Causos & Lendas
Lobisomem de Serrinha
23/07/2017 às
13:03
LOBISOMEM DE SERRINHA saboreia sopa de rabo de sucuri com forteviron
Lobisomem entra na polêmica da morte da sucuri e se assusta com a sofra oferecida pela empregada
Como sempre faço uma vez ao mês passei na Barbearia de Soté para aparar os pelos, tenda que fica no calçadão da Araújo Pinho, antiga rua do finado Mercado Municipal, e deparei-me com uma roda de amigos jogando dominó: Manoelito dos Anéis, Bino Pintor, um que me pareceu filho de Tuica, um dos Góes, o filho de Sêo Dôia da Loja de Esportes e a conversa girava em torno da suciri que mataram num sitio do Alto Sereno, arredores da área urbana da Serra, e que tanta polêmica provou nas redes sociais.
Mais até do que a leoa que teria fugido da jaula de um circo que se dirigia a Bonfim e devorou uma dezena de cabritos na Fazenda de Sêo Roque de Marcelino, objeto de versos e pesquisa de Galeguinho do Subaé.
Dei boa tarde ao pessoal, cumprimentei Soté e já ia subindo a escada que dá para o salão da tenda quando um deles, mais exaltado, disse que os lavradores fizeram certo em matar a sucuri porque isso é da origem do homem, da luta pela sobrevivência, e que vem dos tempos antigos, das savanas, quando bicho e gente eram parecidos e o homem caçador, embora mais frágil do que muitos bichos, sobreviveu porque era mais inteligente.
Fiquei calado porque, não sendo totalmente humano, tive que dar razão, mas, inquiri: - É quem lhe ensinou isso? - perguntei por curiosidade.
- Ora, os livros de história, o professor Clóvis Mota de quem fui aluno. E se a gente tá aqui jogando dominó, hoje, é porque nossos antepassados sapiens dominaram a terra com flechas com pontas de silex e depois com os canhões, observou.
- Mas não precisava ter matado a cobra - observou outro, salvo engano, o Bino - o qual pitou um cigarro e recomendou que a consciência ecológia, hoje, fala mais alto, e é preciso preservar algumas espécies animais.
Fiquei admirado com a erudita conversa e fui aparar meus pelos. Então, já sentado na cadeira, perguntei a Soté: - E você o que acha. Deveriam ter matado a cobra ou não?
- Olha Sêo Lobi, depois que a noticia saiu num site da capital foram tantos comentários nas redes sociais, que fico na dúvida se deveriam ter matado o bicho.
Eu também li e gostei do comentário de J. Monteiro, o qual disse: "A natureza passa anos para criar e o homem destrói em segundos".
- É. O homem não é brincadeira. Lá no bairro que moro, na Bomba, os meninos matam os calangos com badogadas e ainda saem arrastando eles pelos pescoços amarrados em cordões, bricando como se fossem carrinhos - frisou.
Terminado o afeitamento com talco no cangote e aqua velva na barba segui até o Boteco do Teco, na rua da Bela Vista, para tomar uma gelada ainda que o tempo na Serra esteja frio e merecesse mais um conhaque ou mesmo uma cachacinha em infusão de cobra na tenda de Sêo Djalma.
Tomei a Luis Nogueira, tive saudade dos papos que levava com Sêo Vadinho da Loja de Calçados, que Deus o tenha em sua morada, desci a Rua Direita, passei na boca da loja da esposa de Sêo Tolentino, o encontrei na porta e descemos juntos até o Teco.
Em lá chegando já estavam Alirio Vermelho, do Cantinho, Reizinho e Pinguinha prosando e ouvindo as narrativas e choradeiras de Teco diante do seu Vitória só perdendo jogos em casa e levando de 4 em 4 gols nos jogos fora de casa.
Fomos chegando e Pinguinha, que é o mais sábio e esperto de nós, foi logo comentando: - Depois da leoa da Bela Vista não se fala noutra coisa na Serrinha que não da sucuri do Alto Sereno, comentou.
Fiz-me de inocente: - O que houve com a suruci? - questinoei.
- Mataram a bicha que tinha mais de 4 metros e o que se comenta é que fizeram uma moqueca para mais de 30 pessoas saborearem. Esconjuro, falou e benzeu-se Pinguinha.
- Ora, foi um erro matarem essa cobra, comentei e lembrei-me do comentário de Celso Santana nas redes sociais: cadê o Ibama, poderiam ter chamado o Corpo de Bombeiros e capturado o animal vivo.
- Bombeiro! - atalhou Reizinho - aqui é o povo e a chuva. Deus livre - benzeu-se - mas se tiver um incêndio torra tudo. Vivemos como no tempo dos armazéns de sisal que, dizem as más linguas, tocavam fogo nos fardos de sisal para receber o seguro do BB.
- Lá no Cantinho outro dia mataram uma jararaca e não teve polêmica alguma. Depois, pelo que falou Pinguinha, uma sucuri de 4 metros engole até uma criança.
Comentou Teco: - Nas redes sociais o Sr Wallace Oliveira disse que esse animal (a sucuri) não tem peçonha e só ataca em último caso para se defender ou se alimentar.
Dona Madalena, vizinha de Sêo Teco, que também tomava uma gelada benzeu-se: - Já estão exagerando porque desde que moro aqui na Serra nunca vi falar que uma cobra tenha comido um menino.
Alirio rebateu: - Mas já comeu cabrito, já comeu galinha, já comeu cachorro, já comeu saqué e garrote.
- Cachorro! - interveio Pinguinha - quem come é chinês.
- Que também come cobras de todos os tipos - afiançou Tolentino - dizendo que viu pela televisão. Além dissso, garantiu que o 'jararaca' brasis está vivo.
- Tá vivo lá pra ele. Pra mim ele tá mortinho da Silva, advertiu Tolentino.
Conversa comprida, demorada, a essa altura já estávamos no quarto litrão, quando minha esposa dona Ester Loura ligou-me pelo celular dizendo que já era quase 8 da noite e não demorasse para jantar porque ele queria assistir o capitulo da Força do Querer.
Despedi-me do pessoal e voltei a residência.
Em lá chegando encontro minha neta Sol na ponta da mesa da sala estudando. Está ficando mocinha, caprichosa, estudiosa.
Beijei seu longos cabelos, lavei as mãos e nos colocamos na mesa do jantar. Perguntei a Ester: - O que temos hoje?
- Pergunte a Ju Fraldas, sua secretária, porque ela preparou algo especial para usted, comentou Sol falando você em espanhol.
- Que temos dona Ju? - perguntei
- Dona Ester e Sol vão saborear uma sopa de abobrinha com coentro e cebolinha picada; e V.Exa. vai testar uma sopa de rabo de sucuri com berdoega e sal rosa..
- É o fim do mundo. Será que mandaram o rabo da sucuri do Alto Sereno aqui pra casa, ralhei.
- Se mandaram eu não sei. Agora, dona Ester (falando baixinho no meu ouvido) disse que é por senhor também tomar esses dois comprimios de forteviron.
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