Esportes
Zé de Jesus Barrêto
01/05/2014 às
12:48
NA VARANDA DA COPA: Troféu confinado em shopping
Felipão convoca a Seleção Brasileira dia 7 de maio. O time está praticamente definido e a dúvida é se haverá surpresas na convocação.
Resenhando:
- E não é que faltam pouco mais de 40 dias para começar a Copa do Mundo 2014, no Brasil? O cobiçado troféu baixou na capital baiana por dois dias (30 de abril e 1 de maio), exposto no salão de entrada do Salvador Shopping, trazido por Bebeto e tendo como anfitrião o Bobô, para apreciação pública gratuita, cheio de garantias, normas e seguranças. Imagina, é ouro puro, maciço.
Mas não vejo ruas sendo enfeitadas, bandeiras nas janelas, comércio pulsante com as cores verde-amarelo, nenhum entusiasmo. A não ser o espaço no noticiário esportivo. Será o reflexo do movimento ‘Não vai ter Copa?’
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- Sim, parecemos uma cambada de gente esquisita perante o mundo. Siga meu tirocínio: todos os países escolhidos para sediar uma Copa do Mundo capricharam em mostrar ao resto do planeta o que tinham de melhor. Seus avanços, sua cultura, paisagens, capacidade de realização, as belezuras de cada recanto etc e tal e coisa.
Vamos aproveitar, pois, para nos inserir no mundo como algo especial. Não? Ah, aqui no Brasil a gente curte a ocasião para expor nossas entranhas, as crecas, as mazelas todas desta Nação gigante. Da violência nas ruas ao maltrato humano, ao desprezo com a coisa pública, a usura no que é alheio. Estranho Brasil vivemos.
‘Não vai ter Copa!’, pregam alguns. Como assim? E outros tantos tacam fogo em ônibus, pneus, e haja greves, e assassínios de todo naipe, inclusive da polícia que era para guardar a vida do cidadão, e dilapidam a PTobrás (assim mesmo) e os políticos se locupletam, a inflação mostra os dentes, as Arenas atrasam, o dinheiro some, e as obras de infraestrutura não acontecem, atrasam, e o legado vira um ‘foda-se Fifa’, esse é o ‘padrão Brasil’, de agora.
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- Em uma reportagem sobre a Copa, publicada semana que passou, o “The New York Times” refere-se ao atraso e aos incalculáveis custos dos novos estádios. E muito mais. A matéria intitulada “Do boom à ferrugem” exibe em sua versão on-line fotos e mais fotos de Daniel Berehulak e um vídeo de 3’30” mostrando obras do governo abandonadas país afora. A Transnordestina, do PAC, o Museu do ET de Varginha (MG), as usinas de energia eólica de parques, ao léu, sem conexões com redes de energia; o famoso Hotel Glória, no Rio, que recebeu financiamento do BNDES e tantas outras mais. Mostra nossa incapacidade sistêmica de realizar. Como se pode falar de desenvolvimento?
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- Vi outro dia, nas redes sociais (Facebook) um vídeo de pouco mais de 2’, da ‘TV Revolta’, áudio em inglês, sobre a cruel realidade brasileira, aquela que está fora do mundo da copa/FIFA e distante também das propagandas de governo. Tá rodando mundo, bombando. Um escândalo e, juro, nenhuma inverdade sobre a nossa miséria urbana e social, a desgraceira cotidiana. Ao cabo, dá indignação por dentro, um asco, tristeza profunda. Revolta ... de mermo.
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Enquanto isso... ‘o tempo passa, o tempo avoa’ .
- Todos sabemos que ainda não estão prontos o Itaquerão (SP, estádio da abertura da Copa), a Arena Pantanal (Cuiabá), a Arena da Baixada (PR)... e alguns grandes aeroportos como o de BH, Salvador, Fortaleza, Cuiabá ... que vão funcionar a meio pau. Mesmo assim, para não afugentar mais ainda os ‘visitantes’, sobretudo europeus, o discurso ‘oficial’ passou a ‘unificado e otimista’, por parte da FIFA e do governo, de olho nos patrocinadores.
A presidente Dilma, que nem é chegada assim a bola, já celebra o Mundial e anda dando seus desajeitados chutinhos em cada pelota que perereca em sua frente. Em entrevista feita no Pará, onde foi vaiada, disse: "Nós fazemos a nossa parte. Os estádios estão prontos, os aeroportos estão prontos. Eu não tenho dúvida de que, tanto fora de campo como dentro de campo, nós vamos mostrar a força do nosso país".
- Sobre os aeroportos inacabados o governo garante (?) que é mínima a chance de ocorrerem problemas. Acho que nem o pessoal de Brasília acredita nisso. Mas o tráfego aéreo será fechado boa parte do dia nas cidades em que tiver bola rolando, e serão decretados pontos facultativos e feriados em dias dos jogos, além do que as escolas darão férias no mês da Copa... assim esperam diminuir os congestionamentos.
Já o ministro Moreira Franco, da Aviação CIvil, surpreendeu admitindo riscos de apagão elétrico no Galeão. O que não é novidade. Apagões e pisca-piscas têm sido comuns aqui e acolá pelo país.
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- Outro dia o governo federal promoveu um evento em São Paulo para, segundo as fontes oficiais, desestimular os protestos na Copa. O ministro Gilberto Carvalho à frente, 300 sindicalistas e lideranças dos chamados ‘movimentos sociais’, mais protestos. O ministro: “O governo está determinado a romper a desinformação ou meias verdades que fazem os manifestantes acreditarem que a Copa é o paraíso dos ladrões e que a Fifa impôs o que quis." Então ?
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- Quanto à questão da segurança, nem se preocupem... Além das Forças Armadas, das polícias Federal, Militar, Civil e Rodoviária, de milícias treinadas por mercenários norte-americanos, além dos inúmeros serviços de segurança privados da FIFA, do Brasil e do exterior, teremos ainda a preciosa ajuda da Polícia de Moçambique, acreditem, para ajudar a manter a ordem e o progresso na pátria amada durante os jogos da Copa. Não é chiste, deu nos jornais de Maputo, semana passada. Notícia quente no impresso ‘Notícias’ e no site ‘Diário do Poder’.
O efetivo moçambicano não sabemos, deve ser segredo de estado, mas foi dito que eles atuarão sob comando de oficiais brasileiros. Sabemos, outrossim (cabível, no contexto), que a polícia daquelas bandas d’África é tida como uma das mais violentas do continente irmão, e que eles atuarão no Rio de Janeiro, inclusive nas bordas do Maracanã no dia do jogo final da Copa. Emoções fortes, esperamos, dentro e fora das quatro linhas.
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- No mais, nossa presidente, a tia Dilma, garante: “Eu não temo as manifestações, mas posso garantir que ninguém vai chegar perto das seleções, vai encostar a mão nos desembarques e a caminho dos estádios como fizeram na Copa das Confederações cercando o ônibus da Itália. Isso é inadmissível. Vamos usar as bases aéreas para as delegações subir e descer nos aviões. Todos vão estar protegidos, desde as delegações aos chefes de Estado, torcedores. Fora dos estádios, eu garanto. Dentro dos estádios, a responsabilidade é da Fifa.”
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- Ah, sim, falando de bola... a convocação da seleção do Felipão (quanta rima, pai) sai no dia 7 de maio. Sem novidades. Senão, vejamos:
Goleiros - Júlio Cesar, Jefferson e... Vitor(?) ; Laterais – Dani Alves, Marcelo, Maxwell e Maicon ou Rafinha; Zagueiros - Tiago Silva, David Luis, Dante e Dedé ou Miranda? ; Meiocampistas - Luis Gustavo, Ramires, Paulinho, Fernandinho, Oscar, William; Atacantes – Neymar, Fred, Jô e Hulk.
Grupo Fechado ou teremos alguma surpresa?
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- O Brasil entrará em campo de camisa amarela, calção azul e meiões brancos apenas no duelo com o México, no dia 17 de junho, em Fortaleza, a segunda partida do Brasil na primeira fase. Contra a Croácia, na estréia, em 12 de junho, no Itaquerão, e também contra Camarões, no dia 23 de junho, em Brasília, o Brasil usará camisa amarela com calção e meiões brancos.
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- Dani Alves, lateral direito da seleção e um dos melhores do mundo há anos seguidos, baiano de Juazeiro e revelado pelo Bahia virou ‘celebridade do momento’ ao comer uma banana que lhe foi atirada em campo por um imbecil racista, antes de bater um escanteio para o seu time, o Barcelona, no jogo contra o Villarreal, na Catalunha. Simples, criativo, intuitivo, bem humorado e genial foi o seu gesto. Caiu na rede e um mundaréu de gente ‘pongou’ no ato, buscando os holofotes. Viva Dani! Quanto ao resto ...
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- O ex-jogador Coutinho, o mais famoso dos parceiros de Pelé no Santos, campeão mundial com a seleção brasileira em 1962, cacetou o ‘astro’ Neymar, a estrela maior do Brasil na Copa que está nas bocas. Disse que o jogador do Barcelona é "cai-cai" e ignora o coletivo. "... parece que joga de patinete, deveria se esforçar pra ficar mais em pé... e só se fala nele, é tudo sobre ele, acho isso uma idiotice... eu imagino que os caras que jogam do lado dele devem se sentir uns merdas... toda essa babação em cima dele não fazem com ninguém, não fizeram isso nem com o Pelé, não faz sentido". Ele sabe o que está falando. Coutinho jogava demais.
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- Na Bahia, o CT-Centro de Treinamento da Croácia, localizado em Praia do Forte, litoral norte do estado, município de Mata de São João, foi ‘inaugurado’ no dia 28 de abril, mesmo com os vestiários ainda sem chuveiros, sanitários, pias e armários, sem sala de imprensa, sem estacionamentos e com a entrada em barro batido. A Croácia chega a 3 de junho e o pessoal está no corre-corre para aprontar o que falta.
O CT da Alemanha está em fase de conclusão, bancado por alemães, em Santa Cruz de Cabrália, no litoral extremo sul da Bahia. Lá tudo começou do zero e, dizem, vai ficar um brinco, em tempo recorde. Caprichos germânicos.
A delegação da Suíça vai se abrigar em Porto Seguro, também no litoral sul, onde, dizem, o Brasil foi achado pelos portugueses em 1500. O estádio municipal foi todo reformado e a cidade tem ótimas acomodações, é um dos pólos turísticos do Estado.
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Historiando:
- A Copa do Mundo de 1954 foi a primeira da qual encontro algum vestígio na velhaca memória, pois tinha 6 anos, já dormia abraçado a uma bola, amava o Bahia, conhecia a Fonte Nova... e ouvi a transmissão dos jogos pelas emissoras de rádio do sul do país, colado naqueles caixotes de válvulas com seis faixas onde, diante dele, minha mãe se postava e chorava com as amigas vizinha ouvindo novelas. Eu também escutava os gritos de gol berrados pela boca de um alto-falante que ficava no alto da mangueira imensa fincada bem defronte da casinha onde morava, no subúrbio ferroviário de Salvador, no Lobato, a uns 20 metros da linha do trem que passava barulhando e fazendo o chão tremer a cada 10 minutos.
- “Gol de Baltazar, Gol de Baltazar! / Gol de cabecinha, doís a zero no placar!”. De tanto ouvir durante a Copa esse refrão grudou no juízo, até hoje. Baltazar era o centroavante do Corínthians e da seleção de 54, artilheiro que fazia a maioria de seus gols em cabeçadas cantadas em verso e prosa.
Suas habilidades, no entanto, não foram suficientes para que o Brasil passasse das quartas-de-final, quando levou uma ‘rolha’ de 4 x 2 do espetacular time da Hungria de Puskas, Kocsis, Czibor e Hideghuti, no dia 27 de junho, em Berna, Suiça. Foi um jogo violento, chamado de ‘a batalha de Berna’, com pênaltis, expulsões e a mídia esportiva brasileira acusando o árbitro Mister Ellis (Artur Elis, um inglês) de ser um ‘ladrão a serviço do comunismo’ húngaro. Baltazar, aliás, nem jogou essa partida.
- Individualmente, o Brasil, que pela primeira vez vestia a camisa amarela, tinha um timaço (Castilho, Djalma Santos, Pinheiro, Bauer, Nilton Santos, Eli do Amparo, Brandãozinho, Dequinha, Didi, Rubens, Julinho, Baltazar, Pìnga, Maurinho, Índio... e o treinador era o retranqueiro Zezé Moreira), mas sofríamos ainda do tal ‘complexo de vira-latas’, como dizia o grande Nelson Rodrigues. Nenhum senso coletivo em campo.
A fantástica Hungria cairia, na final, para a disciplinada e tática Alemanha de Fritz Walter, um meia que marcou época, por 3 x 2, num dos jogos mais eletrizantes de todas as finais de copas.
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- No Brasil de 1954 já havia tevê em preto & branco nas grandes capitais do Sul, Rio e São Paulo, cada uma com mais de 2,7 milhões de habitantes, onde tudo acontecia. Vivíamos a chamada ‘era do rádio’, e o ‘reino’ de Assis Chateaubriand, o homem dos Diários Associados, da revista O Cruzeiro, ele que trouxe a TV para o Brasil em 1950. A campanha ‘O Petróleo é nosso’ unia e enchia o país de orgulho nacional. O Brasil entrava na era industrial, de verdade, e a Bahia crescia e se projetava com a criação da Universidade, a chegada da Petrobrás, a Fonte Nova, a rodovia Rio-Bahia, a difusão da baianidade festeira e africana, com a projeção das artes e da cultura que vicejavam a partir de Salvador, a ‘cidade da Bahia’ cantada por Caymmi, descrita por Jorge Amado, desenhada por Carybé, fotografada por Verger...
- O presidente Getúlio Vargas estava no seu quarto ano de mandato, querido pelo povo mas enfrentando uma crise institucional feroz, com seus inimigos políticos (o carioca Carlos Lacerda à frente) acusando os altos escalões do governo de corrupção. Alquebrado e impotente diante das pressões, a que chamou de ‘mar de lama’, Getúlio suicidou-se com um tiro no peito, no dia 24 de agosto, em seus aposentos presidenciais. Uma comoção no país.
- No campo da bola, o nosso ‘complexo de vira-latas’ só seria superado quatro anos depois, na Suécia, com atuações soberbas de um príncipe etíope chamado Didi, de uma descendente de índios, de pernas tortas, chamado Garrincha, de uma enciclopédia branca de nome Nilton Santos... e de um negrinho de 17 anos que encantou o mundo e se tornou o Rei do Futebol para sempre: Pelé. Mas isso é outra história.
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zédejesusbarrêto é jornalista e escrevinhador, baiano
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