Esportes
Zé de Jesus Barrêto
15/07/2010 às
13:23
A ARTE DE VOLTA AOS GRAMADOS
A Espanha é a nova escola do futebol
Foto: EFE |
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A Espanha cria um modelo e se consagra no mundo do futebol |
A vitória da Espanha na Copa da África foi um alento para os que gostam de futebol como algo mais que uma simples competição em campo. A Espanha campeã resgata o futebol como mais que um jogo qualquer. Futebol é o mais popular de todos os esportes porque é também arte, produto da cultura de alguns povos.
Em cada canto do planeta desenvolveu-se um jeito próprio de se jogar futebol. Criou-se, dessa forma, o que se chama de ‘escola' de jogo. Há formas diferenciadas de se jogar futebol.
Há uma escola inglesa de futebol, um estilo, baseado(a) nos cruzamentos, nas bolas altas pra dentro da grande área, dos chutões, das cabeçadas. Assim sempre foi o futebol inglês, devido aos campos encharcados na maior parte do tempo, fundamentado na força física e na altura dos atletas, no pragmatismo da vitória acima de qualquer coisa. Então, quanto mais a bola longe da nossa área e próxima da área adversária melhor.
No norte europeu todos, quase, jogam assim, com pequenas alternâncias em função da cultura e característica histórica de cada povo.
A mais significativa alternativa desse estilo de jogo inglês - afinal foram eles os criadores do ‘footbaal'=bola no pé ou pé na bola -, no norte europeu, é o futebol alemão. O estilo germânico, em geral, é o mesmo, de bolas longas, objetividade... e mais a obstinação, o nunca e jamais se dar por vencido, uma característica histórica do povo alemão, forjado nas grandes guerras. O alemão combate com a mesma intensidade de força até o fim. Não é à toa que venceram três copas, duas quase impossíveis, como a de 1954 contra os maravilhosos húngaros do grande Puskas, e a de 74 contra a extraordinária Holanda, a ‘laranja mecânica' comandada por Cruiff.
Ganharam com tenacidade e competência tática. Sem discussões.
Mais para o sul da Europa temos a escola latina: Itália, França, Portugal e Espanha. Hoje em dia, um pouco a Grécia também. Aí a bola rola mais no chão, o jogo é mais jogado com a bola nos pés. Desses países latinos citados, a Itália é a maior vencedora, com seu jogo aguerrido, tático e, sobretudo, um sistema defensivo de marcação exemplar. Eles criaram o líbero, aquele zagueiro que sobra para fazer a cobertura e armar os contragolpes com passes certeiros. Dizem que puseram esse ‘beque de espera', sobrando, para conter Pelé, nos bons tempos do Rei, imarcável, como Garrincha.
Os italianos criaram o ‘catenaccio', espécie de ‘ferrolho' defensivo, forma letal de vencer jogos contra equipes mais poderosas, times mais ofensivos. Os italianos se fecham no campo defensivo e contra-atacam de forma contundente aproveitando-se de um descuido, de um errinho de passe do adversário. Assim eles nos venceram em 82, com três gols de Rossi, na tragédia do Sarriá. E olha que tínhamos um time de craques como Zico, Sócrates, Falcão, Junior, Leandro, Cerezzo, treinado pelo grande Telê Santana.
Nessa escola latina européia já tivemos ótimas seleções, como a portuguesa de 1966, de Eusébio e Colluna; a francesa de Platini e Tigana, ou a campeã do mundo do craque franco-argelino Zidane. Equipes leves,de boa técnica, toque de classe, bola no chão, craques talentosos e conjunto harmonioso.
E agora, na África do Sul, o belo exemplo da Espanha de Iniesta, de Xavi, de Villa, atletas de um metro e setenta de altura apenas, um time envolvente e paciente no seu toque sutil, na valorização da posse de bola, bem o jeito de jogar do time catalão Barcelona, um estilo muito conhecido nosso, quase argentino, quase brasileiro.
E temos e escola latinoamericana, com dois estilos parecidos e distintos: o brasileiro e o argentino. Pelas bandas de cá a pelota rola mais pelo chão, o jogo parece mais curto, a troca de passes parece um atalho para surpreender o adversário, há uma preocupação e um prazer maior de estar com a bola nos pés.
O argentino é mais milongueiro, malicioso, com melhor postura coletiva, um tango. O brasileiro apôs uma pitada mais individualista, a valorização do drible no momento e no lugar certo como um jeito de surpreender, tornando o jogo numa maliciosa brincadeira bola. Um samba.
Heranças mulatas de Domingos da Guia, de Leônidas da Silva, de Zizinho, de Pelé, Didi, Garrincha, Zico, Rivelino, Tostão, Ronaldos, Robinho, Neymar... Um jeito, uma escola, um estilo brasileiro de jogar bola.
Estilo que influenciou e influencia o jovem e ainda ingênuo futebol africano, até o futebol japonês que vimos nesta última Copa do Mundo.
O chamado futebol-arte apresentado ao mundo pelo time brasileiro de 1950, com as fantásticas seleções de 1958, de 1970, a de 1982 (mesmo perdedora), e até um pouco o time de Felipão, campeão na Ásia. Foi do que mais sentimos falta nessa seleção de Dunga derrotada na África do Sul: cadê os dribles de Robinho, a malícia, o toque, o lançamento de curva, o chute surpreendente de longa distância, a arrancada fatal, a catimba brasileira, a tocaia tática?
Ora, os holandeses nos ganharam na manha, nos ‘engrupiram' em campo. Aceitamos a derrota, com os nervos em frangalhos, sem um mínimo de imaginação.
Voltando ao início...
A ‘fúria' Espanhola resgatou o verdadeiro futebol nos campos da África do Sul. Vendo o insistente e demolidor toque de bola do time espanhol, quase o tempo todo com a pelota, trocando passe curtos, minando o adversário, preparando o golpe fatal... relembrei do ‘toco y me voy' argentino dos bons tempos, com triangulações constantes em todo o espaço do campo, irritando o adversário, sem deixá-lo jogar, marcando o campo inteiro e logo retomando a posse da ‘jabulani' assim que ela escapava e impondo seu estilo leve, constante, sinuoso e bonito de se ver. Feito a dança flamenca.
Arriba Espanha! Terra de Picasso, Dali, Gaudi ... da garra catalã de Puyol, da firmeza de Casillas, da segurança de Piquet, da ousadia de Busquets, do talento de Xavi, da classe de Iniesta, da contundência de Villas, da serenidade no banco do Sr. Del Bosque. Olé !
Que nós, brasileiros, e los hermanos argentinos tomemos como exemplo a Espanha campeã.
E resgatemos para dentro dos gramados latinoamericanos o toque de classe e a malícia da nossa escola, o estilo de jogo que nos consagrou como grandes artistas com a bola nos pés. De volta a argentina de Sanfelippo, de Di Stefano, Kempes, Ardilles, Maradona...
De volta, já, a eternidade do absoluto Pelé; os dribles de Garrincha e Robinho; os passes de Rivelino, Gerson, Didi; a objetividade de Zico, de Ronaldo, Romário; a inteligência de Tostão, Nilton Santos, Bebeto; a garra de Zito, Clodoaldo; a classe de Falcão, o estilo de Ademir da Guia...
Vamos resgatar a beleza e o jeito de jogar do verdadeiro futebol brasileiro! Com posse de bola, jogadas de linha de fundo, trivelas, curvas, ousadia, talento livre em campo, velocidade e inteligência. Já, senhores treinadores, em todos os campos de bola deste Brasil !
Antes que o vexame de 2010 na África do Sul se transforme numa grande tragédia brasileira em 2014.
Amém.
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