Literatura
Rosa de Lima
19/10/2024 às
09:23
ROSA DE LIMA ANALISA "SOBRE A AMIZADE & PARA SABER ENVELHECER", CÍCERO
Cícero: "Não é a amizade que segue a vantagem material, mas sim a amizade que traz vantagens materiais”.
Voltemos aos clássicos. Isto é sempre salutar. A literatura dos séculos XIX e XX têm seus encantos. A contemporânea também tem seu prazer. Mas é saudável do ponto de vista da compreensão humana ler e apreciar os sábios filósofos do passado. Assim, falaremos do filósofo e político Marco Túlio Cícero, italiano da região central de Arpino, nascido 106 a.C.
Filósofo e orador que viveu na época do Império Romano, ainda no apogeu, período do assassinato de Júlio César, 43 d.C. ele que também foi assassinado a mando de Marco Antônio por questões políticas, porém, os ensinamentos que deixou sobre filosofia moral são estuados e analisados até os dias atuais. Imaginem vocês: 2.100 anos depois de sua existência física, ainda se lê se discute sua obra.
É o que vamos fazer ao analisar seu livro "Sobre a Amizade & Para Saber Envelhecer" (Editora Camelot tradução Fábio Kataoka, 141 páginas, 2023, R$25,00 nos portais da internet) que são temas atemporais tratados de maneira profunda, a amizade como um vínculo sagrado e essencial para o bem estar e felicidade de um indivíduo e a velhice sendo vista e encarada com sabedoria e serenidade.
Parece-nos e aos eleitores que seja estranho um filósofo que viveu a.C. possa nos proporcionar alguns ensinamentos diante de tantas mudanças que aconteceram há dois milênios na existência do homem e nas formas de se comportar e viver. O que se pode acentuar e destacar em sua obra é a essência das interpretações filosóficas, o âmago dessas questões – a amizade e a velhice – que não se modificaram.
Ora, tanto a amizade que é impessoal, abstrata, invisível e gerada a partir de combinações cerebrais; quanto a velhice, esta, sim, perceptível, palpável, vista a olhos nus, mas também relacionadas a psique, como ser encarada no findar da vida, são temas que não se modificaram com o decorrer dos séculos. As pessoas podem até se utilizar das novas tecnologias para estabelecer amizades e também prolongar o tempo de vida. E só.
Cícero conceitua: “A velhice traz a falta de força corporal, mas também não existe que os idosos a tenham. De acordo com a lei e os costumes de minha época, os homens mais velhos estão isentos dos deveres que exigem força física. Portanto, não apenas não somos forçados a fazer o que somos incapazes; também não somos obrigados a fazer o nosso máximo”.
Veja, pois, como esse conceito é válido para os dias atuais ou para sempre. E também observem que o filósofo fala sobre as leis e costumes de sua época (50 a.C.) obviamente se referindo uma mudança de paradigma com eras do passado, provavelmente do tempo de Platão e Sócrates (250 a. C,). E Cícero não descuida do que hoje se chama de atividades cognitivas do cérebro: - “Meus queridos Lélio e Cipião, devemos enfrentar a velhice e compensar suas desvantagens com esforço. Devemos encará-la como enfrentamos uma doença. Devemos cuidar da nossa saúde, fazer exercícios moderados, comer e beber o suficiente para fortalecer, mas não sobrecarregar nossas forças. Não é apenas o corpo que deve ser cuidado, mas também o intelecto e a mente”.
Eis, pois, o que falamos acima: a essência, o sumo, o caldo saboroso do ensinamento atemporal. E, Cícero, já naquela época, aliava o que o psicanalista francês Henri Bergson conceitua em “Matéria e Memória” uma união entre matéria e espírito. Isto é: “O espírito retira da matéria as percepções que serão seu alimento, e as devolve a ela em forma de movimento, em que imprimiu sua liberdade”.
Cícero filosofava: “O fato é que a velhice é respeitável desde que se afirme, mantenha seus direitos e não seja escravizada por ninguém. Assim como admiro um jovem que tem algo de velho, também admiro um velho que tem algo de jovem. Aquele que busca isso pode envelhecer no corpo, mas nunca no espírito”. Nas entrelinhas é isso que nos fala Cícero. Manter e valorizar a liberdade em todas as idades (os direitos) sem bajular ou se agachar aos poderosos (não ser escravo de ninguém).
E o que defende a psicologia funcional dos dias atuais, Cícero já praticava a.C. “Atualmente estou trabalhando na composição do seu sétimo livro ‘Da República’. No momento, estou organizando os discursos que fiz em defesa de causas famosas. () Estudo diligentemente a literatura grega e para exercitar minha memória, aplico o método dos pitagóricos: todas as noites, tento lembrar de tudo o que fiz, disse e ouvi durante o dia. É assim que mantendo a minha mente afiada, como uma ginástica à qual submeto minha inteligência”.
Que maravilha. Estamos falando de uma época em que já havia a escrita, os copistas, os “gravadores de memórias”, porém, nada mecânico. E eletrônico nem no sonho. É o que já fazia Cícero a. C. (hoje uma recomendação dos psiquiatras e psicólogos, evidente com usos de tecnologias atuais em exercícios de jogos, música, etc) com exercícios para a mente dedicando sua vida ao estudo.
Sobre a amizade o filósofo italiano estabelece que “a amizade só pode existir em pessoas boas. Por bons entendemos aqueles cujas ações e vidas não deixam dúvidas quanto à sua honra, pureza, equidade e liberalidade; que estão livres de ganância, luxúria e violência; e que têm a coragem de suas convicções”.
Segundo Cicero alguns apontamentos dos sábios da Grécia antiga são valiosos. “O mais sensato – um deles – é deixar, na medida do possível, a rédea solta em nossas amizades, de modo que possamos apertá-la ou soltá-la a nosso critério. Para ser feliz, a tranquilidade é o nosso principal, pois um espírito não pode desfrutá-la se está constantemente preocupada com uma multidão de pessoas”.
O filósofo conceitua: “A clara indicação de virtude, que naturalmente atrai uma mente de caráter semelhante, é o inicio da amizade. () Portanto, nada é mais prazeroso do que a reciprocidade de afeto e a troca mútua de bons sentimentos e favores. () Não é a amizade que segue a vantagem material, mas sim a amizade que traz vantagens materiais”.
Ler Cícero é uma luz de prazer e seus ensinamentos são perpétuos. Ou, dito para finalizar este comentário com suas sábias interpretações sobre a amizade: “A natureza nos deu a amizade como uma serva da virtude, não como uma parceira da culpa; para que a virtude, sendo impotente quando está isolada, possa alcançar seus objetivos mais elevados em união e parceria com a outra pessoa”.
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