “Martha”, um drama ampliado, expondo sua vida pessoal para o mundo.

    “Bebê Rena” é uma catarse uma espécie de purificação do espirito no lidar com tema tão complexo de forma aberta, com linguagem contemporânea da internet. Esse é um dado bem interessante porque estamos, hoje, todos plugados e perseguidos (stalkear).

     Só para acrescentar algumas pitadas de informações aos nossos leitores é o policial Daniels (Thomas Coombes) quem dá a dica para "Donny" sair do cativeiro em que se encontrava e utilizar a mesma ferramenta (a internet) para arregimentar provas do assédio da sedutora, isso após “Martha” colocá-lo em perigo e denunciá-lo a Polícia por assedio de querer comeu seu c). Que usasse a mesma ferramenta contra ela.

    “Donny” passa a gravar todas as suas mensagens e monta um dossiê levando o caso a Polícia, ela sendo condenada e presa. Isso, no entanto, não o deixa em paz com sua consciência e a série encerra com o garçom entrando num pub, deprimido (lembre da cena inicial de Martha fazendo o mesmo) e quando o "bartender" pergunta se ele quer algum drink, ele confessa que está sem dinheiro. O “barman” responde servindo-lhe a bebida: “Este é por conta da casa”.

*** Bem, opinião particular nossa, Gladd deixa essa janela entreaberta para dar continuidade a série. É possível.