Longe de parodiar a famosa canção “sentado à beira do caminho”, o verso de oração do Cântico de Zacarias (Lc 1,79) pode traduzir melhor a nossa realidade...
Sentados à sombra da morte do desemprego, do desespero e da angústia e tantas outras sombras que ofuscam os raios de sol da alegria de viver.
De alguma maneira, estamos nos acostumando com a cultura da morte. Infelizmente. São aquelas dos hospitais, as da violência urbana, vítimas da droga, homicídios e feminicídios, vítimas de abortos, para quem “toda vida importa”, menos a do feto; guerras declaradas contra a vida...
Ainda assim, dizem as pesquisas deste início de julho, os brasileiros tem medo da Covid-10, embora o isolamento tenha caído. Na verdade, muitos estão apavorados com os números da morte por Covid 19. Números alarmantes, se são realmente verdadeiros, em tempos de pós-verdade. Não apenas números, mas vidas e histórias de pessoas até conhecidas.
O que faz um cristão, cujo Cristo, na Cruz venceu a morte e com sua Ressurreição, destruiu a inimizade com a morte, estar amedrontado com o final de vida biológica?
Faz sentido, nestes tempos de pandemia, rezar a oração de São Francisco para quem a morte deixou de ser inimiga e passou a ser Irmã???
Ou rezar e crer, crer rezando o que dizia Santa Tereza: “Nada te perturbe, tudo passa, só Deus basta.”
Em cada Santa Missa, o Sacrifício da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, celebramos a nossa vida e a nossa esperança de vida eterna. É a nossa fé em sermos Salvos pelo Cristo que morreu e ressuscitou por nós.
Para nós cristãos a vida é um dom de Deus. Saiu de suas mãos e às suas mãos voltará. Se a vida é um dom de Deus, ninguém é dono da vida. Nem da própria vida, nem da vida do outro. Por isso a importância do cuidado com a vida, desde a concepção até o último instante.
A vida é um dom. É um mistério. É um apelo que Deus faz a todo aquele que vive. A vida é uma resposta. A resposta que o homem deve dar a Deus e aos outros, por isso São Paulo diz: “Ninguém vive para si mesmo. Quer morramos, quer vivamos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14, 7-9).
É diante do enigma da morte que se agiganta a figura de Cristo, pois Ele, só Ele, venceu a morte. Por isso Ele é o divisor de águas entre os crentes e os ateus; entre os otimistas e desesperados.
A morte, sendo um fim natural, recorda que cada um dispõe de um tempo limitado para viver bem. Graças a Cristo, a morte cristã possui sentido positivo, a ponto que, recorrendo mais uma vez ao apóstolo dos gentios, Paulo afirmar: “Para mim o viver é o Cristo e morrer é lucro” (Fl 1,21)
Os filósofos gregos riram de São Paulo em Atenas , no Areópago, quando ele falou da Ressurreição de Jesus; para eles a morte era o fim de tudo, e não eram raros aqueles que partiam desta terra no desespero.
Mas é interessante que alguns ansiavam pela eternidade. O poeta trágico e teatrólogo Eurípedes (480 -406 a.C.) perguntava: “Quem sabe se viver não é morrer; e morrer não é viver?” (PR 414, pg.481). Ele foi ridicularizado pelos seus conterrâneos, mas isso se tornou realidade em Cristo. Este pensador pagão já pressentia que a vida do homem não pode acabar na terra e que deveria haver algo mais a preencher os anseios de vida no coração humano.
Foi sobre esse pano de fundo triste que ressoou a grande mensagem cristã. Deus quis redimir os homens de jugo e do temor da morte. E o fez de maneira muito sábia: sim, houve por bem “matar a morte” mediante a morte de Cristo; cumpriu assim a profecia de Oseias: “Ó morte, serei a tua morte” (Os 13,14)
O último artigo do nosso credo diz: “Creio na vida eterna”. A grande esperança cristã é esta: a vida não termina na morte, mas continua no além. Reza a liturgia católica: “Senhor, para os creem em vós a vida não é tirada, mas transformada”.
No mundo temporal marcado pelas batidas do relógio, a Igreja se torna uma referência da eternidade, do definitivo, do transcendente. A igreja templo tem esse significado. Tudo nos aponta para o Eterno. Razão pela qual os fiéis não toleram quando o discurso teológico se torna ideológico, imanente.
Mas, até isso foi politizado. A doença foi politizada e a morte, mais uma vez, banalizada. Por isso que é dever do cristão rezar pelos que governam. Afinal de contas, deles depende a sorte comunitária. Diante de Pilatos, governador, Cristo amigavelmente dialoga, e quando o procônsul lhe diz: “ Saiba que tenho o poder de libertá-lo ou fazê-lo morrer. Diz-lhe Jesus: Nenhum poder terias sobre mim se não te fosse dado do alto”. A verdadeira autoridade na terra tem suas raízes na onipotência de Deus.
Rezamos não apenas pelo fim da pandemia, não somente para que este vírus se dissipe, não só por esperança em dias melhores, mas que tenhamos mais sorte com nossos políticos. Pois bem, o bom senso nos diz que a pátria precisa servidores leais. Não é tempo de dormir, é tempo de vigília. Em circunstâncias análogas, na antiga Roma, bradava o seu ainda incorruptível senado: “Providenciem cônsules para que a república não padeça qualquer mal”.
Agradeçamos a Deus pela vida que se faz dom. Por qualquer vida que é vida. Vida que é e que se vai para a eternidade. História que se perpetuará na vida dos que acreditam em Deus e nEle depositam suas esperanças.
Peçamos a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora, nossa Padroeira, que providencie homens e mulheres de boa vontade que possam servir a Deus e a seu povo pelo interesse do bem de todos.
Lembrava um célebre escritor, “Achamos que a vida é uma sonata que começa com o nascimento e deve terminar com a velhice (ou com a morte). Mas, isto está errado. Vivemos no tempo, é bem verdade. Mas é a eternidade que dá sentido à vida”.
O saudoso Dom Augusto Álvaro da Silva, mais conhecido na Bahia católica como Cardeal da Silva, escreveu um verseto que me foi presenteado pelo filho de um político em que assim ele se despedida do governador:
“Bendito quem colhe rindo
No seio das multidões
As bênçãos que vão caindo
De nossos corações
A minha gratidão, Excelência
Não tem ponto final
Tem reticências”
Do cada lugar e de cada altar, elevemos a Deus o louvor pela vida, a gratidão em muitas reticências que se transformam na oração de todos, afinal, retomando o Cântico de Zacarias, é Ele que “ilumina a quantos jazem entre as trevas, para dirigir os nossos passos, guiando-os no caminho da paz”! (Lc 1,79)