Literatura
Rosa de Lima
24/03/2022 às  20:25

ROSA DE LIMA COMENTA OBRA "EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO', MARCEL PROUST

Crítica literária aborda o 1º volume intitulado "No Caminho de Swann" e mais adiante falará do 2º voluma "A Sombra das Moças em Flor"


       É prazeroso resenhar Marcel Proust. Sua densa obra romanesca "Em Busca do Tempo Pedrido" (À la recherche du temps perdu) escrita entre 1908 e 1922 - publicada entre 1913 e 1927 em sete volumes, os três últimos postumamente - é complexa e exige de leitores que não tenham conhecimento da cultura europeia do século XIX, sobretudo da francesa, atenção redobrada e pesquisas permanentes aos dicionários para entender o que diz o autor. 


   Proust cita centenas de lugares a começar pela sombria Combray e nomina peças de teatro e musicais no decorrer das narrativas em saraus e tardes-noites de vinho com amigos (as), além de inúmeros persoangens que se encaixam em figuras reais da nobreza francesa, que não há outro recurso senão pesquisar para saber quem são, o que deixa os leitores mais ambientados com o romance.

   O autor era um erudito, um refinado da palavra e sabe usar a linguagem com frases bem construidas, aspas milimetricamente colocadas nos diálogos dos seus personagens e ambientes de sua época e, mais do que isso, análises psicológicas do ser e não ser, da dubiedade de comportamentos com passagens ou visões filosófica do tempo. O que se diz, entre os estudos já realizados sobre sua obra é que teria revolucionado o romance do século XX.

  Os sete volumes que constituem a obra são (os títulos em português, edição da Relógio d'Água publicados entre 2003 e 2005 numa tradução de Pedro Tamen): Du côté de chez Swann (Do Lado de Swann, 1913); À l'ombre des jeunes filles en fleurs (À sombra das raparigas em flor, 1919, recebeu o prémio Goncourt desse ano); Le Côté de Guermantes (O caminho de Guermantes, publicado em 2 volumes de 1920 e 1921); Sodome et Gomorrhe (Sodoma e Gomorra, publicado em 2 volumes em 1921-1922); La Prisonnière (A prisioneira, publicado postumamente em 1923); Albertine disparue (A Fugitiva - Albertine desaparecida, publicado postumamente em 1927) (título original: La Fugitive); Le Temps retrouvé (O tempo reencontrado, publicado postumamente em 1927)

 Numa análise geral, "Em busca do tempo perdido" se classifica entre as maiores obras da literatura universal. O papel da memória é central no romance. Esse é o fulcro da obra, a essência, tema dos mais perseguidos pelos grandes autores. 

  Por enquanto só li "No Caminho de Swann" (Editora Nova Fronteira, 350 páginas, tradução de Fernando Py, 2016, a obra completa custa R$170,00 pela internet) que é o primeiro título do ciclo "Em Busca do Tempo Perdido". Neste livro, o narrador introduz o leitor no seu universo literário a partir de rememorações da infância e da história de amor e ciúme de Swann por Odette. 

  Charles Swann, a figura central de grande parte do primeiro volume, tem ciúmes da sua amante Odette (com quem mais tarde se casará), a qual admitirá (ou não) ter mantido relações sexuais com outras mulheres. Esse comportamento (real ou imaginário) deixava Swann permanetemente atordoado. Também 'morria' de cíumes da amizade de sua amante com um certo nobre Forcheville. Outros personagens secundários, como o Barão de Charlus (inspirado em Robert de Montesquiou), são abertamente homossexuais, enquanto o grande amigo do narrador, Robert de Saint-Loup, são mais tarde apresentados como homossexuais não assumidos. 

  "Outrora, tendo muitas vezes pensado com terror que um dia deixaria de estar enomarado por Odette, prometera a si mesmo ser vigilante, e ao sentir que seu amor começasse a abandoná-lo, agrarra-se a ele, retê-lo. Porém, eis que ao enfraquecimento do amor correspondia, simultaneamente, um enfraquecimento do desejo de permancer apaixonado. Pois não é possível mudar, isto é, tornar-se uma outra pessoa, e continuar a obedecer aos sentimentos da pessoa que deixou de ser", escreve Proust.

  Essa narrativa em campo freudiano permeia boa parte do pensamento de Swann e o persegue como uma sombra, o deixa atormentado vendo visagens e perambulando pelas ruas e em coches diante do amor inseguro por Odette, buscando válvulas de escpaes com amigos e amigas, a ponto ir a casa da amante para uma explicação.

  Narra Proust: "Sentou-se longe dela. Não ousá-la beijá-la, sem saber se nela ou nele, era afeição ou a cólera o que o beijo revelaria. Calava-se, olhava seu amor morrer. De repente, tomou uma decisão: - Odete - desse - meu amorzinho, sei que sou odioso, mas é preciso que te perguntes algumas coisas. Lembras-te da ideia que tive a respeito de ti e da sra. Vendurin? Diz-me, era verdade, com ela ou com outra.

  "Ela sacudiu a cabeça e franziu a boca, sinal frequentemente empregado pelas pessoas para mostrar que não vão responder... - Eu te disse, tu bens sabes - acrescentou ela com ar irritado e infeliz... - Sim, eu sei, mas tens certeza? Não digas: "Tu bem sabes", e sim: "Eu nunca fiz esse tipo de coisa com mulher alguma".

  É algo surreal, de dificl interpretação.

  - Estás enganada em pensar que eu haveria de te querer mal por isso, Odette - insistiu Swann com uma doçura persuasiva e mentirosa - Nunca te falo senão do que sei, e sobre isto sei muito mais do que digo. Mas tudo somente é que podes suavizar pela confissão o que me faz odiar-te de tal maneira pelo fato de o ter sabido através dos outros.

  Swann, portanto, são dois seres encastelados em sombras do ser e não ser, no fundo não acreditava no que confessava a amante sobre romances com mulheres que não teria tido; e ao mesmo tempo, numa réstia de esperança pelo amor sincero de Odette, achava que ela falava a verdade. O autor, no entanto, deixa sempre uma terceira opção para um personagem complementar imaginário dando conta de que "saber através dos outros" - dos encontros da sua amante com mulheres - permanecia na sua mente, grudados.

  A obra - citam críticos literários eruditos e de grande saber - traz uma das mais famosas passagens da literatura, quando o narrador come uma "madeleine" (tipo de bolinho) molhada no chá e vê sua consciência mergulhar involuntariamente no passado. As criaturas de Proust são vítimas desta circunstância e condição predominante: o Tempo. Por isso mesmo, ou talvez por isso, em dias atuais, a narrativa de Proust seja tão cultuada e apreciada.

  Lançado em 1913 estamos, pois, lendo-o 109 anos depois e observando como era parte da sociedade dominante francesa no limiar do século XX, de resto, no âmago da sociedade europeia ocidental, com o ambiente familiar dominado por mulheres e os sentimentos precoces de ódio e de culpa aflorados em quaiser rodas de saraus e chás.

  Proust termina este pprimeiro volume com uma frase lapidar: "Os lugares que conhecemos não pertencem sequer ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não passam de uma Igada fatia em meio às impressões contíguas que formavam nossa vida de então; a recordação de uma certa imagem não é mais que a saudade de um determinado instante; e as casas, os caminhos, as avenidas, infelizmente são fugidios como os anos".

  O que diz Proust parece-nos claro. Ele descreve a realidade em quadros de memória de uma determinada época entendendo que os momentos são eternos e devem ser preservados e revelados ao público, ainda que, todos esses momentos, como na vida real de quaisquer segmentos da sociedade, sejam passageiros. 

 Daí, vamos ao segundo volume "À Sompra das Moças em Flor" para sabermos onde pretende chegar o autor. Até breve.


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