O livro "A Nuvem" do jornalista Sebastião Ney, baiano de Jaguaquara e cidadão do mundo, editado pela Geração, 622 páginas, é uma aula de história, política, cidadania e bravura. Aliás, são várias aulas. Há, inclusive quem não goste de Nery, que o deputado cacique Juruna chamava de Neru, por sua forma direta de falar e seus altos e baixos na política e na vida de escritor e jornalista. "A Nuvem", no entanto, para quem aprecia a política, quem analisa os acontecimentos na Bahia e no Brasil, tem um inestimável cabedal de informações ditas por quem as vivenciou e sofreu na pele prisões e ameaças da ditadura militar recente no país (1964/1984) e foi protagonista de ações na Assembleia da Bahia e no Congresso Nacional, então vinculado, neste último caso, ao brizolismo.
A linguagem usada por Nery no seu livro é jornalística. Direta. Sem rodeios e sem papas na língua. Diz o que tem de dizer de forma clara e objetiva, desde sua passagem inicial nos bancos seminaristas de Amargosa e Salvador (Santa Tereza), e toda sua trajetória de vida. Hoje, beirando os 80 anos de idade, nós leitores deste autor de outros documentos do folclore político e de suas passagens no exterior ficamos felizes em receber esse brinde. "A Nuvem" é auto-biográfico sem que para isso o autor tenha recorrido a penas outras que não a sua, boa de leitura, com memória prodigiosa e alicerçada em documentos que foram suas matérias publicadas na imprensa nacional.
As passagens descritas pela Jaguaqura integralista do "Anauê, anauê! Deus Pátria e Família"!, idos anos anos 1937, seu tio Juca, os jornais locais daquela época, "O Rádio", do vigário padre Albérico Matos; "O Argonauta", de Argemiro Farias; e toda ambientação da sua família até chegar ao seminário de Amargosa conduzido por sua "nuvem" são simplesmente deliciosas. Como retrata Malcolm Gladwell nos dias atuais com seu on "The Tipping Point" (2000), o ponto da virada, já naquela época Getulista, o menino, o defuntinho da Fazenda Palmeira, enxergou esse saber de que não se pode ficar sentado na varanda esperando que as coisas caiam do céu.
Andar, mudar, apressar o passo, ousar, ter coragem, fé, sorte e todos os ingredientes que fazem de um personagem como Sebastião Nery exemplar quase único no Brasil porque sobreviveu a muitos tormentos e precalços com vida e está aí ainda com a lingua ferina e a tesoura afiada da palavra, não só para nos contar o que se passou, com o faz em " A Nuvem", mas, também para servir de exemplo a gerações. Tem a lucidez de mostrar como Brizola, a quem defendeu a ajudou em sua coluna para se tornar governador do Rio de Janeiro e até presidente do Brasil deu as costas aos seus companheiros, se atrelou ao chaguismo e naufragou no seu projeto Brasil.
Narra, também, muitas passagens da política baiana, entre elas, como Waldir Pires perdeu as eleições para Lomanto Júnior, em 1962, por não atacar Juracy Magalhães cujo governo descia a ladeira, em erro político e cabeça dura, turrão inflexível; e a passagem de Ulysses Guimarães, a "Batalha de Itararé", em 16 de maio de 1978, com Tancredo Neves, Roberto Saturnino, Rômulo Almeida, Freitas Nobre, Roque Aras, Marcelo Cordeiro, Domingos Leonelli, Clodoaldo Campos, Aristeu Nogueira e outros quando romperam o cerco da PM, das baionetas e dos cães no Campo Grande Salvador para realizar um comício, em plena ditadura militar.
O livro descreve, ainda, momentos do jornalista em sua profissão atuando em países da América Latina envolvida com ditaduras e governos de mudanças, vivências na Rússia, na Europa e nos bastidores das cozinhas políticas de Juscelino Kubitscheck, Leonel Brizola, Tancredo Neves, no PCB, UNE, A Tarde, Última Hora, Folha de SP, TV Bandeirantes e Tribuna da Imprensa, entre outros. Tudo isso com um amor invejável à cultura do jornalismo, do apurar a notícia, de expor ao leitores as informações sem medo e sem floreios, da forma como ela se apresenta. Para atuais jornalistas, então, diria que "A Nuvem" é leitura obrigatória, até memos para os pelegos que gravitam em movimentos sindicais e outras anistas.
No final do livro, para surpresa de muitos, embora nem tanto para quem conhece Nery, o capítulo 38 (O que ficou do que passou?) o autor encerra com apenas uma palavra: o amor.
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