Crônicas de Copacabana
Nara Franco
04/03/2019 às  11:44

Resistir como Alfredinho do boteco Bip-Bip

Dono de um dos botecos mais estimados do Rio pela boa música


Resistir está na moda - como se a gente não resistisse todos os dias às bizarrices desse país. Mas resistir Mesmo - com M maiúsculo - era talento do Alfredinho, dono e alma do Bip Bip, boteco tradicional de Copacabana e do Rio de Janeiro. Alfredo Jacinto Melo, 75 anos, assim como Vadinho, marido de Dona Flor, personagem mítico de Jorge Amado, morreu durante o carnaval, deixando muita gente boêmia do Rio triste. 

O Bip Bip é um boteco apertado em Copacabana, daqueles que se você passa assim muito rápido, nem vê que está ali. Não tem garçom e mal tem cardápio. Tudo é na base da confiança. Você pega a cerveja e paga. Se não pagar, ninguém vai saber. O importante no Bip Bip é não atrapalhar a música. O bar reúne a nata da música carioca, do samba ao chorinho. 

Alfredinho era o dono de bar mais mal humorado que existia. Não podia cantar alto por causa da vizinhança. Não podia bater palma. Conversar durante a música? Nun-ca. Alfredinho dava esporro mesmo, dava indireta, mandava sair. Era sistemático, baixinho emburrado. O bar era da música, não do cliente.

As músicas tinham que ser cantadas baixinho para que a voz do cantor ou cantora sobressaísse. No lugar as palmas, bastava estalar os dedos. A música era no gogó mesmo, sem caixa de som, sem microfone, nada. Era no estilo cru, natural, afinado, de categoria. 

Alfredinho acompanhava tudo atento, anotava o consumo de cada cliente, discutia política e o Botafogo, seu time de coração. Mas sempre nos intervalos. O Bip Bip fica no meio de uma zona residencial e as regras rígidas deram ao bar longevidade. Foi aberto em plena ditadura como um espaço de resistência e sempre foi isso, um espaço de resistência da boa música, do samba, da cultura do Rio. 

É frequentado por jornalistas, músicos, poetas, compositores, políticos. Um reduto intelectual da burguesia carioca, como se costuma dizer por aqui. 

O bar é lotado de fotos de Alfredinho com fregueses célebres, crônicas de jornal, prêmios e, claro, fotos do Botafogo. Como um bar tão simples resistiu por tanto tempo no mesmo endereço e com a mesma dinâmica, são coisas que só o coração explica. 

O Bip Bip é aquele tipo de bar que resiste às modas porque sua essência não muda. Sempre foi um local diferente. Pelo tamanho, pela decoração, pelo fato de as únicas mesas do bar serem para os músicos e não para os clientes, pela música de primeira, pelos clientes assíduos, pelos não assíduos. 

Ano passado, já debilitado fisicamente, Alfredinho foi preso. No bar houve um ato em prol de Marielle Franco, um militar que estava vendo o show não gostou, houve confusão e Alfredinho acabou preso. Algo que o abateu demais, que já andava triste com o cenário político do Brasil. 

Hoje, li no Twitter ou Facebook de Juarez Becosa, um notório boêmio carioca, que Alfredinho morreu de Brasil. Estava cansado. Não pertencia a esse país estranhamente conservador, militarizado, sem amor à cultura ou a música popular. 

No sábado de carnaval o Bip Bip lotou. Foi uma roda de samba triste. Alfredinho morreu em casa, dormindo. Será velado na sua casa verdadeira na segunda-feira de carnaval. Que o Bip Bip resista. Porque Alfredinho vai gostar de ver seu bar seguindo carreira. 

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Não conheci Alfredinho e nem era figurinha carimbada no bar. Fui algumas vezes, apreciei as rodas, mas jamais tive a intimidade de chama-lo de Neném, como os mais próximos o chamavam. Mas senti a perda. Como não? Quem tem um pé ou dois na boemia, vai sentir. É um cara bacana a menos num mundo com caras não tão bacanas demais. 

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O prefeito fez de tudo para o carnaval ser um fiasco. São Pedro não está ajudando. Quando fui ao Boitatá, dia 23, fazia uns 50 graus no Centro da cidade. Qualquer sombra era mais disputada que cerveja gelada. Nesse fim de semana, chove baldes e mais baldes, chegando a suspender a passagem de blocos. Mas o carnaval resiste. Porque resistência não é a palavra da moda à toa. Evoé!


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