Estamos praticamente à véspera das comemorações dos 200 anos da Independência da Bahia que aconteceu a 2 de julho de 1823 após o fim da rebelião provocada pelo comandante das tropas portuguesas estacionadas em Salvador, brigadeiro general Inácio Luís Madeira de Melo, o qual comandava a Divisão Auxiliadora, que retornou à Lisboa ileso sem sofrer um arranhão.
E há vários episódios interessante no decorrer as lutas e que vamos comentar, a queixa do general francês Pierre (Pedro) Labatut, comandante em chefe do Exército Libertador organizado pelo imperador Pedro I e José Bonifácio de Andrade e Silva para prender Madeira e sufocar a rebelião, dando conta de os senhores donos de Engenho colaboravam no esforço de guerra, mas os filhos e parentes deles (salvo raras exceções) não se alistavam para lutar.
E, mais emblemático, ainda, aconteceram denúncias (infundadas) dando conta de que coronel Felisberto Gomes Caldeira, comandante da Brigada da Esquerda, conspirava e era cabeça de um plano com o objetivo de depor e prender o general Pedro Labatut, do comando geral do Exército Pacificador. Diante de tal ameaça, os informes chegaram ao conhecimento de Labatut, através do seu secretário José Maria Cambuci do Valle, este agiu rapidamente e determinou a prisão e o encarceramento de Felisberto na Fortaleza de São Lourenço, em Itaparica.
Assim conta Ignácio Accioli e Braz do Amaral em "Memórias Históricas e Politicas da Bahia", volume IV, Nota 1: "Falava-se na existência de um plano entre alguns officiaes, tendente à prisão e à deposição do seu general do comandto em chefe, e era indigitado como principal agente de tal conspiração o coronel Felisberto Gomes Caldeira, contra quem outros de boa fé jamais admitião essa suspeita...e no dia 19 de maio o coronel Felisberto foi intimado a comparecer no quartel do tenente-coronel José de Barros Falcão, a fim de ahi conferirem e serem lidas as instruções, que, dizia haver recebido da côrte, e quando o coronel chegou foi preso e remetido para a ilha de Itaparica recomendando ao governador toda cautela na sua guarda, onde seria conservado incomunicável".
Essa ordem foi assinada por Labatut, no Quartel general em Cangurungu, em 20 de março de 1823, e o governador da Itaparica era o tenente coronel Antonio de Souza Lima. Labatut também determinou a prisão do coronel Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, o que não aconteceu porque a noticia da prisão de Felisberto logo se espalhou, e também oficiou ao coronel José Joaquim de Lima e Silva, comandante da Brigada do Centro, que marchasse imediatamente com o Batalhão do Imperador, para onde ele também seguia com a cavalaria, para combater a tropa do 3º Batalhão, aliado de Felisberto, que não aceitava a sua prisão.
Essa ordem de Labatut foi submetida ao conselho militar e no dia 21 de maio de 1823, no acampamento de Pirajá onde estavam acampadas as Brigadas da Direita e do Centro, sendo convocados os oficiais, ten-coronel José de Barros Falcão, comandante da brigada da direita; coronel graduado José Joaquim de Lima e Silva, comandante da brigada do centro, "e por este último foi proposto que acabara de receber o officio constante da cópia inclusa, em que o Exm. brigadeiro Labatut, general deste exército lhe ordenada marchasse já e imediatamente com o seu batalhão de Armações contra indivíduos da brigada da esquerda...() Que esta medida parecia a elle coronel muito precipitada, visto que della resultaria a guerra civil entre o exército, derramando-se o sangue brasileiro, por intrigas e caprichos particulares, como era constante a todo exército e a Provincia".
Nessa reunião decidiu-se pela unanimidade de votos não cumprir a ordem de Labatut, pedir o afastamento do seu secretário José Maria Cambuci do Valle, que tinha fama pública de ser venal e encrenqueiro e, ademais, "fazia a cabecça" de Labatut, exigiu-se a libertação do coronel Felisberto "comandante da brigada de esquerda, militar este bem conhecido por seu patriotismo incansável, determinando-se, ainda, a prisão do general Labatut e do seu seceretário, e que "se rendesse tudo isso conta a S.M.I. participando-se imediatamente os governos da Província, para que resolvesse quem deveria ficar governando o exército".
"E que, enquanto não chegasse a decisão do mesmo augusto senhor, ficassem sobre os negócios do exército os comandantes das três brigadas, e eu, José Pinto da Silva, alferes do Batalhão do Imperador, nomeado para escrever esse termo, o escrevi e assinei. Em seguida assinam: José Joaquim de Lima e Silva, comandante da brigada do centro; José de Barros Falcão de Lacerda, da brigada da direita; Joaquim Francisco das Chagas, coronel comandante do 4º Batalhão de Caçadores; Joaquim Satyro da Cunha, major comandante de Artilharia; padre Bento Januário de Lima e Camará, capelão do Batalhão do Imperador; Manoel Gonçalves da Silva, tenente coronel comandante do 1º Batalhão de Linha Bahiense, etc, etc, uma lista imensa até os tenentes.
Ou seja, selou-se a destituição do general Labatut do comando geral do exército e a rebelião interna avançou. Enquanto isso, nada de combates. A frente de batalha mais importante era em Pirajá, aparentemente vencida por Labatut com estimativa entre 80 e 150 mortes, e as forças dos dois lados estavam entrincheiradas, Madeira de Melo sofrendo a "guerra de cerco" já quase sem mantimentos e o exército pacificador rebelado. O comandante português não tinha forças para avançar em direção ao Recôncavo e os brasileiros estavam desorganizados. Entrou-se num impasse.
No dia 22 de maio, os capitães Miguel Joaquim de Andrade, João Chrysostomo da Silva, Antonio Correa Seara e o assistente de comissão José João Muniz, foram a Itaparica e exigiram do governador da ilha, Antonio de Souza Lima, a soltura de Felisberto, o qual, "cedendo à força das circunstância entregou o preso". Era preciso agir rápido para evitar uma "guerra civil" entre as tropas brasileiras, o que Madeira iria se beneficiar.
Libertado, o coronel Felisberto subiu a bordo do barco Villa de São Francisco, comandado por Fortunato Alvares de Souza, escoltando-o os barcos 25 de Junho - comandado por João de Oliveira Bottas; e D. Januária, comandado pelo tenente Felippe Alves dos Santos; barcos que foram perseguidos por uma flotilha portuguesa e Felisberto saltou no porto do Engenho Olaria, havendo um combate naval sendo que um tiro destruiu o mastro da nau D. Januária e Bottas numa manobra conseguiu aprisionar uma canhoneiras com 25 praças e armas, feito que lhe garantiu a promoção para capitão tenente promovido por Crochanne.
Neste mesmo dia 22, Labatut, seu secretário José Maria Cambuci e o oficial da secretaria José Mendes da Costa Coelho foram presos sendo nomeado o sargento-mor José Maria de Sá Barrêto para levar o oficio a Vila de Cachoeira, sede do governo patriótico, informando a real situação. No dia 23 de maio, diante de tão grave crise o Conselho da Vila de Cachoeira, em nome do imperador, decidiu nomear o comandante em chefe do exército o coronel José Joaquim de Lima e Silva, sessão presidida por Francisco Elesbão Pires de Carvalho; Miguel Calmon du Pin e Almeida, secretário.
O Conselho teria agido rapidamente pressionando pelos coronéis das brigadas que não admitiam mais o comando de Labatut, nem ficar esperando a indicação de um novo comandante indicado por dom Pedro I, que morava no Rio de Janeiro, e como quem bancava a guerra de cerco contra Madeira de Melo era os poderosos donos de engenhos de açúcar do Recôncavo, o que eles mais desejavam era o fim do conflito, pois, já durava muitos meses e estava atrapalhando seus negócios, Salvador a principal cidade consumidora de açúcar e sede do porto exportador.
Narra Acyyoli e Braz do Amaral (pag 21, 9) "Labatut no acto de ser preso sofreu os maiores insultos e desacatos, sendo o seu quartel cercado e invadido por uma grande partida de soldados, e outros praçaas tirados por contingentes do comando do major José Leite Pacheco e capitãop Manuel Marques Pitanga, a cuja testa se achava o major José Pedro de Alcantara".
Labatut ficou preso no Quartel de Cangunrugu até 31 de maio, sendo levado dia 1º de Junho para a Vila de Maragogipe. servindo-se de prisão a Casa da Câmara, sob a guarda do tenente-coronel Manoel Colombo Borburêma, até que chegasse a ordem de partir para o Rio de Janeiro, o que aconteceu no dia 19 de setembro, a bordo da embarcação Luconia, fundeada na Barra da Bahia. Labatut foi reintegrado ao Exército, combateu uma rebelião no Ceará e chegou ao posto marechal de campo. Em 1842, aposentou-se e veio morar em Salvador na antiga rua dos Barris que, atualmente, tem seu nome.
A guerra seguiu com a reformulação nos comandos do Exército Pacificador, em 28 de maio de 1823, com ordem do dia do comandante em chefe, José Joaquim de Lima e Silva; o estado maior com o ten-coronel Antonio Maria da Silva Torres e Antero José Ferreira de Brito; ajudantes de ordens, major Carlos Augusto Taunay e Ignácio Gabriel Monteiro de Barros, e ten João Manoel de Lima e Silva; e duas divisões com 4 brigadas, sendo as divisões comandadas pelo ten coronel José de Barros Falcão (a 1ª) e Felisberto Gomes Caldeira (a 2ª).
A partir do início de junho de 1823 Madeira de Mello organiza sua retirada e retorna a Portugal e o conflito entra no campo diplomático, praticamente sem ter mais "guerra", salvo um ou outro confronto. (Veremos isso na segunda matéria)
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