Literatura
Rosa de Lima
09/08/2024 às  18:47

SOBRE CACHOEIRA:ROSA DE LIMA COMENTA ESCORÇO, PEDRO CELESTINO DA SILVA

Publicação da Assembleia Cultural com organização deste livro de Manoel Passos Pereira


 Uma obra com perfil regionalista tem um valor inestimável, pois expõe à luz do saber dados de uma determinada localidade e amplia seu horizonte para novos estudos e pesquisas, compondo o arcabouço da história geral do Brasil. Assim, nos parece, o livro "Cachoeira e Seu Município - Escorço físico, político, econômico e administrativo" de Pedro Celestino da Silva, organização, correção e atualização de Manoel Passos Pereira, ambos cachoeirenses, professores e historiadores cada qual em sua época. 

   O trabalho de Celestino foi escrito entre os anos 1931 e 1932, em capítulos, para a Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, autor que nasceu no século XIX e faleceu em 1943; e a atualização desses textos sobre Cachoeira é obra do historiador formado pela UFBA, Manoel Passos Pereira, e publicada pela ALBA Cultural (Escorço, 496 páginas, 2023, EGBA). Como revela Passos Pereira “observando-se todo o rigor científico da época" o léxico arcaico para a época em que foi produzido corrigido com as regras gramaticais atualizadas, "sendo que algumas palavras de uso corrente no início do século XX, não consegui a interpretação convencional, sempre respeitando atual léxico".

   Trata-se de um exemplar típico da literatura regionalista do final do século XIX e inicio do século XX que prosperou no brasil, um ensaio de literatura vinda de Portugal e que valoriza e destaca além da história, a parte física – situação geográfica, clima, rios, montanhas, fauna, flora, etc, num trabalho primoroso onde estão inseridos todos os elementos da composição territorial.

    Passos Pereira narra que o projeto de publicar Pedro Celestino da Silva começou quando ainda estudava graduação em História, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFBA, trabalho lento e demorado que contou com diversos colaboradores. De fato, o desenho (Esçorco) traçado pela pena de Celestino para falar de sua amada Cachoeira, se inicia com um resumo sobre a Capitania do Paraguaçu subdivisão da antiga Capitania da Bahia, a primeira, de 1536, doado pelo rei de Portugal, Dom João III, a Francisco Pereira Coutinho, a do Paraguaçu conferida pelo segundo governador Geral do Brasil, Duarte da Costa, ao seu filho Álvaro da Costa, em 1557. 

   Eis, pois, um dado novo apresentado por Celestino aos leitores, desconhecido da maioria dos brasileiros e até de historiadores que citam com frequência a existência da Capitania da Bahia, mas, embora o livro cite essa Capitania do Paraguaçu, a rigor como o regime das capitanias já tinha sido abolido, em 1548, trata-se de uma semanária. O autor, no entanto, cita-a como uma “verdadeira donataria pela sus extensão territorial” terras entre os rios Paraguaçu e Jaguaripe.

   Registra como elevada à capitania e revela que, em 29 de março de 1566, “de parte da barra do rio Peroassú de parte sul, até a barra do rio Jaguaripe pela costa 4 léguas pelo sertão pelos dois rios acima dez léguas, indo confinar no Aporá, na Serra Guararu, entrando dentro delas todas as ilhas que estiverem ao longo da costa desta dada”. Ademais, o donatário teve as honras de capitão e governador da capitania, mas os seus sucessores contentaram-se apenas com o título de donatários do Paraguaçu.

    Trata-se, no nosso entendimento, de um dado novo que desconhecia, a existência de dois governadores no período de Duarte da Costa (1553/1557) até que chegou nomeado o terceiro e novo governador Mem de Sá, carta régia de 23 de julho de 1557, e que tomou posse em 16 de janeiro de 1558. O autor dá informações sobre a morte de Álvaro Duarte, em 1578 – segundo Capistrano de Abreu – quando passa a donataria provavelmente 3º e 4º donatários seus sobrinhos.

  Esses dados corroboram o intenso trabalho do autor Pedro Celestino da Silva por tratar de uma localidade cujo sitio conhecido por Cachoeira “fazia parte da Capitania de Peroassú (grafia da época), criada em 1556, cujas terras foram abandonadas ao assanho agressivo dos selvagens. Adiante, Celestino diz que “no governo da Junta Interina, composta do bispo dom Frei Antônio Barreiros, do provedor-mor Cristóvão de Barros e do ouvidor Antônio Carlos de Aguiar, que durou 4 anos (1587-1591), avulta a frutuosa tentativa de Álvaro Rodrigues, fixando Aymores à margem do Rio Paraguaçu, surgindo a futura vila e hoje cidade de Cachoeira.

   Há uma guerra contra os gentios e o capitão João Rodrigues Adorno transportou-se para o sitio de Cachoeira, no correr do ano 1654, fixando residência.  “Assim reconstruiu em 1673, de uma pequena ermida que era, a capela de N.S. do Rosário, que serviu, depois de matriz e hoje é dedicada a N.S. d’Ajuda”. 
   Adoramos o descritivo sobre o Rio Paraguaçu e seus afluentes sobretudo o Jacuipe, o Pitanga e o Caquende a navegabilidade, as enchentes, a importâncias desses rios, e mais sobre as ilhas, lagoas, a Baía do Iguape, portos, farol e produções naturais. Celestino descreve a flora e fauna com minúcias desde os nomes populares das plantas (Pau d’Arco) aos científicos (Tecoma conspícua) e são muitas as citadas – folha larga, murici, farinha seca, jataí, canela, jacarandá, caroá, carrapicho, piaçaba e outras; quati, galo do mato, raposa, coelho, capivara, tatu bola, gambá, etc.

  Nada escapou aos olhos de Celestino a parte política, os usos e costumes, a religião, a freguesia, a vigararia forânea, capelas, igreja presbiteriana, a Ordem Terceira do Carmo, a Freguesia de São Tiago e as irmandades. Navega também a pena histórica de Celestino sobre a parte econômica o transporte fluvial e marítimo, a via férrea, as estradas, os meios de comunicação, a agricultura, a indústria e o comércio, a cana de açúcar, os engenho, o café, a mandioca, importação, exportação; a parte social – imprensa, homens ilustres, monumentos, Cine Teatro Cachoeirano, associações, esporte, caixa escolar, Santa Casa de Misericórdia e cemitério.

   Os leitores, portanto, estão a perceber que se trata de um livro completo sobre o município de Cachoeira, didático, de fácil leitura e um manancial de dados que opermite aos historiadores e outros escritores desdobrarem temas e produzirem novos trabalhos em literatura.


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