Adoro livros sobre cães. São tantos e diversos que a gente fica até em dúvida sobre quais ler. Mas, sempre são prazerosos e cada qual mais surpreendente do que outros. Eu mesmo prefiro aqueles redigidos em primeira pessoa, em que os cães falam, emitem opiniões e dizem como vivem os humanos. Há vários deles e nós já escrevemos aqui sobre um deles: "Quatro Vidas de Cachorros", de W. Bruce Cameron, o qual aborda uma familia de cães e sua relação com uma familia de humanos, nos Estados Unidos, com passagens em áreas urbanas e rurais.
Judy - a História real da cadela que virou heroina na Segunda Guerra Mundial - escrita pelo inglês Damien Lewis não tem narrativas em primeira pessoa, mas, o sentimento dessa cadela por um militar do Exército inglês é emocionante. O livro, que comentamos agora, em síntese, narra a história de Judy, uma pointer inglesa, que desde os anos 1930 navegava ao longo do Rio Yangtzé a bordo de uma canhoneira e tornou-se prisioneira de guerra junto a militares britânicos, holandeses e canadenses.
Judy sobreviveu a bombardeios e naufrágios e tornou-se Mascote da Marinha Real Britânica e heroina, vindo a falecer na África para onde mudou-se após a II Grande Guerra com seu dono, o militar Frank Williams. E o mais sintomático, a cadela não foi devorada literalmente) pelos asiáticos japoneses, os quais têm em seu cardápido regular a comida de cães.
É uma narrativa emocionante, real, um dos animais mais famosos da II Guerra Mundial. É detentora da Medalha Dickin PDSA, conhecida como Animal VC (Cruz Vermelha) por seus atos que ajudaram a salvar vidas a bordo das canhoneiras e nos campos de prisioneiros.
O livro de Damien Lewis é também uma extensa aula de história, pois, na medida em que vai contando a trajetória de Judy narra os episódios da guerra desde Xangai, Cingapura, Sumatra e ilhas do Pacificio, as ações das canhoneiras Gnat e Grasshopper, da Marinha Britânica, afundadas pela aviação da Imperial Força Aérea Japonesa. E, claro, para situar o contexto da história revela como os britânicos e outros povos controlavam negócios na China na rota de Xangai e do Yangtzé, e essa era uma rota importantissima no Oriente.
Os animais pointers por natureza são elegantes, destemidos, amigueiros e belos. Judy tinha todas essas qualidades e dava a impressão de que, no teatro da guerra, se comportava como se, de fato, estivesse numa guerra e não levando uma vida normal de uma cadela. Há passagens no livro que denotam esse comportamento do animal esforçando-se para conseguir alimentos para os prisioneiros de guerra britânicos em poder dos japoneses tranficados em campos de concentração para o trabalho.
Os japoneses não foram como os alemães que matavam suas vitimas com gás na chamada limpeza étnica, mas, eram igualmente brutais e forçavam os prisioneiros a trabalhos pesados levando milhares à morte.
Uma das narrativas desses sobreviventes britânicos postos numa ilha - Judy com eles - narra a história da construção de uma estrada de ferro na Sumatra, chamada de Ferrovia do Inferno, em campos de trabalho de Pakan Baroe, onde centenas deles perderam a vida devido aos maus tratos e as exigências absurdas do trabalho, estrada que no final da guerra foi abandonada e não serviu para coisa alguma. Situações de guerra pouco conhecidas dos leitores brasileiros mais acostumados a ter informações do teatro da guerra na Europa.
Em todo esse cenário dramático vivia e se destacava a cadela Judy e o autor, em trabalho bem pesquisado, conseguiu reunir narrativas e documentos, depoimentos, escritos, croquis, em que revela o amor dessa cadela por um dos militares (Frank Willams), como se fosse seu verdadeiro pai, amor recíproco, porque embora ela fosse mascote da Marinha Britânica, após a Guerra seguiu para viver com ele na Tanzânia, onde Farnk, já reformado do Exército, foi trabalhar em extensas plantações inglesas de amendoim, na África Oriental.
É lá que Judy, nascida em Xangai, 1936, aos 14 anos de idade, é sepultada em 1950, em túmulo onde se lê numa lápide "Memória de Judy DM Canine vc, ferida na guerra em 14 de fevereiro de 1942... com notas de uma lista de lugares em que serviu.
O que se pode tirar de ensinamentos desses livros sobre cães é exatamente essa lição do afeto de um animal por um humano e vice-versa, tema recorrente nas narrativas sobre cães, porém, sempre surpreendentes a cada texto. Damiel Lewis, autor best-seller, soube como poucos, dar sua contribuição a esse universo trazendo a público não uma história de ficção, mas, algo real, emocionante e com um conteúdo histórico valioso.
Bom livro não só para os apreciadores das histórias de cães, mas, para conhecimento geral do saber e a II Grande Guerra Mundial é um teatro inesgotável desse e de outros episódios ainda inéditos e a contar.