Cultura

A PELEJA DE TYRONE VS TOLÉ EM CANAVIEIRAS DA BAHIA, por WALMIR ROSÁRIO

*Radialista, jornalista e advogado
Walmir Rosário , Bahia | 31/05/2020 às 11:39
Integrantes da Confraria do Berimbau
Foto: DIV
   Sinceramente, não sei como abordar esse assunto, dada sua complexidade e polêmica que poderá causar nas hostes religiosas, culminando com sentença proferida com base no Código Canônico, me condenando a arder no fogo do inferno. Antes disso ainda poderei receber novos castigos como ser excomungado, o que convenhamos não fica bem para um cristão, mesmo assim não me furtarei a abordar o fato.

   É que, por acaso, encontrei o jornalista desocupado Tyrone Perrucho acabrunhando. Logo ele que não esquenta a cabeça por nada, ainda mais depois que desafiou a medicina no trato pós-cirúrgico, vencendo de goleada a peleja. Após uma abordagem cuidadosa para não inflamar os exaltados ânimos, finalmente descobri o motivo da prostração. A razão do estado macambúzio tinha como motivo a falta de atenção dispensada a ele por um velho amigo.

   Poucas horas antes, ao acessar o whatsapp, Tyrone dá de cara com uma mensagem postada pelo velho amigo Tolé (Antônio Amorim Tolentino), dando conta das novidades. Assim dizia a missiva: “Já voltei pra praça São Boaventura, agora me encontro longe da zona de pecados de outrora”. Um recado alvissareiro e que prometia uma retumbante comemoração pela casa recém-reformada.

   Mas que rapidamente, Tyrone dá continuidade ao que pareceria ser mais um proveitoso e auspicioso bate-papo e, quem sabe, contribuir com o planejamento de uma baita festa, daquelas que promoviam nos mais conceituados botequins canavieirenses. Do outro lado do whatsapp, o amigo Tyrone pergunta: “Que ótimo, quando faremos a inauguração festiva da requalificada mansão?”.
P
   onto final. O colóquio morreu ali. Tolé não reponde que sim nem que não, muito menos pelo contrário. Esse silêncio ensurdecedor foi o bastante para causar quase a depressão do amigo. E o único remédio conhecido por Tyrone para esses males é rodar um disco de Vicente Celestino e uma cerveja gelada, não importando a marca. E assim cumpriu o destino no bar do amigo Erpídio. Desce mais uma! 

   Na segunda cerveja toma a decisão de dar uma resposta atrevida ao desrespeitoso e mal-educado Tolé. Sem pestanejar, começa a escrever: “Apesar do nome santo, sua praça tem longo histórico de profanações. Você mesmo deixou a zona de pecados de outrora e voltou a essa pecaminosa praça de ontem e, quiçá, de hoje”. Juro que ele não falou dos padres, mas daí pra frente me recuso a transcrever para não atentar contra o decoro, muito menos sofrer um processo com base no Código Canônico.

   Mesmo assim, Tyrone não se deu por satisfeito e resolveu cometer a indiscrição de retransmitir a despudorada postagem a seu bel prazer. De minha parte, não concordo minimamente com esse bate-boca fora de mesa de bar, que não levará a nada. E o motivo é dos mais simples, há mais de longos 20 anos que Tolé não pertence mais a vida mundana e nem sente falta de uma boa cachaça de folha ou uma cerveja gelada.

  De motu proprio Tolé renunciou a todos os encantos da boemia, desdenhando, inclusive do majestoso título de Secretário Plenipotenciário da Confraria d’O Berimbau, que lhe conferia poderes para inquirir confrades e editar decretos-lei nem tão democráticos. Agora, arredio aos botequins da vida, não desmente que volta e meia bate aquela vontade de retornar às origens – pensamentos pecaminosos resolvidos logo após rezar um terço e pedir perdão a Deus.

   Temente por essa ruptura de amizade cultivada desde a infância, procurei conversar com os dois e tentar colar os cacos de cristais. Não obtive o sucesso absoluto, mas a bandeira branca já tremula entre eles, com restrições. Até compreendi as explicações da parte de Tolé, de que não respondeu de imediato ao amigo Tyrone, pois pretendia comemorar a reforma da casa com os amigos mais chegados somente após a realização de um criterioso planejamento.

   E tinha razão: Vizinho de São Boaventura, Tolé temia pela possibilidade da entrada num evento improvisado de uma trupe desvairada porta a dentro, pisando nas plantas, caindo na piscina sem calção apropriado ou uma preliminar chuveirada, com gritos de urra a incomodar o santo e os demais vizinhos. No mínimo, a plebe embriagada, entre uma mordida no churrasco e uma golada de cerveja, tentaria enfiar goela abaixo [de Tolé] uma cachacinha para relembrar os velhos tempos.

   E não é que Tolé tem razão? Ele soube de fonte limpa e fidedigna que Valdemar Broxinha, que estava trancafiado em sua fazenda Caqueiro, também chamada de Sítio Jequitibá, lá pras bandas do Xixiu, decretou o fim de seu isolamento social assim que soube de tão alvissareira notícia. Mandou buscar umas cervejas no bar mais próximo s, colocou uma mesa fora de casa, ligou o rádio do carro e, a título de treinamento, ouviu todas as músicas de Emílio Santiago e Nélson Gonçalves.

   Como todo Tolentino que se preza, Tolé prometeu para o pós Coronavírus anfitrionar os amigos para uma visita de reconhecimento da mansão, desde que de forma ordeira como pregam os manuais de boas maneiras. Ele até concordou em preparar um vasto cardápio com sanduíches de imitação de mortadela e variados chás e sucos naturais da flora canavieirense: capim santo, capim limão, erva cidreira, carqueja, gengibre, boldo e milome.

A festa promete, será um encontro supimpa!