Crônicas de Copacabana
Nara Franco
30/07/2017 às  19:35

Crônicas de Copacabana: Kátia Flavia chega aos 30

Essa peculiaridade do bairro é o que torna a Princesinha do Mar única. Tudo pode. O travesti e a viúva do militar na fila da padaria.


    Quando começamos a falar em datas cheias, coisas de 20, 30 anos, é porque a idade está se aproximando de dígitos alarmantes. Essa semana fiquei sabendo que a Godiva de Irajá, de Fausto Fawcett, completou 30 anos. Socorro, né? Para quem não lembra, a louraça Belzebu se escondia aqui em Copa. 

Final dos anos 80, o rock nacional já estava consolidado e surgia aquela figura quase que saída de uma tirinha do Angeli, o cartunista que criou ninguém menos que Rê Bordosa, figura mais icônica do underground paulista. Fausto tinha tudo para desfilar seu funk meio rap na Augusta. Mas seu ponto era a Prado Junior, o quadrilátero dos inferninhos. O bairro solar e movido à praia tinha sua voz cyberpunk transgressora. Uma pena que o funk carioca que acostumamos a ouvir hoje em dia passa muito longe do funk de Fausto. Empobrecemos. 

Na última crônica falei desses dois lados do bairro. De dia, solar, atlético, caseiro e familiar. A noite cai e tudo se transforma. A marginália entra em cena. A vocação boêmia porém, sempre existiu. Não podemos esquecer que a Bossa Nova nasceu aqui, no Beco das Garrafas, ali na Rua Duvivier. Nara Leão fazia saraus em sua apartamento na Avenida Atlântica, que reunia o melhor da MPB quando nem havia MPB. 

A década de 50/60 levou com ela essa boemia meio romântica para dar lugar ao submundo cantado pelo poeta, escritor, compositor, roteirista e ator. A Copacabana das loiraças de calcinhas bélicas, da Galeria Alaska e das boates de stripper. 

Ex-miss Febem, encarnação do mundo cão, Katia Flavia foi parar no Fantástico! Dá para imaginar a família brasileira frente à TV ouvindo a história de uma mulher que "só usa calcinhas comestíveis e calcinhas bélicas, dessas com armamentos bordados"? Nota-se que em 30 anos nossa TV regrediu. Hoje é só dor de corno e fossa sertaneja universitárias. Onde foi parar a transgressão, meu Deus??

Fausto batia ponto no Galeto Sat's, boteco que ganhou fama recente (e que tem a melhor farofa de ovo do mundo!), para observar o vai e vem de tipos copacabanenses. Sua fixação eram e ainda são as loiras, daí o nome Fausto Fawcett (de Farah Fawcett). O clip de "Katia Flavia" deu celebridade às loiras adoradas pelo poeta, que tempos depois lançaria um show/performance chamado "Básico Instinto", em referência ao filme estrelado por Sharon Stone. 

"Gosto de dizer que Copacabana me deu a papelaria inteira, me preparando pra várias overdoses de vivências e surpresas existenciais . Meus textos, meus temas, minha escrita estão ligados à alquimia peculiar de sub mundos e clandestinidades, escritórios, clínicas, consultórios, praia, montanha, todo tipo de gente , todo tipo de serviço, todo tipo de polícia e bandidagem e paisagem imobiliária muito concentrada em quatro quilômetros e pouco de Copacabana", disse Fausto em entrevista ao site Select, em 2016. 

Essa peculiaridade do bairro é o que torna a Princesinha do Mar única. Tudo pode. O travesti e a viúva do militar na fila da padaria. A puta e os atletas da orla dividindo uma água de coco às 9h da manhã no quiosque da praia. Tudo isso com uma naturalidade surpreendente até para os povos mais evoluídos. Da minha parte revelo que não tinha idade para ver o show. Em 1987 eu tinha 17 anos e estava me preparando para o vestibular. Não pude conferir de perto Regininha Poltergeist e Marinara. Ok .. não dá para fazer tudo em uma vida. Mas já comemorei um título do Botafogo (e nem torço pro Botafogo!) na Prado Junior. Mas esse é tema para a próxima crônica. 


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