Fernando Conceição
12/05/2020 às 10:00
Nos tempos da Covid-19, em que evidencia-se a falta de norte dos que opinam em nome da deusa Ciência, o conflito emerge na ausência mesmo de coerência e coesão discursivas a que todos somos expostos.
De um dia para o outro nós, a população do planeta, somos coagidos por aquela mesma deusa a nos trancar em masmorras domésticas, a que chamam de “casa”.
Isso para afortunados que têm uma para chamar de sua. Malgrado as centenas de milhares de seres humanos dos campos de refugiados mundo afora. Os quais, por óbvio, estão privados do receituário de “isolamento social”.
Escrevi “afortunados” mas corrijo. Confesso: com a extensão sine die da quarentena, do momento em que desperto ao que adormeço, ante provocações e insultos da situação, tenho por principal tarefa reprimir os demônios que moram dentro da alma.
Satanazes por vezes usam Prada. Andam nas entrâncias. Fustigam o tempo todo pela melhor oportunidade de desenlaces gratuitamente trágicos.
A punição do #Stay home, #Fique em casa, é compulsória. Na contramão de todas as normas jurídicas restritivas à mobilidade individual ou social, esta não tem prazo de validade determinado.
Pode ser mais ou pode ser menos. E, ameaçam: a depender de como você comporte-se, o afrouxamento do confinamento pode ser cancelado. Tudo de acordo com os ditames da Ciência.
Nada mais anticientífico, contudo.
É como se a humanidade estivesse mergulhada na Idade das Trevas. 500 anos de desenvolvimento do método de racionalização dos fenômenos naturais, da ruptura com o misticismo, a Covid-19 demonstra a fragilidade das certezas científicas.
Demagogos políticos fazem a festa.
Há evidências históricas: o discurso da Ciência não é onipotente nem neutro. Pode ser politicamente orientado. Já produziu muitas asneiras, como a da hierarquia racial entre os seres humanos.
Por que temos, então, de entregar cegamente o nosso destino aos oráculos da Ciência, como os comissários da Organização Mundial de Saúde (OMS, WHO em inglês)?
Por temor, medo e covardia – é a resposta.
Sem vacina, sem medicamento eficiente, as pessoas são convencidas a entregar-se à prisão doméstica. Meses a fio.
Até que o aparato capitalista da indústria de medicamentos do norte global derrame sobre os mercados sua porção mágica. Lucros extraordinárias brotarão na conta bancária dos que nos libertem da quarentena.
As consequências maléficas disso para espíritos libertários são a atrofia, manifesta até nos ossos, músculos e articulações físicos.
Para a humanidade, nossos futuros netos aquilatarão.
Uma, duas, três semanas trancado e você reinventa coisas. Busca ser proativo, criativo.
Por período maior é enfado torturante.
Ainda que tentemos artifícios, disfarces. O ser humano é necessariamente sociável. Gosta de rua. Trocas. Investimento e aventuras com semelhantes.
É neste momento que, prostrados ante os aparatos tecnológicos multimídia nos cômodos da casa, o bombardeio de mensagens ainda mais contraditórias tenta esmagar-nos. #Fique em casa!
O tom da cobertura jornalística da tragédia da Covid-19 é sinistro. Como a encarnação do ministro da Saúde dando notícias desanimadoras.
A necrofilia rende audiência, sabem os editores de jornais.
A entonação sorumbática do editor e apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, de segunda a sábado invadindo o recôndito dos nossos lares no horário nobre da televisão brasileira; a seção diária da Folha de S. Paulo nominada “Veja histórias de brasileiros mortos pela Covid-19”, com galeria de fotos dos defuntos, tudo força um clima de morbidez que somente dispersa quando vem o intervalo de publicidade.
São bancos e financeiras que competem entre si. Sua publicidade com imagens e texto coloridos, positivos, de conteúdo otimista, vende soluções de crédito para clientes nessa conjuntura depressiva. Social, econômica e psiquicamente falando.
O mantra é a superação. Rede$ solidária$. #Vai passar. Tudo será novo e melhor no porvir.
Dá-me gana de mandar tudo à merda. O imponderável mudou todos os planos, projetos, sonhos. E dizem ser normal: há um futuro. Que para muitos acabou anteontem. O que sobrevir virá de escolho.
Tão nojenta e repugnante quanto a exposição pornográfica dos cadáveres de vítimas daqueles jornalísticos, a publicidade somente compete em farsa com transmissões, chamadas “lives“, de artistas diversionistas que continuam com os seus negócios lucrativos.
Ainda bem que existe Mel nesses instantes de náusea. Sorrio, embora lamente.
Quanto mais requer-se silêncio e reflexão, o que mais temos no mundo é barulho!