Política
Tasso Franco
21/01/2008 às  08:20

DOM JOÃO VI, LULA E A BAHIA

Nesta terça-feira, 22, completa 200 anos da chegada da Corte a Salvador


                O presidente Lula da Silva vem a Bahia no próximo dia 28 para reverenciar os 200 anos de parte da chegada da Corte Português a Salvador, aportada no dia 22 de janeiro de 1808, na Baía de Todos os Santos, à frente a rainha Dona Maria I, a louca, o príncipe regente Dom João (depois rei Dom João VI do reino Unido Brasil, Portugal e Algarve), o príncipe da Beira, Dom Pedro (depois Dom  Pedro I, imperador do Brasil, então com 9 anos de idade). Lula vem de avião partindo de Brasília, 1h35min de vôo, no super-Lula; enquanto Dom João levou 56 dias entre Lisboa e Salvador fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte e protegido pela esquadra inglesa comandada pelo almirante Sidney Smith.


                Hoje, os historiadores têm colocado Dom João VI não só como o rei bufão e comedor de franguinhos assados, sempre sujo e malcheiroso em sua casaca amarrotada, mas, como o único monarca que conseguiu se equilibrar no poder e enganar o então poderoso imperador Napoleão Bonaparte, o grande estrategista mundial do século XIX e responsável pelo redesenho da geo-política européia, além de ter sido o protagonista da façanha de ter sido o único monarca imperial a viver nos trópicos durante 13 anos. Uma façanha tão extraordinária que, aos olhos dos estudiosos da matéria latino-americana, não fosse esse gesto o Brasil não existiria, hoje, no formato que se apresenta, como uma Nação Continental, a maior  e mais importante da AL, integrada e falando a mesma língua.


                 Sabe-se, também, a partir de estudos de ingleses que pesquisaram os arquivos da armada de Sidney Smith, até a década de 1990 sem serem analisados pelos historiadores brasileiros e portugueses, que a presença de Dom João VI na Bahia não se deu por acaso ou porque uma tempestade levou parte de sua frota a ancorar na Baía de Todos os Santos, mas, diante de uma decisão política tomada pelo príncipe regente na terceira semana da viagem (praticamente rei porque sua mãe estava demente e afastada do poder) considerando que a Bahia, embora tivesse perdido o poder como sede da Colônia desde 1763, para o Rio de Janeiro, ainda era uma localidade politicamente poderosa, berço da futura nacionalidade, e que merecia seu afago diante das forças que aqui existiam.


                Tanto assim que Dom João VI, embora forçado a tomar essa decisão pela rainha dos mares, a Inglaterra, assinou o ato mais importante de sua permanência no Brasil, a abertura dos portos às nações amigas, um gesto de globalização (quando ninguém sequer sonhava em falar nessa palavra) num momento em que o país não era nada, a não ser um local promissor, porto de bons negócios, ouro à mancheia e ponto estratégico na linha Sul da América. Além disso, Dom João criou o primeiro curso superior no país, de medicina, instalou uma fábrica de vidro e outra de pólvora. E mais, rezou, andou pelas ruas da cidade, comeu franguinhos e foi-se embora para o Rio de Janeiro, para cumprir a sua missão estratégica, embora os dirigentes luso-baianos quizessem que aqui ficasse e estabelecessse a cabeça do reino Brasil/Portugal.


                A Bahia, portanto, em 2008, deveria lhe fazer uma reverência maior do que a ser promovida, minguada no plano cultural apesar do ministro da Cultura, Gilberto Gil, ser baiano, hoje mais interessado no seu Camarote Carnavalesco 2222 patrocinado por empresas multinacionais do que no significado da presença da Corte na Bahia e no Brasil, em síntese, responsável pela existência do Brasil como ele é. Diria mesmo, que salvo a reedição de um livro pela Fundação Pedro Calmon, sem nenhum acréscimo ao que já se sabe da história, apenas um repeteco sem grande significado, a Bahia deveria ter se preparado melhor para apresen tar algo mais expressivo . Se não vai fazer vergonha, até porque o presidente da República estará aqui para prestigiar o pouco que se fará, a programação é de uma pobreza franciscana.


                A rigor, o gesto do presidente Lula tem muito a ver com a atitude de Dom João VI, em 1808, transposta agora dois séculos depois, no sentido de prestigiar a Bahia e seu governador Jaques Wagner, alinhado do seu partido, tal como fez  Dom João em relação ao governador João Saldanha da Gama, o Conde da Ponte, no sentido de assegurar a fidelidade do seu mais importante governador no país, e especialmente no Norte e Nordeste, sinalizando de que embora retorne a Brasília (Dom João foi para o Rio de Janeiro), Wagner é uma das pérolas mais importantes de sua "Corte". E se Lula para cá não pode mandar um vice-rei como fez Dom João ao nomear o poderoso Conde dos Arcos para a Bahia, demonstra  que Wagner faz parte do top-de-linha do Planalto, a despeito da presença do atual Conde dos Arcos, Geddel Vieira Lima.


                A rigor, Lula tem dado demonstrações de afago à Bahia desde que Wagner assumiu o poder em janeiro de 2006, comportamento bastante diferente quando Paulo Souto era governador do Estado, e se mais não fez, como disse que cada governadorl tem que chorar mais do que o outro para conseguir as coisas no Planalto Central, deve-se, exclusivamente a moleza do governo baiano. Ainda assim, tem sido generoso, mais presente no Estado, liberando verbas, entregando o projeto mais importante do seu governo (a transposição das águas do São Francisco) ao comando de um baiano e de olho em Wagner por ser o governador mais importante de sua "coroa".


                Quando Dom João VI chegou a Salvador naquele distante 22 de janeiro de 1808, ancorando a nau Príncipe Real no Cais Dourado da Velha Bahia, na antiga Ribeira do Góis, não havia vivalma para recebê-lo. Avisado em palácio, o Conde da Ponte, então governador , tomou um barco apressado e se dirigiu a nau real quando foi inquirido pelo monarca: "Não vem ninguém da terra". Saldanha da Gama, em típico jeitinho luso-brasileiro desculpou-se quase se borrando na casaca: "Não veio imediatamente toda cidade porque determinei que pessoa alguma se aproximasse, sem que eu primeiro viesse receber as ordens de Sua Alteza". O regente então emendou tirando uma de Zé Bim: "Deixe o povo vir como quiser, porque deseja ver-me" , o popular , "que venha o povo".


                O governador então organizou uma boa recepção no dia seguinte quando, finalmente, o monarca pisou nas terras do Brasil, acompanhado de parte da família real, e se dirigiu à cidade-alta em cortejo  subindo a Ladeira da Preguiça, cortando a Gameleira, atingindo a Praça do Teatro (hoje Castro Aalves) até chegar a Câmara Municipal sendo recebido pelos vereadores. Daí seguiu para a catedral primacial (derrubada pelas picaretas do progresso, em 1939) onde o arcebispo Dom José da Santa Escolástica celebrou um Tedeum Laudamus.  À noite a comitiva recolheu-se ao Palácio do Governo e as festas continuaram nas ruas. Diz-se que vem daí o gosto dos baianos pelos festas populares.


                Obviamente que com o presidente Lula da Silva não acontecerá nada disto. Primeiro porque diante dos meios de comunicação atuais, o gover nador Wagner estará na Base Militar de Salvador para recepcioná-lo. Segundo porque, os governantes não andam mais pelas ruas. Têm medo de serem vaiados. Ademais, se Lula e Wagner fossem subir a Ladeira da Preguiça e atravessar a Gameleira, hoje áreas degradadas e com um misto de prostíbulos e invasões, ou se faria uma faxina nos locais ou teriam que usar protetores nasais. Por fim, Lula não é tão católico como era Dom João e Te Deum Laudamus é uma tradição que o cardeal Dom Geraldo Majella, o atual, celebra nas comemorações ao 2 de Julho.


                De toda sorte, a Bahia estará de braços abertos para receber o presidente da República nesta data tão significativa para o Brasil. Pena que a Bahia não venha a apresentar, em 2008, uma programação cultural a altura do acontecimento.  Não há, pelo menos que eu saiba, estudos e projetos, quer da iniciativa privada ou com apoio dos governos de publicações que venham acrescentar novos aspectos da presença da Corte em Salvador da Bahia. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais vão comandar essas ações com 40 novos trabalhos. Um deles (1808, de Laurentino Gomes, ed Planeta) já está à venda. Excelente.

                A velha cidade do Cais Dourado resta dizer: acorda Bahia.


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