Estava há dias para comentar o livro do jornalista Jolivaldo Freitas sobre o coronel Geraldo Sodré Martins, mas devido afazeres outros de minha pena só pude fazê-lo agora neste andar mediano do novembro, e diria que aprecio mais o cronista do que o ensaísta, ainda que haja valor no seu novo livro sobretudo quando traz à tona e aos olhos dos leitores, alguns movimentos e lances da história da cidade do Salvador, em particular da cidade-baixa.
O trabalho, em sí, sobre a biografia do coronel, cujo bom título e capa "Estilhaços de uma Existência - vida, saga e ventura de um velho coronel (Editora Farol da Barra, 427 páginas) reúne episódios da vida do personagem Geraldo Sodré Martins, médico, militar e escritor baiano - segundo pesquisas conduzidas por Jolivaldo - que teve "importante papel na concretização da ditadura militar na Bahia e no Brasil, mas que acabou decepcionado com o regime".
Diria, pelo exposto no livro, que a participação de Sodré Martins foi mais de coadjuvante do processo do que de estruturante. Isto é: mostrou-se defensor do novo sistema implantado no país a partir de 1964, colaborou com algumas ações, porém sem estar na linha de frente como outros notórios políticos e militares baianos como Luiz Viana Filho, Antônio Carlos Magalhães, coronel Luís Artur e outros.
Isso, no entanto, não tira seus méritos, até adiciona, uma vez que soube ser crítico desse sistema endeusado por uns e enxovalhado por outros.
Filho "natural" de Bernardo Martins Catharino empreendedor industrial notório da capital baiana e que marcou época com a implantação de uma fábrica de tecidos no bairro da Boa Viagem e a construção de uma Vila Operária - ainda hoje existente - o autor traz excelentes reminiscências históricas para se entender a cidade do Salvador na virada do século XIX para o século XX quando a revolução industrial que começara na Inglaterra no final do século XVIII havia chegado na Bahia, com a estrada de ferro construída ainda na época do Império - governo de Dom Pedro II - e as instalações de unidades fabris em Itapagipe e no subúrbio ferroviário que apresentavam sinais de novos tempos, já no século XX, com um amparo maior aos trabalhadores.
O coronel nasceu em 1922 no bairro da Mouraria - o autor, com permanente traço de cronista, revela a origem desse topônimo que surge com a presença de mouros (árabes) que viviam em Lisboa e foram expulsos do país (nem todos) diante da formação do Reino de Portugal com Afonso Henriques e a expulsão até de moçarabes.
Sua mãe se chamava Amália Josefina Sodré Viana, neta do Barão de Alagoinhas - Francisco Pereira Sodré - e seu pai Bernardo era português nascido no século XIX numa vila nas proximidades de Coimbra.
Ao nascer, Geraldo foi levado para Acupe - região de Santo Amaro - onde viveu até os 7 anos de idade com adjutório da mãe Bá, uma negra que falava iorubá. Na sua alfabetização ganhou o reforço e conhecimentos de uma senhora chamada Benedita, a qual passou a chamar de mãe Bê. Ciúmes familiares no encaminhamento de sua educação já morando no bairro da Boa Viagem.
Como todo filho de rico foi estudar no Colégio Antônio Vieira onde encontrou seu orientador escolar Luiz Gonzaga Mariz ingressando, posteriormente, na Faculdade de Medicina, na década de 1940. Nesse mesmo período, final da década de 1930 ingressou no Exército como infante no CPOR donde saiu como capitão.
Foi preso ao não assinar uma petição de apoio ao marechal Lott, o qual enfrentava uma rebelião militar na década de 1950 e seguiu na vida militar e na medicina, depois como cronista de A Tarde e escritor, sempre com posições firmes e resolutas.
“Ele era um articulador nato, atleta, artista plástico, médico, escritor, inovador. Um militar contestador, que procurava, dentro do possível, manter boas relações com pessoas de esquerda; homem amado e odiado por políticos e admirado por amigos”, segundo relata Jolivaldo Freitas.
A função que mais marcou a sua vida - segundo consta no livro - foi a de militar - em especial no período em que participou de articulações ao golpe contra o então presidente da República, João Goulart. No trabalho do autor não há detalhes dessas articulações.
Anos depois de colaborar diretamente para a consolidação da ditadura militar no país, ficou insatisfeito com os rumos tomados pelo governo. Um dos fatos contados no livro, inclusive, é a briga que teve com Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia.
A história desse personagem trazido à tona por Jolivaldo se soma a de outros fatos e personagens narrados sobre esses episódios que aconteceram na Bahia e são bastante elucidativos.
Na segunda parte do livro o autor selecionou alguns textos de Geraldo publicados em A Tarde (anos 1970), fotos de seus quadros (também se dedicada em segundo plano a pintura) e da família, e um anexo sobre "O Crime da Livraria", na realidade um livro que Martins escreveu com o pseudônimo de Gil Smart, crime acontecido em Salvador, na Rua Chile, em 1959.
O livro, pois, muitos fatos pitorescos e traça (em parte) um retrato da cidade baixa de Salador.
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